quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

6. Crise econômica, reestruturação e revoluções / 1973-79

• Crise econômica e Revolução Técnico-Científica:
A economia americana teria sofrido grandes desgastes com as despesas militares:
“Durante os anos 1960, os países europeus ocidentais (...) e o Japão alcançaram e ultrapassaram os Estados Unidos em vários campos da economia, enquanto esse último encontrava crescentes dificuldades para desempenhar o papel de polícia do mundo livre.” (p. 109)
A exigência político-ideológica de garantir emprego e aumento salarial continuamente contrastava com o capitalismo baseado nas indústrias motrizes, de automóveis e bens de consumo duráveis. Isso acabava levando ao declínio da taxa de crescimento e de lucros.
“Para enfrentar esse conjunto de problemas, os Estados Unidos desencadeiam uma contra-ofensiva estratégica – primeiramente no campo político-ideológico, depois no âmbito diplomático-militar e, finalmente, na esfera econômico-financeiro-tecnológica.” (p. 110)
Nixon em 1971 adotou diversas medidas protecionistas para recuperar a economia americana. Os EUA eram grandes produtores de petróleo além de matérias-primas e alimentos. Todos esses produtos sofreram um aumento significativo, impulsionando o processo de reconversão econômica global. Em 1973, o preço do petróleo aumentou em quatro vezes nos países árabes. OS EUA só importavam 10% de petróleo do Oriente, enquanto o Japão e a Europa Ocidental, grandes importadores, foram os mais afetados pela alta do preço do petróleo. O aumento do preço do petróleo, matérias-primas e alimentos afetaram a economia mundial, mas deixaram os EUA em vantagem sobre o Japão e a Europa na corrida da reestruturação da economia. Em relação aos soviéticos é importante dizer:
“Moscou era estimulada a vender, no mercado mundial, petróleo e matérias-primas, sobretudo minerais, e adquirir tecnologia, receber capitais e produtos de consumo.” (p. 112)
Os países capitalistas mais avançados passaram a transferir para a periferia muitas indústrias que utilizavam a mão-de-obra intensiva. Os centros capitalistas começaram a dar impulso à Revolução Científico Tecnológica, que em conjunto com a Nova Divisão Internacional da produção resultaram na Terceira Revolução Industrial e numa globalização produtiva e financeira e esse processo levou à crise recessiva e a crescente concorrência comercial.

• A onda revolucionária dos anos 1970:
“A nova correlação internacional de forças então criada gerou um desequilíbrio estratégico, claramente desfavorável a Moscou.(...)Tentando retomar o status quo ante, Moscou passa a potenciar esses processos de ruptura na periferia terceiro-mundista e estabelecer com os novos regimes uma série de pontos de apoio,às costas de seus adversários norte-americanos e chineses.” (p. 114)
Na década de 70, ocorreram muitas revoluções socialistas e antiimperalistas e a Revolução Indo-Chinesa foi a mais importante:
“A guerra secreta no Laos e a invasão do Camboja, em 1970, (...) dificultaram ainda mais a situação de Washington.” (p.114)
“A Guerra do Vietnã não fora apenas um conflito militar entre exércitos nacionais, mas uma profunda revolução social. (...) A primeira derrota militar americana atingiu em cheio o país, gerando a Síndrome do Vietnã, que o retrai temporariamente nas relações internacionais. (...) Na África Portuguesa, após quinze anos, a luta armada também seria coroada por uma vitória.” (p. 115)
Angola, país africano que dispunha de petróleo, ferro entre outros minerais, e com uma minoria da população branca, também tornou-se independente. Depois de uma série de conflitos, o MPLA governaria sozinho o país, apesar disso, África do Sul manteve a UNITA no sul de Angola, para desestabilizar o governo. A Etiópia conheceu um Golpe Militar em 1974, articulado pela DERG com o apoio popular. A Somália, encorajada pela Arábia Saudita, Egito e EUA atacou a Etiópia, que contou com o auxílio da URSS e de Cuba:
“A guerra do Chifre da África encerrou-se com a vitória da Etiópia, que consolidava seus laços com o campo socialista, enquanto a Somália aliava-se aos EUA. (...) Em fins dos anos 1960, a FLN do Iêmen do Sul (000) tornou seu país a primeira nação árabe-muçulmana a possuir um governo autoproclamado marxista-leninista.” (p. 117)
Na América Central as Oligarquias arcaicas dominavam os povos das repúblicas bananeiras em benefício próprio e dos interesses dos EUA.
“A revolução Iraniana foi aquela que mais afetou a estratégia norte-americana na região do Arco das Crises. (...) fora o resultado da convergência de uma luta política contra os vinte e cinco anos de ditadura do xá, de uma revolta social contra as profundas desigualdades do modelo capitalista adotado e de uma revolta islâmica e nacionalista contra a cultura ocidental (...) e contra a sujeição do país à diplomacia dos EUA.” (p. 122)
“O bode expiatório da grande virada das relações internacionais foi, entretanto, o Afeganistão.” (p. 122)
A Revolução Iraniana necessitava de grande fluxo de armas e dinheiro, vindas dos EUA, China, Paquistão, Egito e Arábia Saudita, para a guerrilha conservadora afegã, e Moscou não poderia recuar no país.

• Segurança Nacional na América Latina:
Na América Latina, ao contrário da África e da Ásia que passavam por processos revolucionários, ocorria uma contratendência devido à reação norte-americana e das burguesias locais.
“A crise econômica agravara-se ainda mais com a radicalização social gerada pelo aumento das demandas populares frente aos regimes populistas, cuja ambigüidade chegava a um impasse.” (p. 125)
No Brasil o regime militar vai desenvolver a economia nacional, e isso causará o endividamento externo. No Peru, a Revolução foi caracterizada pelas políticas reformistas internas, as nacionalizações de alguns ramos da economia e uma postura nacionalista no plano diplomático. No Chile o regime ditatorial foi usado para implementar uma política econômica ultraliberal, que destruiu a industrialização por substituição de importações e pauperizou a maior parte da população. No Cone Sul as torturas, assassinatos e desaparecimentos, acabaram tornando o terrorismo de Estado uma regra política. O Uruguai, a Argentina e o Chile tiveram a industrialização sucateada e retrocederam na economia, importando capital e manufaturas, voltando ao regime de dependência.
“Apenas o México e a Venezuela, bneficiados pelo aumento do preço do petróleo, puderam manter políticas reformistas e uma diplomacia relativamente autônoma, visando a contrabalançar o aumento das relações econômicas com os Estados Unidos (...)” (p. 127)

7. Da nova Guerra Fria à crise do Socialismo / 1979-89

• Nova Guerra Fria: a reação americana:
“Quase uma década de vacilação americana chegava ao fim, encerrando a conjuntura favorável ao triunfo de revoluções no Terceiro Mundo.” (p. 128)
A Nova Guerra Fria consistia na corrida armamentista convencional e estratégica dos norte-americanos, que buscavam a militarização do espaço. Esta estratégia os põe em superioridade em relação aos soviéticos. A URSS vê-se limitada e tende a limitar seu apoio às revoluções do Terceiro Mundo. Os EUA tentariam a abertura dos países socialistas para a penetração da economia ocidental, que aumentaria o controle político no bloco soviético, proporcionando mais alternativas financeiras e comerciais para superar a estagnação do sistema capitalista.

“O século XX representa uma era de transição longa e violenta, marcada pelo conflito de formações sociais e políticas opostas, cujo centro de gravidade é o Terceiro Mundo (...). A Guerra Fria, nesse sentido, não pode ser reduzida à sua aparência de conflito entre EUA e URSS.” (p. 129 – 130)
“(...) a corrida armamentista – nuclear ou não - representa o regulador de um sistema internacional em transição e convulsionado por rupturas revolucionárias, regulador esse imposto pela economia dominante.” (p. 130)
“As novas camadas excedentes, formadas pela dissolução parcial do proletariado, abandonadas pelo Estado e não tendo meios para exprimir-se politicamente, mergulham em uma criminalidade incontrolável.” (p. 131)
“Assim, a democracia adotava um conteúdo empobrecido, conservando e legitimando a desmobilização político-social dos regimes autoritários que estava substituindo. Lutar pela ampliação de direitos significava, doravante, atentar contra a democracia.” (p. 132)

• Conflitos de Baixa Intensidade: a contra-revolução no Terceiro Mundo:
A Nova Guerra Fria levou a uma contra-revolução no Terceiro Mundo:
“Os contras – ex-guardas somozistas, instalados em Honduras – atacam a Nicarágua seguidamente, sem conseguir implantar-se dentro dopais, mas causando sérios danos à economia e aterrorizando a população. Em Moçambique a direitista RENAMO (...) atua em conjunto com comandos sul-africanos (...). Em Angola, o exército da África do Sul mantinha a ocupação do sul do país, apoiava a guerrilha da UNITA e também sabotava a infra-estrutura do país (...).” (p. 133)
No continente Asiático intensificou-se o apoio aos guerrilheiros islâmicos afegãos instalados no Paquistão. Os novos regimes revolucionários estavam vulneráveis à ofensiva dos conservadores, pois ainda não haviam consolidado o poder nos seus territórios.
“Paralelamente, os EUA exerciam pressão e desencadeavam provocações militares contra Granada, Panamá, Cuba e Líbia.” (p. 133)
Filipinas, El Salvador e Guatemala, com regimes conservadores receberam ajuda militar para esmagar as guerrilhas esquerdistas que ameaçavam seus ditadores e interesses norte-americanos. Esses países foram locais de ação dos esquadrões da morte. Na Guerra Iraque-Irã, sucedeu-se uma estagnação estratégica e uma carnificina sem fim:
“A guerra Iraque-Irã constituía um meio para esmagar a revolução antiimperalista iraniana, dividir e enfraquecer o mundo muçulmano (...) e também uma luta pelo petróleo do golfo, num momento em que o mundo vivia o segundo choque petrolífero.” (p. 134)
“O Irã manteve a cooperação econômica com o mundo capitalista (...). A evolução de países como a Síria e o Iraque, aliados da URSS e governados pelo movimento político leigo, esquerdista e pan-árabe Baas, evidenciou o fracasso (...) da via não-capitalista de desenvolvimento.” (p. 135)
“O desgaste militar no Líbano e o descontentamento interno levaram Israel a retirar-se desse país, conservando apenas uma zona-tampão do Sul, em conjunto com uma facção cristã aliada. (...) Em várias regiões do Terceiro Mundo, uma onda democratizante contrastou, nos anos 1980, com o aprofundamento da crise sócio-econômica.” (p. 136)
No final de 1983 eram eleitos os presidentes da Argentina, Raul Afonsín, no Uruguai o presidente Julio Sanguinetti e Tancredo Neves no Brasil. Os EUA haviam apoiado os processos de redemocratização, para legitimar o pagamento da enorme divida externa e contornar possíveis tendências populistas.
“O continente africano, segundo o Banco Mundial, sofreu uma significativa regressão econômica absoluta durante a década de 1980, na esteira da depreciação dos termos de troca internacional e das políticas de ajuste monetarista.” (p. 137 - 138)
No Terceiro Mundo a crise econômica também baixou o padrão de vida das populações e levou a tensões sociais insuportáveis. As drogas ilícitas consumidas pela sociedade capitalista doente sustentam o narcotráfico que se transformou em autentica força acima dos Estados.

• Globalização e Neoliberalismo:
“(...) um dos fatores determinantes da exportação de indústrias para a periferia é o baixo nível salarial pago aos trabalhadores (...). Outro elemento decisivo é que as áreas escolhidas para a instalação das indústrias oferecem facilidades fiscais.” (p. 139)
“O resultado obtido, como forma de enfrentar a crise, é satisfatório, pelo menos a médio prazo. As indústrias instaladas na periferia,voltadas para a exportação ou elaborando apenas parte de uma mercadoria,exigem meios de transporte baratos e eficazes para vencer as enormes distâncias geográficas.(...) No plano das relações econômicas internacionais, as transferências respondem também à competição entre potências capitalistas.” (p. 140)
Existe uma diferença entre os países que se mantiveram como plataformas de exportação e os que adotaram uma estratégia para o desenvolvimento, tornando-se Novos Países Industrializados (NPIs). Os países desenvolvidos tornaram-se sociedades pós-industriais que adotaram uma nova estratégia de desenvolvimento, aplicada em novas tecnologias avançadas, alta lucratividade e centros financeiros. O Movimento Operário, em crise pelo desemprego, é vencido facilmente pelo capital de estrutura transnacional. As idéias neoliberais de economistas começaram a ganhar adeptos nos anos 1970.
“O neoliberalismo inegavelmente atingiu alguns de seus objetivos-meio: os impostos caíram, a inflação foi drasticamente reduzida, as regulamentações financeiras e comerciais também, o sindicalismo sofreu um acentuado retrocesso, o desemprego tornou-se estrutural, grande parte das empresas públicas foi privatizada e os gastos sociais sofreram acentuada redução.” (p. 142)

• Perestroika: a nova détente e a crise do socialismo:
“Em 1985, Mikhail Gorbachov, jovem aliado de Andropov, assume o poder no Kremlin, lançando as políticas reformistas da Glasnost (transparência) e da Perestroika (reestruturação). (...) A diplomacia da Perestroika era uma resposta à ofensiva belicista americana (...).” (p. 144)
“A estratégia da Perestroika teve, entretanto, a lógica de sua eficácia matizada por sérios problemas. Em primeiro lugar, ela continha um grave risco de desestabilização interna para a URSS, para seus aliados do campo socialista e do Terceiro Mundo. Em segundo lugar, os limites das reformas dependeriam da luta política imprevisível dentro do país e da evolução mundial.” (p. 145)
“Os Estados Unidos viram agravar-se, ao longo dos anos 1980, sua situação internacional. Sua tecnologia perdera terreno em muitos setores, a taxa de investimento era inferior à dos demais pólos capitalistas avançados, o comércio continuava deficitário, o orçamento aumentara seu desequilíbrio, a infra-estrutura encontrava-se defasada, depois de quase uma década negligenciada, e as dívidas interna e externa tornaram-se quase impagáveis.” (p. 146)
“O fim da década assistiu também a um importante e complexo fenômeno denominado Crise do Socialismo. A URSS passou a enfrentar internamente os efeitos desestabilizadores da Perestroika. Algumas das medidas adotadas tentavam corrigir desvios do socialismo, enquanto outras orientavam-se rumo ao capitalismo ou simplesmente mergulhavam no caos.” (p. 147)
“Os efeitos internacionais da Perestroika e a facilidade com que a URSS estava sendo integrada ao sistema mundial, em uma posição de subordinação, levaram determinadas forças políticas (dos EUA, de Taiwan e da própria China) a conduzir a RP da China pelo mesmo caminho.” (p. 149)
“No segundo semestre de 1989, os regimes socialistas pró-soviéticos da Europa Oriental foram varridos, praticamente sem resistência interna e externa.” (p. 151)
8. A desintegração da URSS e o fim da guerra fria / 1989 - 91

• O colapso do regime socialista e do Estado soviético:
“Na URSS, a Perestroika de Gorbachov, depois de entregar ao Ocidente quase todo seu patrimônio diplomático e de abrir sua economia, ingressou em uma crise terminal, com o caos social e econômico e os conflitos étnicos e políticos generalizando-se.” (p. 152)
A URSS foi desmembrada e surgiram novos países: Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Moldova, Estônia, Letônia, Lituânia, Armênia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguiztão e Tadjiquistão. O desaparecimento do campo soviético fez restar como países socialistas Cuba Coréia do Norte, Vietnã e China.
“O desaparecimento da União Soviética e a derrocada do regime socialista em seu território ocorreram de forma desconcertante, tomando de surpresa inclusive os serviços de inteligência ocidentais e muitos analistas renomados.” (p. 154)

• O fim da Guerra Fria e o sistema internacional:
“O fim da Guerra Fria marcou o fim de uma época, na medida em que era tanto um conflito como um sistema.” (p. 156)
“A globalização gerou a regionalização, com a formação de blocos políticos-econômicos competidores: a Europa busca autonomia e a China (com a Ásia Oriental) apresenta um avanço notável, enquanto mesmo na periferia surgem (ou ressurgem) pólos de poder como Índia, Brasil e Rússia. A tendência é, portanto, de surgimento de um sistema multipolar.” (p. 156)
“Aos Estados Unidos faltam um rival equivalente e de mesmo peso, o que gera desequilíbrios político-militares, mas também econômicos e societário-culturais.” (p. 157)
“Assim, o fim da Guerra Fria dissolveu os elementos aglutinaores que eram a base da hegemonia americana e dos mecanismos de controle sobre os seus aliados, que hoje buscam seus próprios caminhos, no quadro de uma competição renovada e de ação de tendências centrífugas.” (p. 157)


VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. (Capítulo III – p. 109 – 157)

Nenhum comentário:

Postar um comentário