domingo, 18 de julho de 2010

O Império Luso Brasileiro (1750-1822) - Cultura

A NAÇÃO MERCANTILISTA – Ensaio Sobre o Brasil - Jorge Caldeira

CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. Ensaio Sobre o Brasil. Editora 34: São Paulo, 1999. (p. 173 – 202)


         - “Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não houve quem andasse por negligência dos portugueses, que, sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se em andar arranhando ao longo do mar como caranguejos. (...) na época da frase, 1627, seria difícil sustentar empiricamente a afirmação. Os ‘caranguejos’ já davam as caras por todos os meandros da bacia oriental do Prata, varejavam o Araguaia-Tocantins, tinham atravessado o interior do Nordeste (...)” (p. 173)
O autor acredita que existe nesta frase uma divisão qualitativa que separa o sertão e a zona litorânea:
         - “(...) o que importa é o litoral, português e conhecido; o sertão pertence a outro estágio civilizatório, com processos sociais desconhecidos, e cuja elucidação, de qualquer forma, é irrelevante para a história.” (p. 174)
O padre André João Antonil é o mais radical representante desta forma de ver o Brasil. Para ele:
         - “(...) não há sequer a necessidade de apontar para a existência de uma dimensão social e econômica, que se oculta ‘naturalmente’. Tudo que está para além do açúcar se faz fora da sociedade, está no plano natural. Essa exclusão permite uma descrição exemplar do engenho, com um forte apelo – o que ele produz tem significado apenas porque o senhor governa (...). No trabalho dos escravos, há apenas um resquício de significação, justamente em seu ocultamento enquanto objeto da natureza.” (p. 174)
Esta “História dos Senhores” e a ocultação da “História dos escravos” segundo o autor pode ser justificada:
       - “Uma crueza que fazia sentido num tempo em que não se imaginava outro sentido para a Colônia senão o de enriquecer a Metrópole. (...) os interesses econômicos internos do espaço colonial não tinham qualquer sentido para a autoridade metropolitana.” (p. 175)
Nos textos atuais encontra-se uma forte marca de divisão qualitativa da economia:
         - “Mudam é verdade o nome dos pólos – mas, por trás dos conceitos, reforça-se a idéia de que havia dois tipos de economia na Colônia: setor exportador/setor de subsistência (...) sertão pastoril/litoral agrícola, onde ‘a separação é completa’ (...) ‘estrutura bissegmental de economia mercantil e economia natural’ (...)” (p. 175)
         - “A economia colonial aparenta duas vertentes qualitativamente distintas, com uma articulação determinada entre elas: o interior é dependente do setor exportador – e nessa articulação está o sentido de todo o conjunto.”
         - “O açúcar que escoa pelo litoral explica o sistema econômico; o que se passa no sertão é primitivo, ‘economia natural’. (...) para entender o que ocorreu no Brasil, sobretudo no século XVIII, é preciso tomar outro caminho: comparar realidades empíricas sem o peso do olhar dual (...). Em outras palavras, é preciso supor o objeto ‘Brasil’ como sendo de outra natureza, menos ordenado logicamente.” (p. 176)
Para sustentar essa suposição, desenvolveram-se duas séries de argumentos:
· Complexa interconexão de atividades econômicas desenvolvidas internamente para o engenho exportador de açúcar funcionar: Alianças e guerras com nativos e atividades econômicas e militares; cruzamento de informações culturais propiciadas pelos casamentos entre portugueses e índias. (p. 176, 177)
         - “Os resultados do processo de mistura de gentes, em outras palavras, definem algo que vai além do projeto colonial: algo próprio, que acaba sendo característica mais tarde brasileira – e brasileira por diferença. O processo contém determinantes e interesses que estão além daquilo que era planejado, e nisto está sua importância.” (p. 178)
· Comparação do quadro brasileiro aos quadros coloniais do século XVII:
         - “Em relação aos territórios espanhóis, o Brasil apresentava uma divisão de trabalho mais avançada, com os mesmos elementos. Conseguiu-se montar aqui a especialização de uma área geográfica voltada exclusivamente para a produção de cana, em torno do engenho, o que só foi possível graças ao deslocamento das atividades secundárias para outras regiões (...)” (p. 179)
         - “A maior abrangência social (...) e o maior peso econômico do setor interno, comparados a estruturas similares, são fatores relevantes para que se considere o conjunto não como reflexo, mas como um fator próprio da formação social brasileira. (...) A criação de zonas intermediárias ou momentos de aproximação (...) passa a constituir um traço marcante da vida de relações na colônia (...)” (p. 179)
         - “É mameluco o fundamento da miscigenação, e o seu resultado específico mais importante: a capacidade de misturar idéias e costumes (...). O comportamento econômico típico da Colônia era a organização da vida em torno da idéia do enriquecimento – uma possibilidade muito maior no Brasil que em Portugal” (p. 180)
O autor destaca o emprego das formas simbólicas de troca que eram usadas no lugar da moeda e que deveriam estruturar uma produção regular e permanente. Essa produção adquire um caráter de enriquecimento, e este novo objetivo (enriquecer) não era sancionado pela visão metropolitana:
         - “O contínuo aumento da sangria fiscal, agravando já as precárias condições monetárias internas, foi mais duro para algumas regiões. No Nordeste açucareiro, onde a alavancagem era maior, as possibilidades de adaptação eram menores: ficava mais difícil ainda transformar os grandes patrimônios em dinheiro, o que tornou os senhores reféns do garrote metropolitano. Só lhes restou transferir os custos da adaptação, aumentando a pressão sobre os fornecedores de insumos, a fim de ampliar os ganhos nas trocas não-monetárias que subsidiavam o sistema.” (p. 181)
         - “(...) nas regiões em que a alavancagem era menor (...) até mesmo impactos violentos podiam ser suportados por outra via. Foi o que ocorreu em São Paulo. (...) O sertão desconhecido para a autoridade escondia também outro tipo de possibilidade. Ali era possível viver longe de impostos e constrangimentos, quando isto era interessante.” (p. 181)
         - “(...) o fato é que os paulistas já mineravam ouro desde o século XVI, nas minas do Jaraguá: Também exploravam o minério em Cananéia, durante todo o século XVII. Assim, o que talvez explique a ausência do metal em testamentos é a própria cupidez fiscal da Metrópole.”
Pela legislação da época, os metais nobres existentes na colônia eram propriedade do rei:
         - “Obviamente, durante muito tempo, tal legislação não permitiu a declaração da moeda nos testamentos – nem permitiu muitos progressos nas descobertas. (...) A situação mudou por completo em 1694. Conformadas com o fracasso, as autoridades portuguesas mudaram a lei: o descobridor ganhou o direito de propriedade, desde que pagasse impostos ao rei.” (p. 182)
A política de assegurar a propriedade das descobertas através da notificação foi fundamental:
         - “O fim do silêncio em torno dos metais preciosos provocou uma enorme mudança (...) uma expansão do setor ‘interno’ da economia, não exatamente na forma desejada pela autoridade central. A diferença foi que, desta vez, o movimento adquiriu uma amplitude muito maior, tanto no sentido econômico como no cultural.” (p. 183)
A maioria dos descobridores era de São Paulo, mas também havia pessoas vindas de salvador e, até mesmo portugueses:
         - “Escrevendo em 1711, o raggionere Antonil calculava em 30 mil o número dos que se abalançaram atrás do precioso metal em pouco mais de uma década.” (p. 184)
        - “Dependendo dos azares e sortes das descobertas, baianos aliavam-se a reinóis, ou a paulistas, ou a índios – e assim sucessivamente. (...) o início da mineração do ouro foi também uma forma de multiplicar a força do processo de miscigenação.” (p. 185)
         - “A forma monetária estava finalmente ao alcance mais fácil dos homens que deveriam viver numa “economia natural” ou de “subsistência”. (p. 186)
Os mineradores tinham necessidades além do ouro para viver, por isso, houveram mudanças na agricultura de subsistência. As novas roças forneciam farinha de milho e mandioca, carnes, algodão, legumes e outros gêneros às regiões mineradoras. O transporte dessas mercadorias gerava uma nova relação custo/benefício. Houveram tentativas de proibir a venda para fora da cidade, mas nada adiantou:
         - “Muitos senhores de engenho largaram-se para as minas com seus haveres e escravos. Outros preferiam comerciar, apesar de que comércio direto com as minas fora proibido. (...) Até que os níveis de produção de alimentos se ajustassem à crescente demanda das minas, as possibilidades de acumulação de fortunas pelos fornecedores dos mineradores foram imensas (...).” (p. 187)
A demanda a ser suprida era grande, todo o sistema de transporte foi reformulado. O transporte que antes era feito nas costas dos índios, foi substituída pelo transporte em cavalos. Em 1720 surgem notícias de criadores do Sul levando boiadas para a venda em Minas Gerais. O deslocamento de muares para a venda também cresceu. Com o movimento dos tropeiros, interiorizou-se a economia de mercado (p. 188):
       - “Todos os milhares de pontos de pouso de tropeiros que surgiram pela colônia afora eram mercados locais alternativos ao grande proprietário, economia de mercado ao alcance de qualquer um.” (p. 189)
         - “Uma das mercadorias às vezes vendidas pelos tropeiros era a das mais desejadas pelos donos de ouro: os escravos. (...) Com sua política de favorecer a captação de impostos e diminuir ao máximo os custos de manutenção do império, Portugal deixou uma brecha antiga aberta: a permissão para que navios saídos do Brasil fossem buscar escravos nas possessões africanas, recolhendo ali a parte portuguesa dos direitos alfandegários.” (p. 189)
Em 1721, foi estabelecida uma fortaleza na Bahia com o apoio dos comerciantes e do governador. Foi legalizada com o pagamento de impostos no desembarque. Em 1723, comerciantes de Salvador criaram a Mesa do Bem Comum dos Negociantes da Bahia, que organizaria todo o negócio interlocutor junto às autoridades. Durante muito tempo, o comércio de escravos foi uma atividade externa da economia baiana:
         - “Criava demanda para uma série de atividades internas: aguardente, tabacos e búzios, produtos locais, eram as mercadorias de troca. Só nas viagens africanas, eram empregados 24 navios, os quais precisavam ser mantidos, reparados, tripulados e abastecidos a cada viagem. (...) a navegação costeira era bastante desenvolvida, a nova demanda ajudou a criar uma indústria.” (p. 190, 191)
A Bahia fornecia escravos para Minas Gerais, mas o maior abastecedor foi o Rio de Janeiro. Os negócios eram feitos com as possessões portuguesas de Angola e Benguela e como mercadoria de resgate era usada o aguardente de cana, provocando o crescimento de engenhos fluminenses. Em segundo lugar era empregado o tabaco. O tráfico de escravos era um forte componente de contrabando:
       - “(...) o alívio de parte da carga de naus da carreira das Índias nos portos africanos, com o que se levavam tecidos e especiarias tanto para a feitoria oficial de contrabando de Sacramento.” (p. 191)
         - “Já no início da década de 1720, - somente uns poucos navios de traficantes que navegavam em Angola mantinham contato com Portugal: o comércio com o Brasil era horizontal, não triangular -.” (p. 191)
         - “A interferência direta do governador e dos traficantes tradicionais foi derrubada, e a captura entregue aos senhores de guerra nativos, que passaram a dominar por completo a produção maciça de escravos.” (p. 192)
Em 1718 foi encontrada uma nova reserva de ouro em Cuiabá, mas somente em 1721 poucos sobreviventes de uma excursão chegaram ao local. Achar ouro ali era bem mais fácil que encontrar comida. A viagem para esta região era perigosa e exigia muitos cuidados:
       - “Os riscos de perda eram grandes – por fome, guerras ou acidentes. traficar escravos em Mato Grosso era um negócio de alto risco (...).” (p. 193)
A partir de 1742 todo o espaço colonial ficou integrado em uma única economia, com as trocas em função do ouro estendendo-se desde o Rio Grande do Sul até a Bacia Amazônica, pela rota do rio Madeira. Em 1722, Bartolomeu Bueno da Silva partiu de São Paulo e vagou durante três anos pelo Planalto Central, depois de enfrentar motins, divisões e lutas com índios voltou pra São Paulo com 28 quilos de ouro. Em meio século as regiões mineradoras definiram traços gerais de um mercado interno cujos principais produtos eram escravos, farinhas e gado (P. 194, 195):
         - “Os mesmos produtos desenvolvidos no século anterior, porém com uma importante diferença: já não eram mais obtidos através de escambo ou redes de clientelismo (...). Os mesmo agentes do século anterior, mas agora visivelmente inteligíveis como tendo suas ações movidas pela lógica do lucro.” (p. 195)
         - “Além de tornar visível a lógica monetária ao mercado interno, e economia mineradora acrescentou a ele uma nova complexidade. Exigia artesãos especializados, capazes de lidar com o ferro e com técnicas mais apuradas de extração, quando o ouro de aluvião começou a tornar-se mais raro.” (p. 196)
As descrições factuais da revolução no mercado interno e na economia brasileira não foram quantificadas. O ouro permitiu a consolidação de um circuito de trocas em todo o território colonial. Com exceção dos escravos, praticamente todas as mercadorias e serviços envolvidos no circuito eram produzidas localmente e de maneira bastante atomizada. O pequeno comércio varejista não exigia grandes investimentos de capital, o que permitiu seu crescimento. Esse complexo de atividades era submetido a leis de concorrência e relativamente democrático, permitindo a entrada e circulação de pessoas com pequenas posses,. Era o que de mais próximo havia de uma economia capitalista (p. 196, 197): 
       - “Um ponto essencial o diferenciava: o trabalho escravo. A começar do fornecimento, ele disseminava forças concentradoras. Para se entrar no negócio do tráfico, mesmo no escalão mais baixo, era necessário, no mínimo, ter relações ou capital suficiente para atuar como comboieiro ou comissário de um traficante na África, o que já eliminava muitos pretendentes.” (p. 197)
         - “(...) era preciso manter lubrificados os canais internos de distribuição. A ‘produção’ precisava ser escoada o mais rápido possível, sob pena de aumento de custos e da mortalidade.” (p. 198)
         - “O grosso do negócio, tanto na Bahia como no Rio de Janeiro, ficava nas mãos de poucos traficantes, capazes de reunir o grande capital necessário para ele – e capazes de concentrar grandes fortunas. (...) Ao contrário do tráfico para as plantations (...) onde a liquidação dos negócios costumava ser a vista, os traficantes brasileiros em geral continuaram preferindo vender a crédito, mesmo quando poderiam receber em ouro. (...) o fornecimento de crédito fazia diminuir a velocidade de rotação do capital comercial, e portanto sua capacidade de produzir lucros. Mas por outro lado, essa modalidade permitia que, mediante a cobrança de uma taxa de juros mais alta, o vendedor se tornasse ‘sócio’ dos ganhos efetivos produzidos pelo escravo em sua atividade.” (p. 198)
         - “A alta taxa de juros embutida na venda a crédito tinha uma conseqüência desastrosa para o escravo: tornava praticamente obrigatório para o senhor extrair o máximo dele num mínimo de tempo (...). O fornecimento de crédito embutido na venda dos escravos, no entanto, produzia outro efeito crucial: criava novas cadeias de dívida” (p. 199)
         - “A forma de dívida escrita, onde o reconhecimento entre as partes assumia a forma contratual – e portanto desligada da dependência hierárquica ‘privada’ – passou a ser comum a partir do século XVIII.” (p. 199)
         - “No entanto, era difícil estimar a efetividade de tais documentos. (...) Muitas das ações de cobranças eram feitas apenas com base na palavra, o que tornava a possibilidade de reconhecimento efetivo da dívida dependente da confissão oral do devedor.” (p. 200, 201)
         - “A indistinção original das minas dos aventureiros, onde campeia a miscigenação, a busca de oportunidades, o acúmulo de fortunas caracterizam mais os devedores. Por outro lado, o comerciante-credor é descrito não apenas como dono de um negócio, mas como a autoridade legal.” (p. 202)













Referências Bibliográficas:

CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. Ensaio Sobre o Brasil. Editora 34: São Paulo, 1999. (p. 173 – 202)


O ESCRAVISMO COLONIAL - Jacob Gorender

GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1978. (p. 53-87 e 164-171)


CAPÍTULO I – ESCRAVISMO COLONIAL – MODO DE PRODUÇÃO HISTORICAMENTE NOVO:
- “Com o descobrimento no ano de 1500 e a subseqüente colonização, puseram-se, uma diante da outra duas formações sociais heterogêneas: a dos Conquistadores europeus e a das tribos autóctones.” (p. 53)
               O autor cita Marx. E segundo Marx, existem três possibilidades nas conquistas. Porém, para o autor, na América nenhuma das três possibilidades se concretizou (p. 53): 
- “O modo de produção predominante no Portugal da época, não se transferiu ao país conquistado. (...) O modo de produção resultante da conquista – o escravismo colonial – não pode ser considerado uma síntese dos modos de produção preexistentes em Portugal e no Brasil.” (p. 54)
- “O estudo da estrutura e da dinâmica do modo de produção escravista colonial (...) demonstrará o que desde logo vem afirmando, ou seja, que se tratou de um modo de produção historicamente novo (...)” (p. 54, 55)
                   O autor utiliza algumas citações de Marx sobre o emprego do trabalho escravo e sobre o aspecto anômalo que constituiu o escravismo americano para ele (Marx) a princípio. Porém, que em O Capital, já é uma tese totalmente ausente. Para o autor, houve um amadurecimento nas idéias de Marx, a respeito da escravidão. (p. 55 e 56)
                  O autor expõe sua opinião sobre a idéia de capitalismo anômalo (p. 57):
- (...) na questão do escravismo americano, considero inaceitável a tese do caráter capitalista, anômalo ou não. Tanto mais, adiciono a título de reforço, que o próprio Marx se encarregou de demonstrar essa inaceitabilidade com o que sobre o assunto escreveu em sua obra principal.” (p. 57)
                 Sobre a idéia de Modo de produção arcaico (Genovese):
- “Pela sua escala, o escravismo mediterrâneo antigo, sobretudo o romano. Há em ambos, de fato, o traço comum do trabalho escravo como tipo dominante de exploração da mão-de-obra. Mas a estrutura e a dinâmica forma distintas em um e outro, tanto que a sociedade imperial romana se defrontou com o impasse representado pela impossibilidade de evolução do escravismo patriarcal arcaico ao escravismo mercantil moderno.” (p. 58)

CAPÍTULO II- A CATEGORIA ESCRAVIDÃO:
                 O autor usa argumentos de Aristóteles e Montesquieu para caracterizar o escravo:
- “O escravo, instrumento vivo como todo trabalhador, constitui ademais “uma propriedade viva”. A noção de propriedade implica a de sujeição a alguém fora dela: o escravo está sujeito ao senhor a quem pertence.” (p. 60)
- “A escravidão propriamente dita é o estabelecimento de um direito que torna um homem completamente dependente do outro, que é o senhor absoluto de sua vida e seus bens.” (p. 61)
                     O primeiro atributo do ser escravo é ser propriedade e daí, surgem outros dois atributos: perpetuidade (ser escravo por toda a vida) e hereditariedade (transmitir essa condição à seus filhos). Esse tipo de escravidão, “ser propriedade perpétua e hereditária” seria a forma completa de escravidão. A forma incompleta seria quando a escravidão cessasse após um determinado tempo e não fosse transmitida aos filhos.  (p. 61, 62)
                 Gorender cita Charles Parain ao falar de escravidão geral, conceito que não teria sido aprofundado por Marx:
- “Charles Parain, por exemplo, lança mão do conceito, separando a “escravidão geral” da “escravidão propriamente dita”. A primeira se manifestaria no recrutamento forçado de trabalhadores pelo Estado para a execução de obras de interesse público, como é peculiar do modo de produção asiático. Na segunda teríamos o escravo como propriedade privada, comprado, mantido e explorado por um empresário particular.” (p. 62)
                   Idéia de escravo como “coisa” (p. 63):
- “Mas o escravo, sendo uma propriedade, também possui corpo, aptidões intelectuais, subjetividade – é,em suma,um ser humano. Perderá ele o ser humano ao se tornar propriedade, ao se coisificar?” (p. 63)
- “O boi serve de escravo aos pobres.” Aristóteles (p.64)
- “Os negros eram marcados já na África, antes do embarque, e o mesmo se fazia no Brasil, até o final da escravidão.” (p. 64)
- “O primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra seu senhor à fuga do cativeiro. Em contrapartida, ao reconhecer a responsabilidade penal dos escravos, a sociedade escravista os reconhecia como homens: Além de incluí-los no direito das coisas, submetia-os à legislação penal.” (p. 65)
                   O direito escravista sofre modificações que limitavam o domínio do senhor e reconheciam de certo modo a condição humana do escravo (p. 68):
- “Quanto mais acentuado o caráter mercantil de uma economia escravista, o que se deu sobretudo nas colônias americanas, tanto mais forte a tendência a extremar a coisificação do escravo. As modificações jurídicas limitadoras dessa tendência só podiam ter efetivação concreta muito relativa nos domínios agrícolas isolados, onde a supremacia do senhor sobre o escravo não padecia de restrições práticas.” (p. 68, 69)
                   Duas culturas e uma mesma forma para tratar o escravo: Aristóteles: “Três coisas são a considerar no escravo: o trabalho, o castigo e o alimento.” Eclesiastes: “Ao escravo, pão, correção e trabalho. (p. 69)
                   Para o autor, existe uma associação natural entre trabalho e castigo do ponto de vista do escravocrata, e esse castigo seria necessário e justo:
- “De qualquer maneira, não devemos supor tivessem os senhores, interesse em inutilizar seus escravos que, afinal,como dizia o livro Bíblico,eram seu dinheiro.” (p. 71)
                    A fiscalização do trabalho escravo era realizada pelo Feitor, e este seria um gasto improdutivo, porém necessário. Gorender novamente cita Marx para expor esta idéia (p. 72):
- “...este trabalho de vigilância é necessário em todos os modos de produção que repousam sobre a oposição entre o trabalhador,enquanto produtor direto,e o proprietário dos meios de produção. Tanto maior esta oposição, tanto maior será o papel que desempenha este trabalho de vigilância. Ele atinge, em conseqüência , seu máximo no sistema escravista.” (p. 72)
                    A idéia de que o trabalho dignifica o homem é expressa por Hegel, e citada pelo autor. E o autor destaca a conquista de independência da consciência do escravo através de seu trabalho (p. 73):
- “(...) alcança então a consciência de ser ela própria em si e para si. Enquanto o senhor apenas desfruta do produto do trabalho, consome-o,porém não o cria, o escravo,ao contrário,entretém com a coisa, com o objeto do trabalho, uma relação essencial.” (p. 73)
                    Considerações sobre os tipos de trabalhadores escravos (p. 74, 75, 76, 77):
- “Considerando em sua massa, sobretudo nos domínios agrícolas, o escravo era um mau trabalhador, apto apenas a tarefas simples, de esforço braçal sem qualificação. (...) ao contrário da classe dos operários livres, os escravos como classe eram incapazes de ascensão técnica em massa. Em contrapartida, o escravo vivia como consumidor irresponsável.” (p. 74, 75)
- “A escravidão desenvolveu-se em sociedades de forte predominância agrária. A grande maioria dos escravos destinava-se, portanto, ao trabalho nos estabelecimentos agrícolas e neles residia (...)” (p. 75)
- “Nas cidades, a sorte era menos dura para o escravo e seu emprego se diversificava. (...) No Brasil, os mestres artesãos habitualmente se serviam de escravos treinados e, por isso, mais caros.” (p. 75)
- “Encontramos, por isso, escravos trabalhando em oficina própria ou montada pelo senhor, realizando pequenos negócios nas ruas, prestando serviços manuais contratados por terceiros. (...) Numerosos escravos urbanos desfrutavam de liberdade de locomoção de certa latitude, negada aos escravos rurais.” (p. 76)
- “Por fim, uma categoria especial foi sempre a dos escravos domésticos, a serviço pessoal da família do senhor nas residências rurais ou urbanas, fosse no Oriente, na Antiguidade Greco-Romana ou nas colônias do continente americano. (...) enquanto no Brasil os escravos executavam quase apenas as funções do trabalho manual,ascendendo quando muito a tarefas de capatazia, excepcionalmente de administração de um estabelecimento agrícola,os escravos, na casa romana,supriram, de modo regular,as funções de mordomos, professores, médicos, artistas,literatos, secretários,copistas,etc.” (p. 77)
                   O escravo como propriedade:
- “O escravismo implica um mecanismo de comercialização que inclui o tráfico de importação, os mercados públicos e as vendas privadas de escravos. (...)m a família escrava não recebia reconhecimento civil.” (p. 78)
- “Assim,pelo direito de propriedade que neles tem, escreveu Perdigão Malheiro, pode o senhor alugar os escravos, emprestá-los, vendê-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado constituí-los em penhor ou hipoteca, desmembrar da sua propriedade o usufruto, exercer, enfim, todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário.” (p. 78)
- “(...) em todos os países escravistas, antigos e modernos, cresceu o número dos libertos, subordinados também eles a uma condição especial, que os inferiorizava com relação aos homens nascidos livres.” (p. 79)
- “Os filhos de escravas deviam constituir frutos da propriedade, à maneira das crias dos animais irracionais.” (p. 80)
                 Escravidão, servidão da gleba e trabalho assalariado:
- “O que designamos por escravidão e escravo tinha, entre os romanos, as designações de servitus e servus.” (p.80)
- “De acordo com Charles Verlinden, o termo sclavus surgiu entre os germanos, num limitado período dos séculos X e XI, aplicado aos cativos de origem eslava, trazidos do Oriente europeu. Sclavus (em alemão, Sklave) indicava,portanto, o cativo estrangeiro, procedente de país eslavo, e o distinguia do servus, da própria nacionalidade germânica. (...) no século XIII, os venezianos e genoveses passaram a carrear à Bacia do Mediterrâneo um fluxo constante de cativos do Mar Negro,o termo sclavus lhes foi aplicado de novo e se tornou de uso corrente na Itália, Daí se estendeu a outros países do Ocidente,sendo adotado nos textos franceses e ingleses a fim de distinguir os servos nativos dos cativos estrangeiros.” (p. 81)
- “O que a escravidão e servidão possuem em comum é a coação extra-econômica do produtor direto, embora suas modalidades concretas sejam diferentes para o escravo e para o servo.” (p. 83)
- “O trabalhador assalariado, consubstancial ao capitalismo, representa o primeiro tipo de trabalhador explorado do qual desaparecem os últimos resíduos de apropriação pessoal por parte do explorador e que, por isso, integra o processo da produção como força puramente subjetiva.” (p. 85)
- “Entretanto, para que a força de trabalho seja mercadoria e não o seja o próprio operário, é imprescindível que este último não venda sua força de trabalho senão por um curto prazo de cada vez, voltando a dispor dela após o término de cada transação contratual com este ou aquele capitalista.” (p.85)
                Segundo o autor, tanto Marx como Max Weber reconhecem no operário assalariado livre uma aparente ”liberdade”, mas que na verdade continua se sujeitando, de certa forma, a um trabalho forçado:
- “... o trabalhador pode ser abandonado às ‘leis naturais da produção’, isto é, à dependência do capital, engendrada, garantida e perpetuada pelas próprias condições da produção.” (p. 87)

CAPÍTULO VIII – LEI DA RENDA MONETÁRIA
               Forma predominante do excedente no escravismo colonial:
- “No escravismo colonial, a lei de apropriação do sobretrabalho formula-se da seguinte maneira: a exploração produtiva do escravo resulta no trabalho excedente convertido em renda monetária. Denomino de renda monetária aparte do excedente comercializado e transformada em certa quantidade de dinheiro.” (p.164)
- “(...) também produzia outra parte do excedente que conservava em sua forma natural, de bens que o senhor não destinava à comercialização, mas ao consumo direto de sua família e dependentes pessoais, esta parte do excedente recebe o nome de renda natural.” (p. 164)
-“As categorias de renda natural e renda monetária permitem estabelecer a diferença essencial entre dois tipos históricos de escravismo: o escravismo patriarcal e o escravismo mercantil ou colonial. Ambos basearam-se na forma completa de escravidão, mas constituíram modos de produção diferentes, com linhas de desenvolvimento peculiares.” (p.165)
                  O escravismo patriarcal:
- “(...) tem o conteúdo de escravidão produtiva, ainda que sua produção assuma a forma de bens de uso consumidos na própria unidade econômica.” (p. 166)
- “Em conseqüência, as necessidades concretas traçam um limite à produção e esta se resume em bens de uso, que satisfazem o consumo individual e asseguram a reprodução no próprio âmbito da unidade econômica.” (p. 167)
                   O escravismo colonial (um modo de produção dependente do mercado metropolitano):
- “O escravismo colonial só possibilita um mercado interno estreito,quase inelástico,inadequado aos fins da produção mercantil, que tende à especialização (...) sua solução constituía uma das premissas da plantagem colonial. A produção desta última se escoaria no mercado externo já existente e em ampliação,com uma demanda crescente de gêneros tropicais – o mercado da Europa.” (p. 169)
-“O escravismo colonial não comportava a mercantilização total, pois subsiste nele um setor de economia natural, porém o comércio intensificado não exerce efeito desagregador na sua estrutura. O escravismo colonial nasce e se desenvolve com o mercado como sua atmosfera vital” (p. 170, 171)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1978. (p. 53-87 e 164-171)