sábado, 17 de setembro de 2011

Questões sobre História Contemporânea - OSWALD, Tamara

1. Em relação ao texto Século XX: uma biografia não autorizada de Emir Sader comente como o século se anunciava, ressaltando a questão capitalismo/socialismo.
Emir Sader em seu texto Século XX: uma biografia não autorizada diz que havia indícios, desde final do século XIX, de que o socialismo passaria a fazer parte da agenda política do século XX e afirma: “O século XX se anunciava como um século do socialismo e terminava com a consolidação da hegemonia do capitalismo, e em sua forma mais selvagem – ideologia norte-americana, neoliberalismo econômico, dominação do capital especulativo, do consumismo, do egoísmo, da predação ambiental.”

Segundo ele, um dos indícios era a evolução do capitalismo. A era do capitalismo liberal havia dado lugar à fase imperialista, onde as potências (Inglaterra, França, Rússia, Alemanha, EUA e Japão) passaram a disputar entre si tanto no setor econômico quanto no militar, a repartição do mundo. Havia, conseqüentemente, uma grande possibilidade de enfrentamento militar. Ao mesmo tempo, as guerras coloniais da segunda metade do século XIX, haviam feito aflorar um sentimento nacionalista que tornaria mais complexa a dominação colonial e imperialista. O liberalismo e suas contradições geradas pela revolução industrial, fez com que o socialismo e o capitalismo ficassem frente a frente, anunciando um duelo de gigantes, e as próprias contradições do capitalismo tornariam esse sistema limitado.
Sader fala também da contradição existente, pois era um século previsto como do socialismo, mas combinou desenvolvimento tecnológico com concentração de renda e também o debilitamento dos laços de sociabilidade com hegemonia dos grandes meios audiovisuais de caráter monopólico, traços do sistema capitalista. Segundo Hobsbawn, a batalha dos sistemas capitalista/socialista ficou personificada pelo enfrentamento dos EUA/URSS.
Para concluir, o autor diz que ao contrário do que se supunha, a história do século XX acabou por ser a história do capitalismo. Também diz que uma das lições do século XX é que não há um destino pré-determinado na história humana. Os sistemas capitalista/socialista estão em transição, onde é equivocado dizer que humanidade caminha para o socialismo, assim como é equivocado dizer que a humanidade está condenada ao capitalismo. Tudo dependeria de como o homem deseja fazer a história a partir das condições culturais e materiais que encontra.

1.a. Qual o papel da Inglaterra no início do século XX? Foi um começo com paz para os ingleses?

O século XIX, havia sido para a Inglaterra um século promissor, de sucesso econômico e grande expansão. Já no início do século XX, a Nigéria era incorporada como protetorado britânico. Mas na África do Sul, a situação era tensa: Os britânicos travavam a Guerra dos Bôeres, em disputa com os colonos holandeses, emigrantes alemães, escandinavos e protestantes expulsos da França. A anexação do Transvaal havia sido motivo de descontentamento dos bôeres, que se rebelaram contra um comboio militar britânico. Era a guerra de uma potência imperialista contra a reação à sua dominação. Apesar da nomeação de um novo chefe de comando para forças britânicas na África do Sul, os britânicos sofreram várias derrotas. A guerra que estendeu-se por um longo tempo tem seu fim anunciado pela imprensa em setembro de 1900, e acabava por ser a mais custosa para os ingleses: as notícias eram de 11 mil soldados mortos pela guerra e doenças na África do Sul. Logo após a divulgação das baixas de guerra, afirma-se ao contrário dos noticiários, que os combates continuavam e a Inglaterra envia mais de 30 mil homens para a região do conflito.
Depois de vários conflitos, em 1902, os bôeres se renderam e os britânicos puderam celebrar a vitória. No entanto, o saldo de perdas na guerra anunciava os sinais da decadência da Inglaterra. Apesar disso, a guerra dos Bôeres e as dificuldades britânicas diante dela não foram grandes referências nos livros de História, que deram maior ênfase à morte da rainha Vitória como evento maior da passagem do século.

Em relação ao papel da Inglaterra no início do século XX, pode-se dizer que esta, juntamente com os EUA, a Rússia, a Itália e o Japão, enviou tropas para a China para disciplinar a rebelião dos “punhos fechados” ou “boxers”, (chineses nacionalistas e praticantes de artes marciais) que ameaçavam a vida dos estrangeiros residentes que estavam sofrendo constantes ameaças. Em julho os aliados invadiram Pequim. Em outubro de 1900, a Grã-Bretanha juntamente com a Alemanha compromete-se com a manutenção da política de portas abertas na China. Em 1902, é a vez de o Japão assinar um acordo com a Grã-Bretanha para defender os interesses dos dois países na China e na Coréia. Com a ascensão dos EUA, a Inglaterra assina com os norte-americanos um acordo para a construção de um canal centro-americano passando pela Nicarágua.
Podemos dizer que o início do século XX foi um século que demonstrou a fragilidade da Inglaterra perante suas zonas de influência e perante as novas potências imperialistas que surgiam no horizonte capitalista.

2. No que se refere à Revolução Russa de 1917 disserte sobre a organização político-partidária na Rússia anteriores a 1917 e sobre qual o papel da burguesia.
Através da leitura do texto de Marc Ferro, “A Revolução Russa de 1917”, podemos afirmar que os revolucionários russos estavam divididos entre si desde 1905, mas o povo possuía ódio dos seus dirigentes e desejavam derrubar o tzarismo. Quanto às organizações revolucionárias, primeiramente elas eram divididas em ocidentalistas e eslavófilos. No século XIX, os marxistas defendiam a fase do capitalismo e os populistas queriam a passagem direta ao socialismo: “Essas divergências tinham graves implicações sobre o plano de ação; para os marxistas, o futuro da revolução repousava na classe operária em formação; os populistas contavam com os camponeses, já iniciados no socialismo graças à existência de instituições de caráter coletivo, como o mir. Os marxistas deixaram o movimento Narodnaja Volja assim que lhes pareceu terem fracassado completamente os métodos específicos russos como o terrorismo, o movimento em direção ao povo. Daí por diante cada facção iria seguir caminho diferente (1883).”
Em 1905 se constituem duas novas organizações socialistas: os social-democratas e os socialistas-revolucionários. Os revolucionários estavam confusos com as incertezas sobre a formação de uma classe operária, o desenvolvimento do capitalismo na Rússia e a questão da burguesia que deveria fazer o combate político para derrubar o tzarismo. Para o partido social-democrata a classe operária deveria ser educada e preparada para a revolução.
A unificação desses revolucionários era imprescindível, tanto que Lenin escreveu “Que fazer?”, uma obra que determinaria o futuro do movimento operário. Deveria ocorrer uma unificação e um aumento nos efetivos para criar uma maioria que tomasse o poder na Rússia, ao mesmo tempo em que deveria constituir-se um partido de revolucionários profissionais. Em 1903 a maioria dos partidários se constituía numa formação política separada, os chamados “bolcheviques”, enquanto L. Martov e P. Axelrod tornaram-se líderes da minoria denominada “mencheviques”. Mais tarde, as concepções de Lenin trariam a divisão dos partidos marxistas em socialista e comunistas.
Em 1905, bolcheviques e mencheviques tiveram divergências na organização do partido social-democrata e nos seus objetivos e táticas. Essas divergências foram se agravando até 1917. Os bolcheviques desejavam um governo provisório para promover uma ditadura revolucionária e democrática do campesinato, etapa necessária, segundo eles, para a instituição de uma república socialista. As reformas de Stolypine haviam feito surgir uma classe de pequenos proprietários de terra, o partido socialista popular.
Os anarquistas também se dividiam em grupos rivais, com interpretações de ensinamentos de Bakunim e Kropotkine, e condenavam os partidos políticos. Militavam no meio de sindicatos e cooperativas.
Com a 1ª Guerra Mundial, houve nova divisão entre os revolucionários, boa parte dos mencheviques defendia a guerra, ao mesmo tempo em que parte dos mencheviques, anarquistas e bolcheviques, internacionalistas, condenavam a guerra.
Quanto ao papel da burguesia, esta possuía um histórico de debilidade pois não foi capaz de fazer as reformas necessárias para que o país pudesse se democratizar, modernizar e se desenvolver economicamente. A Rússia ainda possuía vestígios do feudalismo, era metade império e metade colônia. Ao passo que era necessária uma ação revolucionária auxiliada pela burguesa para promover a mudança de regime pela luta contra o tzarismo. Ao mesmo tempo em que a burguesia necessitava desse impulso para desenvolver a economia e lutar contra o regime, ela tinha medo da revolução.

2.a. Faça comentários sobre as seguintes passagens:

“Pouco a pouco, a administração, impotente para frear o movimento, se via despojada de suas funções (...) todas as profissões se organizavam (...). Sem o saber, os russos começavam a governar-se.” (Marc Ferro)
Este trecho mostra claramente os processos que estavam acontecendo na Rússia antes da revolução. A população estava insatisfeita com o rei, com as condições de vida e com as perdas na guerra, ao passo que a burguesia, os profissionais e a população do campo e da cidade começariam a se organizar na tentativa buscar soluções e participação nas decisões do governo.
Nicolau II tinha aversão pelos negócios públicos, e para estes, contava com sua esposa Alexandra que gostava de política e era mais firme que o marido, porém era impopular, não tinha a confiança dos russos. O rei era, na verdade, um preguiçoso. Mandou atirar sobre o povo que havia se revoltado contra ele. A sociedade, insatisfeita, reagiu criando associações particulares de interesse público. Um dos grandes exemplos desse tipo de associação foi o comitê da Cruz Vermelha. Quanto às vitorias na guerra, essas eram indiferentes para a opinião pública. A burguesia mostrava vitalidade, o que levou o governo a olhar suas iniciativas com desconfiança. A administração havia perdido o poder para as organizações profissionais (industriais, médicos, estatísticos, etc.). Ainda não havia a consciência de uma revolução, mas os fatos demonstravam que ela estava próxima., pois o exército, os produtores e consumidores começaram a governar-se. A própria Duma começou a entrar em comitês e associações em 1914, tentando interferir nos negócios do Estado, mas Goremykine não aceitava esse tipo de ação. Para Miliukov: “Ou o governo nos está escondendo a verdade, e nesse caso está enganando; ou está cego, e isso é sinal de sua incapacidade.”. A Duma acabaria por ter papel importante na queda do regime.

“Decomposição acelerada das Forças Armadas. Poder na rua. Desagregação geral. Profundo cansaço. Desgaste generalizado. Tempo de radicalização. Foi-se a atmosfera do congraçamento de fevereiro, em que era possível sonhar num futuro risonho e fraternal. Agora é fratura em vez de continente. Divisão no lugar da harmonia. Caos e não ordem.” (Daniel Aarão)
A passagem acima descrita demonstra claramente todo o processo da revolução de 1917, o ano que ficaria conhecido como o ano vermelho, num período que foi de fevereiro a outubro, quando inicialmente o governo cairia pelas mãos populares, e após oito meses de disputa de poder e conflitos, acabaria por ter seu comando tomado pelos Bolcheviques.
Em 1917, cinco dias de movimentos sociais em Petrógrado conseguiram derrubar a dinastia. Veio a Revolução. Uma revolução anônima, sem lideres ou partidos dirigentes. A palavra era concedida a todos que quisessem dela dispor. O poder saiu dos palácios e prédios públicos e se fragmentou. O governo provisório queria estabelecer a ordem para promover a reforma. O ano de 1917 seria um ano de contrastes. Em março foi realizado o primeiro congresso de camponeses na Rússia. Em junho os sovietes urbanos, soldados e operários realizaram seu primeiro congresso. Aumenta o número de agências administrativas. Em julho, os esforços foram para salvar os soldados na guerra, mas foi um fracasso, virando morticínio e debandada, e muitos ministros se demitiriam para livrarem-se das responsabilidades. Os bolcheviques são acusados de tentativa de golpe, então veio a crise de agosto. O governo procurou apoio nas forças conservadoras e convocou uma Conferência de Estado em Moscou, com uma minoria de deputados sovietes. Então os sovietes constituíram uma frente de defesa da revolução reabilitando os bolcheviques, que pareciam liquidados, ao mesmo tempo em que o movimento camponês invadia e tomava terras. Então o governo tentou a última cartada: a Conferência Democrática ou pré-parlamento
Os sovietes, descontentes e exigentes, com o apoio popular, deveriam assumir todo o poder: era o processo de bolchevização. Finalmente o marxismo havia triunfado, e os bolcheviques tomariam as rédeas da revolução.

3. “Em menos de um ano, a Espanha avançara mais no caminho da modernidade do que em dois séculos anteriores. No entanto, rápidas mudanças em período tão curto causaram profundos traumas na tradicional estrutura da sociedade.” (Francisco Salvadó)
Com a sua opinião explique se você concorda com a afirmação do autor, e com base na citação explique o que não deu certo no período republicano espanhol que acabou levando-os a uma guerra civil.

Com base na leitura do Texto “A Segunda República, uma breve experiência de democracia”, posso afirmar que o período republicano espanhol, definido pelo autor como “Lua de Mel”, sem dúvida foi um período de grandes mudanças em relação aos séculos anteriores, mas como ele mesmo explica, a república foi proclamada num período de dificuldades no mundo, num momento ruim, onde as condições externas aliadas as dificuldades internas acabariam por retratar o insucesso deste processo, que não pode se desenvolver de forma que satisfizesse os espanhóis.
Foram feitas diversas propostas de reformas, que muitas vezes não foram colocadas em prática por falta de recursos financeiros. A república reformista era mal vista pelas classes ricas, pelo exército e pela Igreja, pois ameaçavam sua hegemonia econômica e social, e isso acabava por inviabilizar a implementação da legislação, já que o poder econômico e social permanecia nas mãos das estruturas tradicionais.
Apesar disso, agora o Estado estava nas mãos de uma nova classe governante, que tinha por objetivo imediato destruir os laços monarquistas e eclesiásticos que transformava os espanhóis em “súditos” ao invés de “cidadãos”.
Muitas reformas foram realizadas, e sem dúvida, uma das principais foi tirar das mãos do Clero a educação pública. Mas apesar desse avanço cultural, o que o povo necessitava com mais urgência era de pão e trabalho. Os republicanos também queriam transformar as Forças Armadas em uma instituição obediente ao Estado, que fosse defensora da ordem constitucional da Espanha. O Psoe preocupava-se com a questão social, melhorando os salários e as condições de vida dos trabalhadores. O salário real chegou a subir 16%, e agora, os trabalhadores teriam direito a greve sem colocar em risco seus empregos. A terra também deveria ter seu cultivo obrigatório.
Essas e outras reformas rápidas levaram ao descontentamento tanto por parte do Clero, que se viu ameaçado diante dos Republicanos que o confrontavam diretamente, das Forças Armadas, que queria ser uma instituição independente, dos donos de negócios, que se viam ameaçados, pois os lucros eram baixos e os salários eram altos, e dos proprietários de terra, que viam-se obrigados a contratar trabalhadores estrangeiros pois a mão-de-obra nacional estava extremamente cara. Todas essas condições acabaram por levar a Espanha à uma Guerra Civil, pois as reformas haviam sido feitas de forma muito rápida e brusca e os partidos republicanos ainda eram frágeis, resultando na instabilidade política.

4. Daniel Aarão salienta que depois de Staligrado a Segunda Guerra tinha mudado de rumo: “O começo do fim da besta nazista”. Por que? Qual a interpretação do autor em relação a participação da URSS na guerra?
Segundo Aarão, a batalha de Stalingrado foi o maior entrevero da Segunda Guerra Mundial. Não havia sido um enfrentamento entre dois exércitos regulares apenas, ou entre duas propostas de sociedade, mas foi uma guerra pela sobrevivência. Os russos, que já haviam lutado contra as forças nazistas em Leningrado e em Moscou, de uma forma heróica, tendo suas cidades em ruínas e sua população dizimada, agora davam o sangue para defender Stalingrado. Se perdessem Stalingrado, os russos sabiam que estariam perdidos, ao passo que os alemães, em caso de derrota, teriam que voltar à Berlim sem retorno, conhecendo o outro lado da moeda, que estavam acostumados a oferecer aos povos que dominavam. Na batalha, ambos os lados utilizaram todos os recursos disponíveis. Milhares de homens, mulheres e crianças transformando a cidade num verdadeiro inferno: chamas, fumaça, fedor, explosões ensurdecedoras. Cada casa, fábrica e terreno era motivo de disputa, conquista e reconquista. Até mesmo os animais haviam fugido da cidade, restando apenas alemães e russos. No início de 1943, quando os russos finalmente venceram, fizeram cem mil prisioneiros alemães, além de se apoderarem de armamento e munições. Depois de Stalingrado, em julho de 1943, a nova batalha adentrou às linhas alemães, o arco de Kursk. Enfrentaram-se até a exaustão, até que os russos venceram novamente, destruindo as últimas ilusões de um triunfo nazista. Depois de Kursk o exército soviético transformou-se numa espécie de rolo compressor, avançando estrategicamente para reconquistar seus territórios: Sebastopol que levara 220 dias para cair, foi reconquistada em apenas 5 dias. Já era clara a fragilidade nazista. Depois veio a penetração russa na Romênia, e nos países da Europa Central. Em agosto os Russos já estavam na Prússia Oriental, território Alemão. Em 1945 os alemães que já haviam perdido Berlim, acabaram por render-se perante os Aliados. Apesar da coalizão formada para acabar com os nazistas, o país que havia suportado por mais tempo o fardo da guerra era a URSS. Sem dúvida, a vitória russa na batalha de Stalingrado foi decisiva, em termos psicológicos e de perda de contingente e armamento, para o começo do fim da besta nazista.
Para Daniel Aarão, apesar de haverem várias interpretações sobre que nação foi decisiva para o final da Segunda Guerra Mundial, a maioria salienta a ação dos Aliados e esquece de que a resistência soviética acabou por ser além de decisiva, após anos de resistência que culminou na grande vitória em Stalingrado, catastrófica para aquele pais, que sofreu com a perda de mais de 20 milhões de habitantes e acabou por trazer outras perdas, tanto materiais quanto econômicas, que levariam o país à crise. A vitória havia sido conquistada a um custo extraordinariamente elevado para a URSS.

NASCER, VIVER E MORRER NA GRÉCIA ANTIGA - FLORENZANO, Maria Beatriz.

Por: OSWALD, Tamara


Introdução:

O tema central do livro traz à mente elementos da Antiguidade que se aprende no colégio, e que se conhece através do teatro, do cinema e de visitas a museus. Durante o século VI a.C surge a democracia grega, reservada apenas aos cidadãos, lembrando que a escravidão era prática comum e os escravos não possuíam qualquer direito político. Os estrangeiros e as mulheres também não tinham direitos políticos. O sistema democrático existente na Grécia se opunha à Esparta que possuía um sistema aristocrático atrasado. (p. 5)
Ao falar da cultura grega é possível lembrar as importantes criações artísticas representadas pela literatura, filosofia e belas artes. São lembrados historiadores, filósofos e atores trágicos. A arquitetura grega e as esculturas são outros elementos que merecem destaque. Ainda falando em cultura, o panteão mitológico é parte fundamental desse povo. Apesar de todas essas características já mencionadas sobre a cultura grega, certamente existem outros elementos importantes para a compreensão da sociedade como um todo. São riquezas da existência do homem grego que necessitam ser estudadas. O objetivo principal do livro é mostrar as facetas menos divulgadas da vida social e cultural grega. (p. 6)
O texto vai tratar de momentos cruciais da vida humana: momentos de ruptura e transição, o nascimento, a puberdade, a maturidade e a morte, dos rituais de passagem geralmente regidos por normas. Do comportamento desses cidadãos diante desses acontecimentos. (p. 7)
Agregar componentes que mostrem a complexidade da cultura grega para trazer o homem grego para mais perto de nós também é um dos objetivos da obra. O tempo que será abordado compreende um longo período que vai do século X até o século II a.C. O espaço geográfico a ser abordado ocupa a atual Grécia, as ilhas do mar Egeu, a Ásia menor, o sul da Itália e a Sicília. A documentação utilizada para o desenvolvimento do texto é basicamente datada dos períodos clássico e Helenístico (500 a 200 a.C). (p. 8)
A combinação de fontes (arqueológicas, escritas, epigráficas serão usadas na reconstituição dos ritos de passagem. É importante lembrar que o homem grego que for mencionado é o cidadão da cidade-Estado. (p. 10)

1. O Calendário e as festas:

Os momentos importantes da vida das pessoas ocorriam no transcorrer das festas públicas, distribuídas pelos meses do ano. Havia festas bienais ou quadrienais chamadas Grandes Panatenéias, em homenagem à deusa Atena, onde participavam pessoas da cidade e do campo. Algumas festas eram “nacionais” como a que se realizava em Olímpia, a cada quatro anos, em homenagem a Zeus, quando ocorriam os jogos olímpicos.
Nessas festas cívicas e religiosas as pessoas cultuavam deuses, realizavam sacrifícios, faziam procissões, comemoravam a entrada das estações do ano, as colheitas e a vitória contra os inimigos, purificavam casas e locais públicos e realizavam jogos e competições em homenagem aos deuses.
Não se sabe a origem das festas, mas para dar nome aos meses do ano os gregos se inspiraram nos nomes das festas de cada época. Cada cidade tinha suas festas locais e podemos notar uma enorme variedade de nomes. Os calendários civis de cada cidade estavam desajustados com o calendário solar e com outras cidades. A correspondência dos meses gregos com os do nosso calendário pode ser feita apenas aproximadamente. Vejamos: (p. 11)

Hecatombaión: julho
Metageitnión: agosto
Boedromión: setembro
Pianepsión: outubro
Maimacterión: novembro
Poseideón: dezembro
Gamelión: janeiro
Antesterión: fevereiro
Elafebolión: março
Muniquión: abril
Targelión: maio
Squiroforión: junho

As cidades-Estado gregas eram politicamente autônomas, mas a crença era politeísta em toda a Grécia, portanto, todos os cidadãos gregos comemoravam, com diferença apenas na época do ano e na importância dos Deuses para cada comunidade. (p. 12 e 13)
Os homens organizavam as festas, mas havia festas para moças, mulheres e crianças. Na ocorrência de festas os gregos não trabalhavam nem realizavam suas atividades rotineiras. Os rituais de passagem eram em parte realizados de forma privada, com a reunião da família apenas. (p. 13)


2. O nascimento

No caso do nascimento, os gregos começavam e terminavam os rituais com a purificação. A casa da futura mãe era purificada com pez, uma substância para afastar os maus espíritos e todo o tipo de impureza. O parto era assistido pelas mulheres da família, que eram responsáveis pela mãe e pelo bebê, mas algumas vezes era necessário chamar a parteira ou o médico. (p. 14)
Para testar a resistência do bebê, algumas vezes o primeiro banho era feito com vinho, água gelada ou urina. Em cima da porta da casa pendurava-se um ramo de oliveira se o bebê fosse menino e se fosse menina, uma fita de lã. Nos dias após o nascimento eram executados uma série de ritos privados para integrar a criança no oikos paterno. No decorrer desses rituais as mulheres que assistiram o nascimento se purificavam, O oikos recebia de parentes e amigos os presentes tradicionais: polvos e sepias. (p. 14 e 15)
No Decate realizado no décimo dia, parente e amigos podiam participar. A partir desse momento a mãe também estava purificada. A Genetlia é outra referência de festa de nascimento, onde a criança recebia presentes e um nome. (p. 15)
Nas Apatúrias, festas públicas reconhecidas pelo Estado, a criança era apresentada em momento solene à frátria (pessoas com o mesmo ancestral). Correspondia ao que hoje é para nós o registro de uma criança no cartório civil. Muitas famílias não tinham meios de fazer essas festas e celebravam apenas o rito inicial no quinto ou sétimo dia, mas apesar de todos esses rituais nem todas as crianças passavam por isso. (p. 16)
Para a criança ser cidadã o pai deveria ser cidadão. A partir de 451 a.C o pai e o avô materno precisavam ser cidadãos. As crianças fora dessas regras não passavam por esses rituais de reconhecimento. Para as meninas talvez apenas o reconhecimento no âmbito da família fosse suficiente. Aos três anos de idade a criança passava por novo rito de apresentação e abençoamento, no segundo dia das festas consagradas à Dionísio, as Antestérias. Existem vasos chamados coes com cenas pintadas de crianças brincando, mesmo nome dado ao segundo dia de festa. (p. 17)

O abandono dos recém nascidos:

Em toda Grécia depois do nascimento de uma criança o pai decidia se ia criá-la ou não. Isso porque havia uma preocupação em criar apenas crianças fortes e bem conformadas para que quando adultos cumprissem seus deveres com o Estado. Se o pai decidisse não criar a criança, esta era colocada em um pote de argila e abandonada no campo, onde morreria de fome, frio ou devorada por animais. (p. 18)
Em textos antigos buscados por estudiosos para conhecer melhor esta questão, foi constatado que não se expunham mais as meninas do que os meninos, apesar de haver preferência pelo nascimento de meninos, mas havia também grande mortalidade de mulheres durante o parto e isso fazia com que o nascimento de meninas fosse bem-vindo na sociedade. A exposição acontecia geralmente nos caso de bebês defeituosos ou ilegítimos, isto é, nascidos de uniões não aceitas pela comunidade ou fora do casamento. (p. 19 e 20)
A pobreza não era fator determinante para a exposição de crianças, e nem todas as crianças expostas morriam, pois havia uma rede feminina encarregada de encontrara pais para estas crianças. Também há referência de muitas crianças adotadas por pais que não podiam ter filhos. O não-sentimento de culpa do grego ao expor um filho estaria no ritual de passagem. Se a criança ainda não havia sido reconhecida pelo pai e pela comunidade, a exposição não constituía crime. O assassinato era diferente da exposição em termos gregos. Enquanto o assassinato era legalmente proibido a exposição era um ato reconhecido pela sociedade. Outro aspecto a se destacar é a exposição também exigia um período de purificação. (p. 20)

3. A puberdade: os rituais de iniciação

A mudança mais importante no indivíduo é aquela entre infância e idade adulta, entre um estado de dependência e um de responsabilidade. Entre os gregos, os rituais associados com a infância e a adolescência não eram iguais para as meninas e os meninos, pois marcavam o amadurecimento dos jovens e reforçavam a distinção das funções desempenhadas na sociedade pelos dois sexos. (p. 21)
Os rituais masculinos estavam centrados na admissão do menino como membro da fratria. A admissão era feita através do ritual denominado coureion. O jovem também passava por um treinamento militar preliminar à adoção dos direitos políticos, chamado efebia. As meninas passavam pelo ritual denominado arctéia que preparava-as para a maternidade. O coureion possuía uma função pública e política que a arctéia não possuía. Os rituais masculinos se davam abertamente enquanto os femininos aconteciam no santuário da deusa Ártemis. (p. 22)

A arctéia:

O primeiro documento que chamou a atenção sobre a arctéia foi uma passagem da Lisístrata, de Aristófanes. Durante o ritual as meninas usavam um vestido da cor de açafrão chamado crocotos e imitavam ursos, além de realizarem danças rituais, sacrifícios e libações (derramamento de algum líquido em homenagem a uma divindade). O urso estava associado à sacerdotisa da deusa Ártemis. Também há indícios arqueológicos sobre oferendas (jóias, espelhos, fusos e pesos de tear, roupas, trapos, cortes de tecido e vasos de cerâmica ilustrados com atividades femininas) à deusa Ártemis. (p. 23)
O modelo mitológico para a arctéia é o de que em Bráuron uma menina irritou um urso que teria então a arranhado. O irmão da menina, como vingança teria matado o urso, enfurecendo a deusa Ártemis, protetora dos bosques e animais. O local teria sido acometido pela fome e praga, então os habitantes locais teriam que sacrificar uma menina a Ártemis, mas no lugar dela sacrificaram uma cabra. (p. 24)
No modelo de iniciação ática da arctéia, o fato de as meninas imitarem ursas invoca a idéia de um sacrifício humano ou de substituição, como no mito. Assim assumem o papel de vítima e enfatizam a função de Ártemis como protetora dos animais e das virgens. Dessa forma, o iniciado deve simbolicamente morrer para renascer numa posição social diferente. Outra característica da arctéia é o processo de isolamento e inversão. A transformação das meninas em ursas torná-las-ia selvagens, assumindo um papel contrário àquele que lhes será atribuído: o de mães e esposas na sociedade grega. Além disso, elas dançam nuas à noite, contrariando o que normalmente deveriam fazer. (p. 26 e 27)
Sobre a questão da idade em que as meninas eram iniciadas, através da análise das representações em vasos gregos, é possível dizer que a arctéia ocorria após os 10 anos (considerada a primeira fase), quando havia a transição entre a infância e a menarca (entre 12 e 14 anos, e que seria a segunda fase). Após a ocorrência da menstruação a menina passava para a terceira fase, quando ocorria o casamento e a menina era considerada totalmente crescida e integrada à sociedade. A quarta fase ocorria após o nascimento da primeira criança, quando a moa passaria a ser a gyné, ou seja, mulher completa. (p. 27)
Participar da arctéia não dava à moça nenhuma prerrogativa ou direito político, entretanto, ela era preparada para funções muito importantes na vida social. Havia ainda outras fases das moças mencionadas por Aristófanes, a arreforia (consistia em carregar objetos sagrados de Atenas durante as festas Panatenaicas, indicando a entrada na adolescência) e a caneforia (consistia em carregar cestas com oferendas ou objetos utilizados durante rituais, festas e procissões, indicando a fase em que a jovem se encontra apta ao casamento).
A preparação dos meninos para a vida pública: o coureion e a efebia:
Os rapazes passavam por um longo período de iniciação para prepararem-se para o seu futuro papel de cidadãos e pais de família. Casavam-se e participavam do exército e da marinha. Havia dois tipos de iniciação nas épocas clássica e helenística: a apresentação do adolescente à fratria paterna e o serviço militar, chamado efebia, ambos indispensáveis na vida dos jovens. (p. 29 e 30)
A apresentação à fratria ocorria por volta dos 16 anos durante as festas anuais das fratrias locais, no mês de Pianepsión. O pai do jovem iniciado oferecia um sacrifício à Zeus e Atena, denominado coureion. O sacerdote que oficiava o rito, recebia como pagamento uma parte do animal sacrificado e uma quantia em dinheiro do pai do jovem. A cerimônia era assistida por membros adultos da fratria e por meninos menores. Se os membros da fratria aceitassem o menino como filho legítimo de seu pai, a oferenda também era aceita e o menino era reconhecido como novo membro oficial. A carne era servida aos presentes pelos meninos que participavam da cerimônia. A arctéia e o coureion marcavam a entrada do jovem em um período de transição, depois da qual, ele estaria apto a desempenhar suas funções sociais. (p. 30 e 31)
Aristóteles explica o funcionamento da efebia: Os efebos deviam ter pai e mãe cidadãos, sendo escritos entre os démotas aos dezoito anos. Então os jovens são examinados e os démotas fazem um juramento a seu respeito. Após o exame, os pais dos efebos se reúnem por tribos e, sob juramento, elegem três membros da tribo com mais de quarenta anos para serem encarregados dos efebos. Também são escolhidos pelos membros da tribo um preceptor e um diretor, além de dois treinadores e instrutores. A subvenção para o sustento dos efebos é dada pelos membros da tribo. Os efebos então fazem o percurso dos santuários e encaminham-se ao Pirineu para prestar guarnição, em Muníquia e Acte, e assim passam o primeiro ano. No ano seguinte, em assembléia, fazem demonstrações militares ao povo e recebem do Estado um escudo e uma lança, passando então a patrulhar os campos e ficar nos postos de guarda. Prestam serviços vestindo clâmide e depois de dois anos reúnem-se aos demais cidadãos. O início dos serviços prestados pelos efebos era no Boedromión. (p. 31 e 32)
Outra festa de caráter iniciatório mencionada era a Oscoforia, festa popular ligada ao mito de Teseu, que ocorria em outubro após as Apatúrias. Jovens vestidos de mulher encabeçavam a procissão, seguidos de um coro que cantava. Muitos efebos apostavam corrida, e, ao chegarem a Falero, era feito um sacrifício e oferecia-se um banquete. Algumas mulheres participavam da procissão levando legumes cozidos, a carne sacrificial e alimentos a serem oferecidos no banquete do qual também participavam, juntamente com os homens. (p. 33 e 34)

A iniciação dos meninos em Esparta: a criptéia:

Em Esparta o militarismo e a defesa militar do território eram muito mais valorizados que em Atenas. O hoplita espartano era muito disciplinado e sua condição física deveria ser perfeita. Plutarco conta que aos 12 anos os jovens espartanos começavam a preparação para sua vida adulta. Recebiam pouca roupa, dormiam sobre caniços, não tomavam banho nem se alimentavam direito. Eles deviam ter astúcia para resolver esses problemas. (p. 35 e 36)
A transição da infância para a adolescência ocorria aos 16 anos. Os jovens passavam por rituais mágicos que incluíam danças e disfarces. Após o ritual do roubo do queijo do templo d Ártemis o jovem passava a ser chamado de eiren. Esta era a última etapa antes da idade adulta, aos 19 anos. A efebia ateniense correspondia à criptéia espartana. A sobrevivência do Estado espartano dependia da habilidade em manter como escravos os hilotas (população que mantinham sob jugo à força). Toda a preparação dos 12 aos 16 anos e a criptéia estavam ajustados às necessidades de defesa de Esparta. (p. 36 e 37)

Os ritos de iniciação: separação, isolamento, agregação:

Para Vidal-Naquet, a ambigüidade dos momentos de transição, quando os indivíduos não são nem crianças nem adultos, implica rituais nos quais a tônica é dada por “inversões simétricas”. No caso dos meninos, as oposições são mais evidentes e as fontes mais numerosas. (p. 37)
O efebo ocupa o lugar do combate negro. Vive nas fronteiras com seu manto negro, à margem da cidade, isolado de outros cidadãos. Seu espaço é um espaço ambíguo de marginalidade temporária. Não é adulto, pois não pode ocupar cargos nem pagar impostos, não é criança, pois transformações biológicas ocorrem no seu corpo. Na criptéia essas oposições são ainda mais evidentes. Na Oscoforia as inversões e situações de marginalidade são bastante visíveis: o cortejo festivo se afasta da cidade em direção ao santuário de Atena, no Falero, meninos se disfarçam de meninas, mulheres banqueteiam com homens, cantos denotam alegria e tristeza ao mesmo tempo, etc. (p. 38)
Outro aspecto a destacar é o envolvimento da deusa Ártemis. Sua presença prende-se ao fato desta ser protetora não apenas dos bosques e animais selvagens, mas também dos nascimentos, das crianças e dos casamentos. (p. 38 e 39)

A iniciação de meninos e meninas e o calendário grego:

A iniciação feminina se dava durante as Braurônias, aproximadamente o mês de abril, e a dos meninos nas Apatúrias, mais ou menos em outubro. Para uma sociedade agrária como a grega, o período de plantio e colheita eram muito importantes. O período em que o homem grego plantava e colhia seus alimentos, aventurava-se pelos mares e guerreava era aberto pela iniciação das meninas em e encerrado em outubro, com os dos meninos. Os rituais de iniciação incorporavam também um sentido de propiciar a fertilidade humana, daí sua realização em determinadas épocas do ano. (p. 40)

4. O casamento como ritual de incorporação

O casamento como instituição:

Com o casamento os jovens completavam a transição para a idade adulta. De modo geral na Grécia antiga, o casamento como instituição pode ser visto como a união do homem e da mulher com o propósito de procriar filhos legítimos e dar continuidade ao oikos do marido. O amor não tinha lugar no casamento. O casamento tinha por propósito assegurar a propriedade e a sua continuidade. (p. 41 e 42)

O ritual do casamento: o noivado contratual:

O casamento era precedido por uma série de rituais, o primeiro dos quais era a enguíesis, contrato através do qual a pessoa que tinha autoridade sobre a moça, o seu quírios, a entregava em casamento a um rapaz. (p. 42)
A enguíesis era uma promessa formal, realizada oralmente. Deveriam presenciar o ato não somente o quírios e o noivo como também testemunhas de ambos os lados. Para que o casamento desse certo, a escolha da noiva era muito importante. A enguíesis era indispensável à legitimação do casamento e as testemunhas deveriam ser numerosas, de modo a não haver dúvida quanto à sucessão de bens e à cidadania das crianças nascidas. (p. 43 e 44)
Outra maneira especial de realizar o casamento era a epidicasia: uma reivindicação perante um magistrado ou um tribunal, sobre o direito de casar-se com uma mulher em condição especial, o que ocorria quando um homem só tivesse mulheres para sucedê-lo, então uma delas casava com um membro da família paterna depois do falecimento do pai, mesmo estando casada, gerando um neto. Dessa forma tinha-se um novo herdeiro, a quem ficavam asseguradas a herança dos bens familiares e a continuidade dos cultos domésticos. (p. 44)
A sobrevivência do oikos paterno tinha prioridade legal sobre o oikos do marido. Tanto no casamento por enguíesis quanto no casamento por epidicasia o dote era um elemento indispensável, apesar de ser exigência cultural e não legal: o casamento se distinguia do concubinato graças ao dote. Os dotes eram constituídos por dinheiro ou bens imóveis avaliados em dinheiro. (p. 45)
O dote era, ainda, uma forma de recompensar o noivo pela manutenção da mulher. Em caso de divórcio, o marido deveria devolver a esposa ao seu antigo quírios, juntamente com o dote. A viúva também tinha direito ao seu antigo dote e, no caso de ter filhos, o dote poderia ser deles também, desde que mantivessem a mãe quando adultos. (p. 46)

Os preparativos do casamento:

A cerimônia do casamento ocorria algum tempo depois da enguíesis. Havia várias etapas no ritual, a primeira delas era a escolha da data em que o casamento seria realizado. O mês preferido era o Gamelión, mês nupcial consagrado a Hera, a divindade do casamento. Neste ou em qualquer outro mês, a época preferida era a lua cheia, por acreditarem ser mais propícia à fecundidade. (p. 46)
A festa do casamento era precedida por uma série de preparativos. Um dia antes do casamento a noiva dava adeus à sua vida de menina, consagrando aos deuses protetores seus pertences de infância, além de oferecer um sacrifício à Ártemis, às Moiras ou a Hera, através do corte de um cacho dos cabelos da jovem, que era enrolado em um fuso de fiar. Outro preparativo era o banho ritual dos noivos, que se dava em três momentos: no primeiro momento a noiva recebia presentes antes da cerimônia de casamento, entre os quais havia um vaso especialmente fabricado para conter a água do banho nessas ocasiões. O segundo momento diz respeito à água para o banho que era trazida de um local especial e o cortejo para buscar a água era feito pelos parentes dos noivos. O terceiro momento era o banho em si, que tinha o sentido de purificar e proteger os noivos antes de uma passagem importante. A água estaria ligada à vida, exercendo uma função propiciadora de fertilidade. (p. 47 e 48)
Após o banho, tanto o noivo quanto a noiva eram cuidadosamente vestidos para a cerimônia do casamento. O noivo vestia uma túnica tecida de lã tão fina que brilhava. Na cabeça usava uma coroa rançada com folhas de gergelim e menta, e no corpo usava óleo de mirra. A noiva se perfumava com mirra e outros óleos. O vestido era bordado, as sandálias eram especiais e o penteado era sofisticado. Usava uma coroa de metal nobre, colares e um cinto, além do véu que lhe cobria o rosto. Para arrumar-se a noiva contava com a ajuda de outras moças. As casas dos noivos também eram decoradas para a ocasião. (p. 51)
Atravessando o limiar entre a juventude e a idade adulta:
Todo casamento incluía uma festa na casa da noiva e do noivo, onde se ofereciam sacrifícios nos altares domésticos e banquetes. Nos banquetes se serviam bolos de mel e gergelim, carnes e peixes, queijos, vinhos e pães. A refeição era acompanhada por música e dança. (52)
A principal parte do rito do casamento era quando a jovem ia a cortejo da casa de seu pai para a casa do noivo. O cortejo tinha o caráter público, pessoas não convidadas podiam assisti-lo. A mãe da noiva carregava uma tocha acessa com o fogo do altar paterno, que simbolicamente deveria iluminar o caminho da filha e protegê-la nesse percurso. Na porta da casa do noivo esperava a sua sogra, também com uma tocha acessa. Durante a procissão a noiva deveria carregar uma panela de torrar grãos ou uma peneira, artefatos símbolos da sua capacidade em manter a casa. (p. 54)

A incorporação da jovem ao oikos do marido:

Na nova casa, a noiva era levada para junto da lareira, do altar, centro do culto doméstico, onde ocorriam os rituais de incorporação ao seu novo oikos. Um dos ritos é a oferenda do cataquísmata, ritual que consistia em derrubar frutas secas, figos, nozes, moedas sobre o noivo e a noiva, como símbolo de prosperidade. A noiva também comia um pedaço do bolo nupcial. Depois de um banquete os noivos se retiravam para a câmara nupcial. A porta do quarto era vigiada por um amigo do noivo enquanto jovens cantavam obscenidades e zombavam a noite toda. (p. 55)
A noiva dava consentimento ao casamento retirando o véu, num ritual chamado anacalipteria. No dia seguinte os festejos continuavam e a noiva saía publicamente sem o véu para receber os presentes de bodas e o noivo parte do dote. (p. 56)
Diferente da nossa sociedade, em nenhum momento do rito do casamento grego havia a intervenção de uma autoridade pública ou de um sacerdote. Entretanto, nas festas Apatúrias os rapazes recém-casados comunicavam o seu casamento. Era o ritual da Gamelía, quando o noivo oferecia o sacrifício de um animal em um banquete para os seus frateres. (p. 58)

O casamento como rito de passagem:

No ritual do casamento espartano o aspecto da inversão, próprio dos rituais de passagem, fica bastante claro: a noiva se veste de homem; a consumação da união se dá às escondidas. Já no casamento ateniense, existe inicialmente uma separação, uma fase de isolamento e incorporação. O noivo e a noiva são preparados individualmente para a cerimônia. Após a moça ter o primeiro filho ela deixa de ser chamada de ninfa e passa a ser uma gyné. (p.59)
Outro detalhe que caracteriza o casamento na Grécia é o casamento “por rapto”. Onde o noivo segurava o braço da noiva, dramatizando uma captura. (p. 60)
O modelo mítico do casamento, imposto pelas três etapas – noivado, resistência e submissão -, dramatizado nas uniões de Perséfone com Hades e de Tétis com Peleu, era recuperado no drama ritual de cada cerimônia de casamento. (p. 62)

5. A morte: práticas e cultos funerários

A morte entre os antigos gregos:

A morte entre os gregos era muito sentida, principalmente se tratando de alguém jovem. A dor pela morte aparece tanto na literatura quanto em documentos matérias. Essa documentação atesta, em primeiro lugar, quanto às crenças, que havia uma grande preocupação com o destino do indivíduo após a morte. Todas as pessoas tinham seus restos mortais depositados em uma sepultura, que podia ser desde a mais simples urna individual até enormes monumentos, guarnecidos de câmaras para a família inteira. (p. 64 e 65)
Se a morte acontecesse longe de casa (o que se considerava uma desgraça), deveria ser feita uma sepultura vazia, para que a alma do morto não ficasse vagando e para que a transição para o reino dos mortos pudesse ser completada. A execução dos rituais funerários consistia em um momento privilegiado no qual uma família, ou um grupo social, podia exibir suas glórias, sua riqueza, sua importância na comunidade. Entre os gregos isso se traduziu em uma tendência à sofisticação e à monumentalidade das sepulturas. (p. 65 e 66)

O ritual funerário: localização das sepulturas:

Os gregos tanto enterravam quanto cremavam seus mortos, mas ao decorrer do tempo passou a se privilegiar o enterramento. Na Ática enterrava-se o morto tanto dentro dos limites da cidade quanto do lado externo dos muros. Em Atenas, os sepultamentos de crianças foram encontrados espalhados pela cidade, mas as sepulturas da época clássica estavam concentradas especialmente do lado de fora, numa área conhecida como Cerâmico. (p. 66 e 67)

Enterrando os mortos:

A obrigação mais importante que os filhos tinham com os pais era promover-lhes um sepultamento de acordo com as práticas aceitas pela comunidade. Os vasos lécitos de fundo branco fabricados na Ática do século V ao II a.C. documentam passo a passo as etapas do ritual funerário, que era dividido em alguns momentos: a exposição do morto, a deposição do morto no túmulo, a descida aos infernos e o culto ao túmulo, fases correspondentes àquelas características aos rituais de passagem, com a separação do indivíduo do grupo a que pertencia, a transição para o outro mundo e a incorporação. (p. 67 e 68)

A exposição do morto:

O corpo era cuidadosamente preparado pelas mulheres mais próximas do morto, untado de óleos perfumados e vestido, ficando então, exposto por uns dois dias na própria casa, onde havia o morto, os lamentadores e mulheres. O morto fica deitado com os pés voltados para a porta pela qual sairá o cortejo fúnebre. Fitas trazidas pelas carpideiras são colocadas sobre o corpo do morto e penduradas como adorno do ambiente, ou ainda amarradas aos vasos fúnebres que ficam sobre o esquife. (p. 68 e 69)
Muitas vezes o morto aparece coroado por uma guirlanda de flores ou folhas, que serviriam para combater os efeitos horríveis da morte. O morto também podia trazer uma coroa de louro ou um diadema, que indicavam a dignidade que a pessoa assumia depois de morta. As carpideiras se vestem de violeta, verde-claro, marrom ou lilás. Também há um espelho na sala do velório tem um significado especial: lembrar o morto a sua verdadeira condição. (p. 70 e 71)
Para os gregos a morte determinava uma impureza. O contato com o morto provocava uma contaminação que deveria ser eliminada. Do lado de fora da casa do falecido era colocado um vaso com água lustral, pura, trazida da casa dos vizinhos ou de uma fonte externa, para os que saíssem da residência pudessem se purificar. O vaso também indicava a presença da morte naquela casa. (p. 71)

A deposição na tumba:

Depois da exposição do corpo este era levado ao local de sepultamento em cortejo fúnebre, que deveria ser realizado antes do sol raiar e passar por ruas sem movimento. O esquife do morto era carregado por homens ou em um carro puxado por cavalos. No cemitério, o corpo era enterrado ou cremado sobre uma pira. Em caso de cremação, as cinzas eram recolhidas em pano de linho e colocadas cuidadosamente no interior de uma urna, para serem enterradas. A cerimônia de deposição do morto incluía libações, bebidas rituais e até mesmo sacrifícios animais. (p. 72)

A descida aos infernos:

A crença era de que depois do morto ser velado e colocado em seu túmulo, vinham as divindades para levá-lo ao outro mundo. Todos os preparativos realizados com o morto era para que esse final de transição tivesse sucesso e para que o morto melhor se adaptasse em sua nova morada sem vir incomodar os vivos. Os gregos acreditavam que o morto era conduzido por Caronte, o barqueiro infernal, até o Hades, e que, até Caronte, era conduzido por Hermes Psicopompo, isto é, o condutor de almas. (p. 74)

O culto após a morte:

Depois do enterro os participantes das cerimônias precediam uma purificação rigorosa, depois da qual realizavam um banquete fúnebre. No nono dia depois da morte, familiares e amigos se reuniam no túmulo para executar os ritos que encerravam o período de luto. Durante o ano, nas festas conhecidas como Genésias, os mortos eram homenageados. (p. 75 e 76)
Os objetos mais freqüentes utilizados para enfeitar os túmulos eram as cestas, carregadas com tênias, romãs, coroas e outros objetos, além dos vasos de cerâmica que continham vinho, água ou óleos perfumados. Suspensas nas estelas aparecem flores, coroas de folhagens, pequenos lécitos e outras garrafinhas de argila que continham perfumes. Além disso, encontram-se ainda objetos como: armas de guerreiros, instrumentos de ginástica, brinquedos de criança, figurinhas de terracota, etc. (p. 78 e 79)

Alguns sentidos dos rituais funerários:

A importância dada ao monumento fúnebre e a ostentação que se constata a partir da riqueza dos objetos ofertados nas sepulturas adquirem, de acordo com a época, um significado específico no contexto do comportamento ritual. Através da análise desses aspectos do ritual fúnebre, detecta-se não apenas os elementos de caráter estritamente religioso, mas também o envolvimento de fatores políticos e sociais fundamentais para a compreensão do rito. O rito é a dramatização do modelo ideal de comportamento escolhido pelo grupo, mas também é modelado a partir de uma situação terrena, em constante processamento. (p. 83)

O mundo dos mortos:

Onde ficavam os mortos após a morte? Havia duas possibilidades representadas nos lécitos: de um lado cultua-se o túmulo, a estela, como se fosse o próprio morto, e de outro se representa a viagem que realiza o morto para o Além. Entre as duas idéias há uma única crença, a da persistência do ser. A vida do além era vista como uma continuidade dessa vida, com suas necessidades e seus prazeres. A crença na imortalidade do ser é outro aspecto a ser considerado no ritual fúnebre. (p. 83 e 84)
Havia um forte laço que unia os vivos ao mundo dos mortos, e a mistura do mundo sobrenatural e do real é um traço típico de todos os rituais de passagem. O sobrenatural aparece frequentemente representado ao lado do terreno. (p. 84)

A morte e o ciclo da vida:

Com a morte o ciclo da vida se encerra. É a última passagem transposta pelo homem. Há

semelhanças nos detalhes da composição do casamento e do ritual fúnebre: banhos, unção com óleos, cortejos, etc. Na verdade, o ritual funerário devolve à terra – de maneira dramática – o que dela veio, pois só se nasce de novo o que é enterrado. (p. 85, 86 e 87)


Conclusão:

Na Grécia antiga os indivíduos enfrentavam no transcorrer da vida momentos de mudança carregados de tensão. Os mitos não eram imutáveis. Eram criações humanas e muitas vezes adaptavam-se, nos detalhes, a realidades sempre em movimento. Todos esses momentos de transição mostram como o homem era sensível as ciclos da natureza. (p. 88 e 89)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FLORENZANO, Maria Beatriz. Nascer, viver e morrer na Grécia antiga. São Paulo: Atual, 1996.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

6. Crise econômica, reestruturação e revoluções / 1973-79

• Crise econômica e Revolução Técnico-Científica:
A economia americana teria sofrido grandes desgastes com as despesas militares:
“Durante os anos 1960, os países europeus ocidentais (...) e o Japão alcançaram e ultrapassaram os Estados Unidos em vários campos da economia, enquanto esse último encontrava crescentes dificuldades para desempenhar o papel de polícia do mundo livre.” (p. 109)
A exigência político-ideológica de garantir emprego e aumento salarial continuamente contrastava com o capitalismo baseado nas indústrias motrizes, de automóveis e bens de consumo duráveis. Isso acabava levando ao declínio da taxa de crescimento e de lucros.
“Para enfrentar esse conjunto de problemas, os Estados Unidos desencadeiam uma contra-ofensiva estratégica – primeiramente no campo político-ideológico, depois no âmbito diplomático-militar e, finalmente, na esfera econômico-financeiro-tecnológica.” (p. 110)
Nixon em 1971 adotou diversas medidas protecionistas para recuperar a economia americana. Os EUA eram grandes produtores de petróleo além de matérias-primas e alimentos. Todos esses produtos sofreram um aumento significativo, impulsionando o processo de reconversão econômica global. Em 1973, o preço do petróleo aumentou em quatro vezes nos países árabes. OS EUA só importavam 10% de petróleo do Oriente, enquanto o Japão e a Europa Ocidental, grandes importadores, foram os mais afetados pela alta do preço do petróleo. O aumento do preço do petróleo, matérias-primas e alimentos afetaram a economia mundial, mas deixaram os EUA em vantagem sobre o Japão e a Europa na corrida da reestruturação da economia. Em relação aos soviéticos é importante dizer:
“Moscou era estimulada a vender, no mercado mundial, petróleo e matérias-primas, sobretudo minerais, e adquirir tecnologia, receber capitais e produtos de consumo.” (p. 112)
Os países capitalistas mais avançados passaram a transferir para a periferia muitas indústrias que utilizavam a mão-de-obra intensiva. Os centros capitalistas começaram a dar impulso à Revolução Científico Tecnológica, que em conjunto com a Nova Divisão Internacional da produção resultaram na Terceira Revolução Industrial e numa globalização produtiva e financeira e esse processo levou à crise recessiva e a crescente concorrência comercial.

• A onda revolucionária dos anos 1970:
“A nova correlação internacional de forças então criada gerou um desequilíbrio estratégico, claramente desfavorável a Moscou.(...)Tentando retomar o status quo ante, Moscou passa a potenciar esses processos de ruptura na periferia terceiro-mundista e estabelecer com os novos regimes uma série de pontos de apoio,às costas de seus adversários norte-americanos e chineses.” (p. 114)
Na década de 70, ocorreram muitas revoluções socialistas e antiimperalistas e a Revolução Indo-Chinesa foi a mais importante:
“A guerra secreta no Laos e a invasão do Camboja, em 1970, (...) dificultaram ainda mais a situação de Washington.” (p.114)
“A Guerra do Vietnã não fora apenas um conflito militar entre exércitos nacionais, mas uma profunda revolução social. (...) A primeira derrota militar americana atingiu em cheio o país, gerando a Síndrome do Vietnã, que o retrai temporariamente nas relações internacionais. (...) Na África Portuguesa, após quinze anos, a luta armada também seria coroada por uma vitória.” (p. 115)
Angola, país africano que dispunha de petróleo, ferro entre outros minerais, e com uma minoria da população branca, também tornou-se independente. Depois de uma série de conflitos, o MPLA governaria sozinho o país, apesar disso, África do Sul manteve a UNITA no sul de Angola, para desestabilizar o governo. A Etiópia conheceu um Golpe Militar em 1974, articulado pela DERG com o apoio popular. A Somália, encorajada pela Arábia Saudita, Egito e EUA atacou a Etiópia, que contou com o auxílio da URSS e de Cuba:
“A guerra do Chifre da África encerrou-se com a vitória da Etiópia, que consolidava seus laços com o campo socialista, enquanto a Somália aliava-se aos EUA. (...) Em fins dos anos 1960, a FLN do Iêmen do Sul (000) tornou seu país a primeira nação árabe-muçulmana a possuir um governo autoproclamado marxista-leninista.” (p. 117)
Na América Central as Oligarquias arcaicas dominavam os povos das repúblicas bananeiras em benefício próprio e dos interesses dos EUA.
“A revolução Iraniana foi aquela que mais afetou a estratégia norte-americana na região do Arco das Crises. (...) fora o resultado da convergência de uma luta política contra os vinte e cinco anos de ditadura do xá, de uma revolta social contra as profundas desigualdades do modelo capitalista adotado e de uma revolta islâmica e nacionalista contra a cultura ocidental (...) e contra a sujeição do país à diplomacia dos EUA.” (p. 122)
“O bode expiatório da grande virada das relações internacionais foi, entretanto, o Afeganistão.” (p. 122)
A Revolução Iraniana necessitava de grande fluxo de armas e dinheiro, vindas dos EUA, China, Paquistão, Egito e Arábia Saudita, para a guerrilha conservadora afegã, e Moscou não poderia recuar no país.

• Segurança Nacional na América Latina:
Na América Latina, ao contrário da África e da Ásia que passavam por processos revolucionários, ocorria uma contratendência devido à reação norte-americana e das burguesias locais.
“A crise econômica agravara-se ainda mais com a radicalização social gerada pelo aumento das demandas populares frente aos regimes populistas, cuja ambigüidade chegava a um impasse.” (p. 125)
No Brasil o regime militar vai desenvolver a economia nacional, e isso causará o endividamento externo. No Peru, a Revolução foi caracterizada pelas políticas reformistas internas, as nacionalizações de alguns ramos da economia e uma postura nacionalista no plano diplomático. No Chile o regime ditatorial foi usado para implementar uma política econômica ultraliberal, que destruiu a industrialização por substituição de importações e pauperizou a maior parte da população. No Cone Sul as torturas, assassinatos e desaparecimentos, acabaram tornando o terrorismo de Estado uma regra política. O Uruguai, a Argentina e o Chile tiveram a industrialização sucateada e retrocederam na economia, importando capital e manufaturas, voltando ao regime de dependência.
“Apenas o México e a Venezuela, bneficiados pelo aumento do preço do petróleo, puderam manter políticas reformistas e uma diplomacia relativamente autônoma, visando a contrabalançar o aumento das relações econômicas com os Estados Unidos (...)” (p. 127)

7. Da nova Guerra Fria à crise do Socialismo / 1979-89

• Nova Guerra Fria: a reação americana:
“Quase uma década de vacilação americana chegava ao fim, encerrando a conjuntura favorável ao triunfo de revoluções no Terceiro Mundo.” (p. 128)
A Nova Guerra Fria consistia na corrida armamentista convencional e estratégica dos norte-americanos, que buscavam a militarização do espaço. Esta estratégia os põe em superioridade em relação aos soviéticos. A URSS vê-se limitada e tende a limitar seu apoio às revoluções do Terceiro Mundo. Os EUA tentariam a abertura dos países socialistas para a penetração da economia ocidental, que aumentaria o controle político no bloco soviético, proporcionando mais alternativas financeiras e comerciais para superar a estagnação do sistema capitalista.

“O século XX representa uma era de transição longa e violenta, marcada pelo conflito de formações sociais e políticas opostas, cujo centro de gravidade é o Terceiro Mundo (...). A Guerra Fria, nesse sentido, não pode ser reduzida à sua aparência de conflito entre EUA e URSS.” (p. 129 – 130)
“(...) a corrida armamentista – nuclear ou não - representa o regulador de um sistema internacional em transição e convulsionado por rupturas revolucionárias, regulador esse imposto pela economia dominante.” (p. 130)
“As novas camadas excedentes, formadas pela dissolução parcial do proletariado, abandonadas pelo Estado e não tendo meios para exprimir-se politicamente, mergulham em uma criminalidade incontrolável.” (p. 131)
“Assim, a democracia adotava um conteúdo empobrecido, conservando e legitimando a desmobilização político-social dos regimes autoritários que estava substituindo. Lutar pela ampliação de direitos significava, doravante, atentar contra a democracia.” (p. 132)

• Conflitos de Baixa Intensidade: a contra-revolução no Terceiro Mundo:
A Nova Guerra Fria levou a uma contra-revolução no Terceiro Mundo:
“Os contras – ex-guardas somozistas, instalados em Honduras – atacam a Nicarágua seguidamente, sem conseguir implantar-se dentro dopais, mas causando sérios danos à economia e aterrorizando a população. Em Moçambique a direitista RENAMO (...) atua em conjunto com comandos sul-africanos (...). Em Angola, o exército da África do Sul mantinha a ocupação do sul do país, apoiava a guerrilha da UNITA e também sabotava a infra-estrutura do país (...).” (p. 133)
No continente Asiático intensificou-se o apoio aos guerrilheiros islâmicos afegãos instalados no Paquistão. Os novos regimes revolucionários estavam vulneráveis à ofensiva dos conservadores, pois ainda não haviam consolidado o poder nos seus territórios.
“Paralelamente, os EUA exerciam pressão e desencadeavam provocações militares contra Granada, Panamá, Cuba e Líbia.” (p. 133)
Filipinas, El Salvador e Guatemala, com regimes conservadores receberam ajuda militar para esmagar as guerrilhas esquerdistas que ameaçavam seus ditadores e interesses norte-americanos. Esses países foram locais de ação dos esquadrões da morte. Na Guerra Iraque-Irã, sucedeu-se uma estagnação estratégica e uma carnificina sem fim:
“A guerra Iraque-Irã constituía um meio para esmagar a revolução antiimperalista iraniana, dividir e enfraquecer o mundo muçulmano (...) e também uma luta pelo petróleo do golfo, num momento em que o mundo vivia o segundo choque petrolífero.” (p. 134)
“O Irã manteve a cooperação econômica com o mundo capitalista (...). A evolução de países como a Síria e o Iraque, aliados da URSS e governados pelo movimento político leigo, esquerdista e pan-árabe Baas, evidenciou o fracasso (...) da via não-capitalista de desenvolvimento.” (p. 135)
“O desgaste militar no Líbano e o descontentamento interno levaram Israel a retirar-se desse país, conservando apenas uma zona-tampão do Sul, em conjunto com uma facção cristã aliada. (...) Em várias regiões do Terceiro Mundo, uma onda democratizante contrastou, nos anos 1980, com o aprofundamento da crise sócio-econômica.” (p. 136)
No final de 1983 eram eleitos os presidentes da Argentina, Raul Afonsín, no Uruguai o presidente Julio Sanguinetti e Tancredo Neves no Brasil. Os EUA haviam apoiado os processos de redemocratização, para legitimar o pagamento da enorme divida externa e contornar possíveis tendências populistas.
“O continente africano, segundo o Banco Mundial, sofreu uma significativa regressão econômica absoluta durante a década de 1980, na esteira da depreciação dos termos de troca internacional e das políticas de ajuste monetarista.” (p. 137 - 138)
No Terceiro Mundo a crise econômica também baixou o padrão de vida das populações e levou a tensões sociais insuportáveis. As drogas ilícitas consumidas pela sociedade capitalista doente sustentam o narcotráfico que se transformou em autentica força acima dos Estados.

• Globalização e Neoliberalismo:
“(...) um dos fatores determinantes da exportação de indústrias para a periferia é o baixo nível salarial pago aos trabalhadores (...). Outro elemento decisivo é que as áreas escolhidas para a instalação das indústrias oferecem facilidades fiscais.” (p. 139)
“O resultado obtido, como forma de enfrentar a crise, é satisfatório, pelo menos a médio prazo. As indústrias instaladas na periferia,voltadas para a exportação ou elaborando apenas parte de uma mercadoria,exigem meios de transporte baratos e eficazes para vencer as enormes distâncias geográficas.(...) No plano das relações econômicas internacionais, as transferências respondem também à competição entre potências capitalistas.” (p. 140)
Existe uma diferença entre os países que se mantiveram como plataformas de exportação e os que adotaram uma estratégia para o desenvolvimento, tornando-se Novos Países Industrializados (NPIs). Os países desenvolvidos tornaram-se sociedades pós-industriais que adotaram uma nova estratégia de desenvolvimento, aplicada em novas tecnologias avançadas, alta lucratividade e centros financeiros. O Movimento Operário, em crise pelo desemprego, é vencido facilmente pelo capital de estrutura transnacional. As idéias neoliberais de economistas começaram a ganhar adeptos nos anos 1970.
“O neoliberalismo inegavelmente atingiu alguns de seus objetivos-meio: os impostos caíram, a inflação foi drasticamente reduzida, as regulamentações financeiras e comerciais também, o sindicalismo sofreu um acentuado retrocesso, o desemprego tornou-se estrutural, grande parte das empresas públicas foi privatizada e os gastos sociais sofreram acentuada redução.” (p. 142)

• Perestroika: a nova détente e a crise do socialismo:
“Em 1985, Mikhail Gorbachov, jovem aliado de Andropov, assume o poder no Kremlin, lançando as políticas reformistas da Glasnost (transparência) e da Perestroika (reestruturação). (...) A diplomacia da Perestroika era uma resposta à ofensiva belicista americana (...).” (p. 144)
“A estratégia da Perestroika teve, entretanto, a lógica de sua eficácia matizada por sérios problemas. Em primeiro lugar, ela continha um grave risco de desestabilização interna para a URSS, para seus aliados do campo socialista e do Terceiro Mundo. Em segundo lugar, os limites das reformas dependeriam da luta política imprevisível dentro do país e da evolução mundial.” (p. 145)
“Os Estados Unidos viram agravar-se, ao longo dos anos 1980, sua situação internacional. Sua tecnologia perdera terreno em muitos setores, a taxa de investimento era inferior à dos demais pólos capitalistas avançados, o comércio continuava deficitário, o orçamento aumentara seu desequilíbrio, a infra-estrutura encontrava-se defasada, depois de quase uma década negligenciada, e as dívidas interna e externa tornaram-se quase impagáveis.” (p. 146)
“O fim da década assistiu também a um importante e complexo fenômeno denominado Crise do Socialismo. A URSS passou a enfrentar internamente os efeitos desestabilizadores da Perestroika. Algumas das medidas adotadas tentavam corrigir desvios do socialismo, enquanto outras orientavam-se rumo ao capitalismo ou simplesmente mergulhavam no caos.” (p. 147)
“Os efeitos internacionais da Perestroika e a facilidade com que a URSS estava sendo integrada ao sistema mundial, em uma posição de subordinação, levaram determinadas forças políticas (dos EUA, de Taiwan e da própria China) a conduzir a RP da China pelo mesmo caminho.” (p. 149)
“No segundo semestre de 1989, os regimes socialistas pró-soviéticos da Europa Oriental foram varridos, praticamente sem resistência interna e externa.” (p. 151)
8. A desintegração da URSS e o fim da guerra fria / 1989 - 91

• O colapso do regime socialista e do Estado soviético:
“Na URSS, a Perestroika de Gorbachov, depois de entregar ao Ocidente quase todo seu patrimônio diplomático e de abrir sua economia, ingressou em uma crise terminal, com o caos social e econômico e os conflitos étnicos e políticos generalizando-se.” (p. 152)
A URSS foi desmembrada e surgiram novos países: Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Moldova, Estônia, Letônia, Lituânia, Armênia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguiztão e Tadjiquistão. O desaparecimento do campo soviético fez restar como países socialistas Cuba Coréia do Norte, Vietnã e China.
“O desaparecimento da União Soviética e a derrocada do regime socialista em seu território ocorreram de forma desconcertante, tomando de surpresa inclusive os serviços de inteligência ocidentais e muitos analistas renomados.” (p. 154)

• O fim da Guerra Fria e o sistema internacional:
“O fim da Guerra Fria marcou o fim de uma época, na medida em que era tanto um conflito como um sistema.” (p. 156)
“A globalização gerou a regionalização, com a formação de blocos políticos-econômicos competidores: a Europa busca autonomia e a China (com a Ásia Oriental) apresenta um avanço notável, enquanto mesmo na periferia surgem (ou ressurgem) pólos de poder como Índia, Brasil e Rússia. A tendência é, portanto, de surgimento de um sistema multipolar.” (p. 156)
“Aos Estados Unidos faltam um rival equivalente e de mesmo peso, o que gera desequilíbrios político-militares, mas também econômicos e societário-culturais.” (p. 157)
“Assim, o fim da Guerra Fria dissolveu os elementos aglutinaores que eram a base da hegemonia americana e dos mecanismos de controle sobre os seus aliados, que hoje buscam seus próprios caminhos, no quadro de uma competição renovada e de ação de tendências centrífugas.” (p. 157)


VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. (Capítulo III – p. 109 – 157)

Questões Sobre o Texto: “Da Paz à Guerra – Cap. 13 – A Era dos Impérios - Eric Hobsbawn”

Qual o papel do Exército no período anterior à Guerra?
A principal função do exército nas sociedades européias durante o período anterior à guerra (1871-1914) era civil. O alistamento militar era obrigatório em todas as nações importantes (embora nem todos os rapazes se alistassem), menos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Com o avanço dos movimentos socialistas, generais e políticos ficavam receosos em colocar armas nas mãos de proletários que poderiam tornar-se revolucionários. Para os recrutas comuns entrar para o exército era uma espécie de rito de passagem, marcando a chegada de um garoto à fase adulta. O treinamento dos recrutas durava aproximadamente três anos e estes não buscavam glórias na vida militar. Já para os suboficiais profissionais o exército era um emprego. Para os oficiais, o exército era um símbolo de virilidade, superioridade e status social. Para governos e classes dirigentes os exércitos eram forças para enfrentar os inimigos internos e externos e garantir a lealdade dos cidadãos. O exército era um dos mecanismos poderosos à disposição do Estado para manter a civilidade e o sentimento de patriotismo do cidadão. O exército era responsável por espetáculos públicos de exibição militar, que divertiam e inspiravam patriotismo à população civil. Eventualmente, soldados e marinheiros eram mobilizados contra desordens e protestos. As ações militares contra civis podiam ser negativas do ponto de vista político, mas geralmente eram utilizadas. A repressão interna seria inofensiva enquanto as guerras nas colônias eram mais perigosas. A vida dos soldados e marinheiros das grandes nações eram tranqüilas, ao contrário dos exércitos russo e japonês.

O que o autor quer afirmar com a frase: “É evidente que as nações estavam longe de ser pacíficas, quanto menos pacifistas.”?
Segundo ele mesmo, nenhum governo queria uma guerra de grandes proporções, ao mesmo tempo em que viam a guerra como inevitável, onde alguns governos apenas decidiram que a melhor coisa a fazer era escolher o momento mais propício para iniciá-la. A situação no período anterior à guerra era de uma situação internacional em processo de deterioração progressiva, escapando ao controle dos governantes. A Europa foi se dividindo em dois blocos de alianças. Essas alianças foram tornando-se uma ameaça à paz, pois disputavam entre si, deixando esses confrontos fugirem do controle e tornarem-se inadministráveis. No período anterior a Primeira Guerra, quando os interesses das grandes nações estavam em disputa, elas entravam em conflito direto e acabavam por fazer um acordo de paz. O passado de conflitos militares restritos mostra que essas nações não eram pacíficas e nem pacifistas, pois sempre procuravam resolver as questões internas e os interesses externos por meio da guerra.

Qual a relação apontada pelo autor, entre a expansão do capitalismo e os anos que antecederam o começo da Primeira Guerra Mundial?
Para explicar essa relação, o autor cita Clausewitz e sua máxima, de que a guerra agora fosse apenas a continuação da concorrência econômica por outros meios. Apesar dessa idéia, Hobsbawn deixa claro que havia muito mais questões nesta relação. Para muitos fabricantes de armas, a guerra seria interessante ao passo que traria lucro à suas fábricas, ao mesmo tempo em que havia expansionistas econômicos belicosos, com a crença de que a guerra beneficiava o capital. O autor acredita que “(...) o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade entre Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra.” (p. 437) A economia havia deixado de girar em torno da Grã-Bretanha, no período que antecedeu a Primeira Guerra e um número de economias industriais agora se enfrentava mutuamente e a concorrência econômica passou a estar ligada às ações políticas e militares do Estado.


Referências Bibliográficas:
HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. (p. 417-451)

A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁSIA

Na conjuntura da chamada Guerra Fria ocorreu uma espécie de neocolonialismo que promoveu a partilha de dois continentes (África e Ásia) entre as potências européias e as duas mais novas superpotências mundiais, EUA e URSS.
“(...) Para os europeus, que haviam dado o exemplo da revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, que com seus” burgueses conquistadores” comandaram a ciência, a técnica e os povos do mundo(...) Pela primeira vez na história, seus destinos serão marcados pelas decisões dos dois novos pólos de poder: as duas grandes potências, uma a leste, a outra a oeste (...) o capitalismo, como sinônimo de democracia e liberdade, e o socialismo como sinônimo de instrumento de luta pela libertação dos povos e das classes historicamente oprimidas”. (p.13).
A Grã-Bretanha teve um papel muito importante nesse processo. Em 1950, a Inglaterra conseguiu se recuperar e pôde deixar de lado os recursos do Plano Marshall.
É possível mencionar que os trabalhistas ingleses foram os primeiros a aceitar a descolonização, dando sinal de partida no ano de 1947, com a independência da Índia.
“(...) Foi ainda a Grã-Bretanha a primeira potência capitalista a reconhecer o governo comunista de Mao-tsé-tung na China (...)”. (p.27).
Vale dizer que a luta pela descolonização representava, de certa forma, uma luta contra o capitalismo e, ao mesmo tempo, no aspecto político uma luta contra as metrópoles.
Neocolonialismo
Por volta do século XIX, havia poucos vestígios dos antigos impérios mercantilistas. Apenas a Grã-Bretanha permanecia como a principal potência marítima e “imperial”, mesmo tendo evitado até 1874 novas anexações, exceto as escalas da Índia (no Mediterrâneo oriental e na rota da Índia pelo Cabo). Ela também anexou a Birmânia e a Malásia.
Já a França, tornou-se uma potência mundial com o auxílio das importações e exportações coloniais. Dentre seus mais representativos pontos de dominação estavam territórios asiáticos, como a Indochina Francesa (Amom, Laos, Camboja, Cochinchina e Tonquim) e Oriente Próximo, com os mandatos da Síria e do Líbano.
É de grande valia mencionar que a colonização podia acontecer de forma direta e indireta.
De acordo com Paul Leroy-Beaulieu existia três tipos de colônias: as de comércio ou entrepostos como Hong-Kong e Singapura; as de plantagem ou de exploração que tinham a finalidade de exportar produtos exóticos e matérias-primas(Índia e Java), as de povoamento em climas temperados e com imigração “branca”. Também existiam as colônias de penetração financeira (China, Turquia).
É significativo apresentar algumas características do continente asiático.
“A Ásia, que tinha sido berço das grandes civilizações, a cujo gênio e humanidade deve seus primeiros progressos fundamentais, como a domesticação dos animais, a agricultura, a criação, a cerâmica, a metalurgia, o papel, a pólvora, etc.(...) Seus povos altamente civilizados tinham padrões éticos bem diversos dos valores que atribuíam preeminência à técnica e aos bens materiais. O sistema social da Índia, da China e das regiões que receberam sua influência, fundamentava-se num conjunto de valores que “ dava o primeiro lugar ao sábio, àquele que sabe no domínio literário, poético, metafísico e espiritual (...) A perda de suas identidades culturais seguiu-se à perda de suas riquezas, de sua autonomia, à tentativa de lhe arrancar o passado pelas raízes”. (p.53).
É necessário colocar que houve uma série de movimentos de resistência à conquista colonial que se estenderam até o início do século XX. Entre esses movimentos, salientam-se os de renovação religiosa; o Islã, na Indonésia, inspirando organizações políticas nacionalistas; na Birmânia e no Camboja o que prevalecia eram as associações e manifestações budistas, que refletiam a repulsa do povo ao regime colonial; na Índia, a revolta dos Cipaios no ano de 1857 mesmo sendo heterogênea, possuía marcas de hinduísmo tradicional. Além deles, existiram os movimentos “modernistas” ou “ocidentalistas” que eram patrocinados pelas novas camadas sociais que surgiram com o colonialismo.
Na Ásia, os exemplos eram: Sun-Yat-sen (Kuomintang) e do Japão, serviram de inspiração; na Indonésia holandesa, entre 1920 e 1930, teve início o partido nacionalista de Sukarno; em Saigon, em 1925, um partido nacionalista de direita e na Birmânia quem detinha o controle eram os grupos conservadores.
“Acrescentaremos à tipologia acima os movimentos nacionais que levaram, após a Segunda Guerra Mundial, à descolonização (...). Nutridos pela ideologia do Ocidente, em cujos manuais assimilaram o ideário de seus colonizadores (liberdade, igualdade, fraternidade, parlamentarismo, soberania popular, livre empresa), apresentavam-se como elementos da classe dominante local e como tais se distanciam das camadas populares urbanas e rurais”. (p.56-57).
A pergunta que precisa ser respondida é: De que maneira as metrópoles reagiram ao fermento nacionalista?
“Na Índia, a Grã-Bretanha introduziu, em 1919, reformas que deram uma pequena margem de autonomia administrativa às províncias. Nesse momento, surgia no cenário político indiano a figura de Mahatma Gandhi, inimigo da ação violenta e o mais eficaz dos adversários da Inglaterra (...) adere aos programas de não- cooperação e define-se pela autonomia. Pelo Estatuto de 1935(British Índia Act), a Índia deveria vir a ser um Estado Federal, o que não atendia às reivindicações nacionalistas”. (p.57-58).

As Independências
A Índia é o grande exemplo da descolonização pacífica. Entretanto, o domínio inglês na Índia se caracterizou pela violência e pela continuada resistência das populações locais.
“(...) Em plena guerra, em 1942, a Índia reagiu violentamente, atacando e destruindo transportes militares, instalações ferroviárias, correios, postos de polícia(...) Paralelamente, um amplo movimento de não cooperação não violenta provocou a repressão inglesa com a subseqüente prisão de Ghandi e Nehru e o bombardeio de aldeias(...)”. (p.72).
Quando a guerra terminou, dois partidos passaram a se defrontar: o Partido do Congresso, liderado por Mahatma e Nehru, e a Liga Muçulmana de Jinnah Mohamed Ali. As divergências entre hindus e muçulmanos se acentuaram ainda mais.
“Jinnah Mohamed Ali nascera em Karadi (1876), estudou direito em Londres e cedo aderiu ao Partido do Congresso, pertencendo a um grupo de nacionalistas moderados (...) Por não concordar com Ghandi, rompeu com o Congresso e se filiou à idéia de uma solução federalista para a Índia, em defesa dos muçulmanos( um quarto da população). O nacionalismo indiano reforçara-se ao remontar às suas fontes hindus( sobrevivência do sistema de castas). (...) Para Jinnah e sua liga, a verdadeira luta se deveria travar, não contra os britânicos, mas contra o hinduísmo e o Partido do Congresso. Rompia-se, dessa forma, a solidariedade nacionalista”. (p.72-74).
Em fevereiro de 1947, o governo trabalhista de Attlee teve a iniciativa de declarar ao Parlamento britânico que promoveria a Independência da Índia até junho de 1948.
No dia 15 de julho, a lei de Independência foi vetada e em 15 de agosto formaram-se os governos interinos: um para a Índia e o outro para o Paquistão.
“(...) A execução da partilha se fez na mais completa desordem, marcada por atos de violência entre hindus e muçulmanos, sob o olhar aparentemente indiferente do exército britânico”. (p.74-75).
Independência da Birmânia, Ceilão e Malásia
“Na Birmânia, a Liga Antifascista pela Independência do Povo saíra da guerra fortalecida pelo papel que desempenhara na luta contra o invasor japonês. As tentativas por parte de Attlee de negociar uma forma de autonomia para a Birmânia foram infrutíferas. Os birmaneses se recusam a integrar a Comunidade Britânica e sob a liderança de UNU obtêm, em 4 de janeiro de 1948, o reconhecimento do Estado soberano e independente, a República da União Birmanesa”. (p.75).
No caso do Ceilão, houve um período de reformas constitucionais a partir de 1931. O governo inglês com o objetivo de evitar transtornos concedeu no dia 19 de dezembro de 1947, ao parlamento e ao governo da ilha o self govermment completo no âmbito da Comunidade Britânica.
Já na Malásia, a solução mostrou-se mais complicada devido à multiplicidade dos grupos raciais que a compunham (chineses, malaios e indianos). Além disso, as riquezas da Malásia eram essenciais para a economia inglesa (estanho e borracha) e Cingapura era um ponto estratégico localizado entre o Índico e o Pacífico.
“(...) Por momentos, julgou a Grã-Bretanha ser possível desvencilhar-se da autoridade arcaica dos sultões locais e fazer a Malásia enveredar pelo caminho de um governo unificado e modernizante (...). Em 1948, o governo britânico fez vigorar uma nova constituição, a da Federação Malaia, confirmando os privilégios dos sultões, mas agrupando nove estados (e ainda Penang e Malaca) numa federação sob o controle inglês (...). Finalmente, em 3 de agosto de 1957, foi aceito o projeto de constituição para a Federação e a 31 de agosto proclamada a independência malaia após a revogação do protetorado da Grã-Bretanha”. (p.76).
No ano de 1957 também foi reconhecida a autonomia da Cingapura, que se tornou um Estado em 1958. A formação da Grande Malásia, em agosto de 1963, encerrou o ciclo do velho Império e se transformou num bastião que servia para conter a influência da China na região, especialmente dos chineses no interior da Federação.
Independência da Indonésia
“Em 1942, as Índias neerlandesas foram libertadas pelos japoneses que retiraram da prisão os líderes nacionalistas, inclusive Sukarno; os japoneses de “libertadores”, logo passaram a invasores. Com a capitulação japonesa, Sukarno proclama a independência em 17 de agosto de 1945. Tentaram os holandeses recuperar a colônia, mas foram forçados a reconhecer a República indonésia em Java e Sumatra. Coube aos holandeses a iniciativa de romper o acordo, por duas vezes, sempre através de violentas intervenções armadas para recuperar o exclusivo colonial e apesar de sucessivas intervenções da ONU (...). Pelos acordos de Haia, em 1949, a Holanda teve de recuar e assinar uma união com a Indonésia em condições de igualdade, mas decorridos cinco anos, coube à Indonésia denunciar o acordo e afastar os holandeses para sempre de sua vida interna”. (p.81-82).
Independência da Indochina
A Indochina é um caso peculiar, visto que a guerra produziu efeitos catastróficos também para a potência colonial, a França. Com o término do conflito, os ingleses ocupavam o sul e os chineses o norte. Foi em setembro de 1945 que o Vietnã tornou-se independente, em Hanói, constituindo, dessa forma, a República Democrática com Ho Chi Minh e a liderança de Vietminh. Não se pode deixar falar que a República da Cochinchina foi proclamada de modo arbitrário pela França.
É essencial comentar que o governo de Ho Chi Minh entrou na clandestinidade e a guerra da Indochina teve início, só acabando em 1954 com a humilhante derrota francesa em Dien Bien Phu.
“(...) Além disso, ao se transformar numa guerra anticolonial, mobilizou as forças populares, adquiriu um caráter nacional e socializante e com a ascensão de Mao-tsé-tung na China (1949), tornou-se um pião da guerra fria, peça estratégica do “mundo ocidental” e “capitalista” na luta contra a expansão do comunismo”. (p.84).
“Assim, como os outros produtos do colonialismo, a Indochina era uma construção política artificial: o norte (Tonquim) de influência cultural chinesa, o Camboja e o Laos de povoamento não vietnamita e com afinidades indianas; o Anam no centro, por suas características étnicas e origens históricas, aproximou-se do norte (...). Também aí, como em outros territórios da Ásia e da África, o colonialismo deixou trágicas seqüelas: divisões internas, caos econômico e intermináveis guerras civis”. (p.84).
A França buscou fazer negociações políticas e campanhas militares até o ano de 1954, que se mostraram frustradas. No final do mesmo ano, os franceses assinaram os acordos de Genebra, o qual deu fim “à fase francesa da guerra da Indochina”. Depois disso, a divisão em dois países, o do norte e o do sul, revelou contrastes internos que somados às tensões internacionais, levaram a um longo período de guerra com a intervenção dos EUA, também acarretando conseqüências para o povo vietnamita.
Pode-se concluir que esses países asiáticos tiveram de percorrer uma trajetória árdua, enfrentar a ameaça constante de governos opressores e os vestígios deixados pelo colonialismo até alcançarem a sua independência.
“A descolonização dos velhos modelos chegou a seu fim. Resta saber como evoluem os novos países e como poderão enfrentar os novos problemas: a construção de suas sociedades. Se forem bem sucedidas será porque o colonialismo também teve o seu fim e eles encontraram o seu próprio caminho”. (p.111).


Referências Bibliográficas

LINHARES, Maria Yedda. A Luta contra a metrópole (Ásia e África: 1945-1975). Editora Brasiliense: 5º edição.

Análise do Golpe de 1964: Visão Política, Econômica e Social, Segundo Francisco de Oliveira e Caio Navarro de Toledo

Análise do Golpe de 1964 segundo Francisco de Oliveira:
Em seu texto “Dilemas e Perspectivas da Economia Brasileira no Pré-64”, Francisco de Oliveira faz uma crítica à visão existente no Brasil, de que o Golpe de 64 seria irremediável e que não havia alternativas. Segundo ele, todas as discussões e interpretações se encaminhariam para o “apocalipse inevitável”, aonde a “economia vai como boi vai para o matadouro”. Aquilo que seria determinado pela história, ele acredita ser na verdade uma alternativa, uma opção política.
Francisco de Oliveira mostra-se a favor do Golpe como opção que foi tomada, ainda que não houvesse um leque de opções: “Portanto, não se trata nem dessa história de que só havia aquele caminho, nem da história, mais fácil inclusive para os críticos, de que qualquer alternativa estava à disposição.” (p. 24) As alternativas estariam à disposição dos sujeitos e atores sociais que proviam de recursos políticos, econômicos e sociais para implementá-las. Ainda segundo Francisco, é necessário estudar o Golpe no contexto da estrutura das relações vigentes na economia brasileira. Visto isso, podemos analisar a visão econômica, política e social de Francisco de Oliveira sobre o Golpe.
Em relação questão econômica, Francisco faz uma breve comparação entre a economia atual e a economia nas vésperas do Golpe de 1964. Na verdade, ele constrói o seu texto basicamente tratando sobre o contexto econômico. A inflação seria de 80% ao ano, chegando a 80% de inflação ao mês. A dívida externa seria de 3,5 a 4 bilhões de dólares, sendo contraída através de empréstimos de entidades internacionais e dívidas com fornecedores, porém de fácil manejo. No que diz respeito ao coeficiente de investimento, este ficava em torno de 17 a 18%, índice bem elevado. Outra questão importante é a inexistência de dívida interna. Todos esses fatores representavam uma economia em ótimo desempenho, com uma taxa média de crescimento de 8% ao ano. Isso foi possível, segundo o autor, devido aos grandes ramos e setores da economia já estarem fundamentalmente implantados.
Havia, porém, atraso no setor agrícola na conjuntura do golpe, cuja parte da produção era destinada à exportação e outra parte ao mercado interno. Os Estados de São Paulo e do Paraná, por exemplo, possuíam agriculturas capitalistas, mas isso não acontecia no restante do país, surgindo daí, a importância da questão da Reforma Agrária.
Junto com a questão da Reforma Agrária havia duas outras questões importantes para a expansão capitalista: “(...) de um lado, uma redução do custo de reprodução da força de trabalho urbano-industrial (...). De outro, evidentemente – o que é a outra face da mesma moeda – a agricultura podia se constituir num dos grandes pólos de criação de um mercado interno que a indústria já criava aceleradamente, mas que não encontrava contrapartida no mundo agrário.” (p. 25-26) Esta questão poderia ser um impasse econômico, aliado à economia que crescia e ao mesmo tempo criava um problema financeiro. O Estado tinha um papel central na economia uma vez que é responsável pela emissão monetária. O grande impasse econômico seria a estreiteza da base fiscal do Estado. O impasse político seria a dificuldade de o Estado romper com a relação de forças onde se assentavam o PSD e o PTB.
Resolvidos esses impasses que de nenhuma forma desabonavam a economia, até porque esta já se mostrava com forte capacidade de crescimento, cria-se a grande questão sobre por que se dão Golpe. Segundo o autor, a resposta a essa pergunta poderia vir de um conjunto de fatores proeminentes da expansão capitalista, que atingiriam, por exemplo, a sociedade.
Na questão social, a burguesia teria sido deslocada de seu papel principal com o processo de expansão capitalista. Esta não ocupava mais o lugar central e não detinha mais o poder de classe dominante. Este lugar estaria sendo ocupado pela “união de classes”. O Sistema populista foi o grande responsável por promover a estruturação de classes, porém, com a expansão do capitalismo há o deslocamento das classes. Durante o regime populista, o proletariado e os assalariados urbanos ficaram de fora do tripé de poder (constituído por burguesia + proprietários rurais + classe trabalhadora emergente). Mesmo assim há um crescimento do proletariado, que deixa de ser subalterno e ameaça romper o controle das classes dominantes sobre o processo de desenvolvimento, pois o movimento Agrário e os Sindicatos Rurais ativos possuem enorme capacidade de mobilização.
Segundo Francisco de Oliveira, o Golpe de 64 não fez ameaça à propriedade, mas colocava em xeque toda propriedade inativa. O que importava era o uso capitalista da terra.
Sobre a questão de ordem política, o autor diz que o Golpe de 64 trata-se de “(...) uma opção de forças políticas que, quebrando alianças de classes, traduzem numa nova aliança política a relação de classes que se estabelece com o golpe de Estado. Donde nem o determinismo, nem a falta de caminhos e nem a cesta repleta de alternativas.” (p. 27)
Para concluir, é importante dizer que o autor considera que a economia possui certo grau de determinação, mas que não é imune à vontade e capacidade humana. E que após 64 todos fizeram opções: atores, classes sociais, representações e organizações políticas. O Golpe teria deixado como herança o congelamento por 20 anos de uma minoridade política que foi responsável pela exclusão de classes sociais, repressão ao movimento camponês, operariado, sindicatos de trabalhadores e intelectuais. A classe média, por sua vez, apesar de inicialmente ter apoiado a ditadura, depois colocou-se contra, pois também era incapaz de ter voz e voto nas decisões econômicas.

Análise do Golpe de 1964 segundo Caio Navarro de Toledo:
De acordo com Caio Navarro de Toledo, o período pré-64 foi um período bastante conturbado. Durante todo o governo Goulart se conviveu com a possibilidade de um golpe de Estado.
É válido lembrar que nesse momento surgiu um novo contexto político-social no país. “(...) Suas características básicas foram: uma intensa e prolongada crise econômico-financeira (recessão e uma inflação com taxas jamais conhecidas): constantes crises político-institucionais: ampla mobilização política das classes populares( as classes médias a partir de meados de 1963, também entraram em cena): fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo: crise do sistema partidário e um inédito acirramento da luta ideológica de classes.” (p. 31-32).
Um fato polêmico que merece ser destacado é o parlamentarismo. Jango inicia seu governo no parlamentarismo, onde assume apenas uma função simbólica de chefe de Estado. Contudo, sabe-se que o regime parlamentarista não deu certo, porque não teve eficiência administrativa e não conseguiu solucionar o problema das crises. Além disso, havia uma disputa entre Presidente e Conselho pelo controle do executivo e pelos programas que o governo deveria estabelecer. No Congresso, a maioria fazia parte da aliança conservadora (PDS/UDN). Diante dessa situação João Goulart resolveu travar uma batalha contra o Parlamentarismo e obteve o apoio de vários setores políticos (exceto da UDN). Os trabalhadores também lutaram pela retomada do Presidencialismo. “(...) Em janeiro de 1963, após uma derrota fragorosa nas urnas, o parlamentarismo era revogado. João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta de 1946 conferia ao chefe do Executivo.” (p. 33).
Não se pode deixar de falar que se o Parlamentarismo não foi capaz de acabar com as crises, o Presidencialismo precisava resolver essa questão, mas será que isso foi possível? Os mais diversos setores elaboraram propostas divergentes para resolver problemáticas, como: endividamento externo, do déficit de pagamentos e recessão econômica.
“Como era previsível, o Executivo anunciava que seu plano de governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentadas pelo conjunto da sociedade brasileira. Esta ambiciosa proposta foi denominada de Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 1963-65 (...)” (p. 34)
“O Plano Trienal procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento do final dos anos 50. Como reconheciam alguns setores de esquerda, o plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática o plano pedia- como fazem todos os planos de salvação nacional- que os trabalhadores (novamente) apertassem os cintos, em nome de benefícios que viriam a obter a médio prazo (...) As críticas aprofundaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os aviltados orçamentos das classes populares, CGT, PUA, FPN, UNE, grupo compacto do PTB se unem na condenação do plano (...)” (p. 34-35).
É importante colocar que o governo apresentou uma política antinacionalista que ficou nítida nas negociações feitas entre Brasil e EUA. “(...) O Plano Trienal- segundo as autoridades brasileiras- era a prova concreta que o governo oferecia para demonstrar nosso enquadramento na ortodoxia propugnada pelos EUA e pelo FMI.” (p. 35)
Os setores nacionalistas fizeram críticas intensas ao governo, pois ele retirou os subsídios para o trigo e o petróleo, mas, no entanto, comunicou que em breve iria adquirir por 188 milhões de dólares, doze usinas norte-americanas.
“Ao finalizar o ano de 1963, o malogro do Plano Trienal era reconhecido por todos: nem desaceleração da inflação, nem aceleração do crescimento tinham ocorrido. Houve, sim, inflação sem crescimento.” (p.35)
Já que o Plano Trienal foi um fracasso, Jango decidiu apostar nas Reformas de Base a fim de elevar o capitalismo industrial brasileiro a um novo patamar de desenvolvimento. No entanto, o Congresso era contrário à reforma agrária, mesmo sabendo que ela não teria fundo revolucionário e apenas consolidaria o capitalismo industrial. Por outro lado, os setores nacionalistas fizeram forte pressão sobre o Parlamento através de comícios, passeatas, manifestações por meio da CGT, FPN, etc.
Os setores de direita (IPES/IBAD, ADP, Associações femininas, Igreja, etc.) financiados pela embaixada norte-americana tachavam o governo Goulart de subversivo e diziam que era necessário acabar com a agitação social.
“Sem base de sustentação no Congresso, o governo Goulart se enfraquecia, pois dele se afastavam seus tradicionais aliados (...). Além disso, o governo entrava em choque com os setores da esquerda nacionalista, pois afastava colaboradores ideologicamente progressistas, combatia os setores não-pelegos do movimento sindical e condenava iniciativas políticas de esquerda( uma delas foi a proibição de um Congresso em defesa da revolução cubana).” (p. 36-37).
Agora a pergunta que fica é quem daria o golpe? Tanto direita como esquerda possuíam desconfianças em relação aos propósitos de Goulart.
“Convencido de que a direita golpista fechava o cerco, Jango começou a se voltar para a esquerda (...).” (p.38).
É significativo comentar que o comício de 13 de março de 1964, o qual reuniu mais de 200 mil pessoas em praça pública pelas reformas de base, medidas nacionalistas e ampliação das liberdades democráticas foi um ato de grande representatividade.
Desde os primeiros meses de março burguesia e classes médias pretendiam pôr fim ao governo Goulart e levantando a bandeira do anticomunismo movimentos femininos e outros ligados à igreja saíram às ruas para pedir o impeachment de Jango.
“Na madrugada de 31 de março, algumas horas antes da data marcada pela alta oficialidade para o desencadeamento do golpe, o general Mourão Filho (4º Região Militar)- para a surpresa e desagrado dessa mesma oficialidade- ordenou a suas tropas que se movimentassem em direção ao Rio de Janeiro (...). O chamado dispositivo militar do governo jamais seria acionado e Jango abriria mão do poder sem a menor reação partindo rumo ao sul do país. Ali mesmo pressionado por Brizola e outros, recusou-se, novamente, a qualquer iniciativa contra os golpistas. Preferiu a fuga para suas propriedades no Uruguai.” (p. 40)
Para finalizar essa abordagem é representativo questionar se o golpe teria sido realmente inevitável. Há muita especulação nesse sentido, mas se Goulart tivesse resistido militarmente, se tivesse reagido é possível que o resultado tivesse sido diferente. Os próprios conservadores de direita ficaram perplexos com a facilidade que conseguiram chegar ao poder. João Goulart não teve “vontade política de barrar o caminho do golpe”.
“O golpe encontrou as esquerdas fragmentadas em diferentes correntes ideológicas, isoladas das grandes massas populares e sem nenhuma estratégia política para resistir à ação deflagrada (...), as esquerdas mostraram-se inertes e desorientadas frente à ação militar, amargando uma derrota arrasadora e desmoralizante (...).” (p. 42)
Conclui-se, que o golpe de 1964 foi uma tentativa de impedir que a democracia restrita se transformasse em uma democracia ampliada. O trecho seguinte sintetiza os objetivos do regime militar.
“O regime militar instalado promoveria a chamada modernização conservadora, excluindo da cena política e social as classes trabalhadoras e populares, pondo fim a uma experiência de democracia política populista considerada intolerável para as classes dominantes brasileiras. Nada de muito surpreendente na história política de um país cuja burguesia tem revelado pouco emprenho na permanência e ampliação de uma ordem política, democrática que possa favorecer as lutas sociais dos trabalhadores e dos setores populares.” (p.44)



Referências Bibliográficas:

TOLEDO, C N. A democracia populista golpeada. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe: Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

OLIVEIRA, F. de. Dilemas e perspectivas da economia brasileira no pré-64. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.