quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Análise do Golpe de 1964: Visão Política, Econômica e Social, Segundo Francisco de Oliveira e Caio Navarro de Toledo

Análise do Golpe de 1964 segundo Francisco de Oliveira:
Em seu texto “Dilemas e Perspectivas da Economia Brasileira no Pré-64”, Francisco de Oliveira faz uma crítica à visão existente no Brasil, de que o Golpe de 64 seria irremediável e que não havia alternativas. Segundo ele, todas as discussões e interpretações se encaminhariam para o “apocalipse inevitável”, aonde a “economia vai como boi vai para o matadouro”. Aquilo que seria determinado pela história, ele acredita ser na verdade uma alternativa, uma opção política.
Francisco de Oliveira mostra-se a favor do Golpe como opção que foi tomada, ainda que não houvesse um leque de opções: “Portanto, não se trata nem dessa história de que só havia aquele caminho, nem da história, mais fácil inclusive para os críticos, de que qualquer alternativa estava à disposição.” (p. 24) As alternativas estariam à disposição dos sujeitos e atores sociais que proviam de recursos políticos, econômicos e sociais para implementá-las. Ainda segundo Francisco, é necessário estudar o Golpe no contexto da estrutura das relações vigentes na economia brasileira. Visto isso, podemos analisar a visão econômica, política e social de Francisco de Oliveira sobre o Golpe.
Em relação questão econômica, Francisco faz uma breve comparação entre a economia atual e a economia nas vésperas do Golpe de 1964. Na verdade, ele constrói o seu texto basicamente tratando sobre o contexto econômico. A inflação seria de 80% ao ano, chegando a 80% de inflação ao mês. A dívida externa seria de 3,5 a 4 bilhões de dólares, sendo contraída através de empréstimos de entidades internacionais e dívidas com fornecedores, porém de fácil manejo. No que diz respeito ao coeficiente de investimento, este ficava em torno de 17 a 18%, índice bem elevado. Outra questão importante é a inexistência de dívida interna. Todos esses fatores representavam uma economia em ótimo desempenho, com uma taxa média de crescimento de 8% ao ano. Isso foi possível, segundo o autor, devido aos grandes ramos e setores da economia já estarem fundamentalmente implantados.
Havia, porém, atraso no setor agrícola na conjuntura do golpe, cuja parte da produção era destinada à exportação e outra parte ao mercado interno. Os Estados de São Paulo e do Paraná, por exemplo, possuíam agriculturas capitalistas, mas isso não acontecia no restante do país, surgindo daí, a importância da questão da Reforma Agrária.
Junto com a questão da Reforma Agrária havia duas outras questões importantes para a expansão capitalista: “(...) de um lado, uma redução do custo de reprodução da força de trabalho urbano-industrial (...). De outro, evidentemente – o que é a outra face da mesma moeda – a agricultura podia se constituir num dos grandes pólos de criação de um mercado interno que a indústria já criava aceleradamente, mas que não encontrava contrapartida no mundo agrário.” (p. 25-26) Esta questão poderia ser um impasse econômico, aliado à economia que crescia e ao mesmo tempo criava um problema financeiro. O Estado tinha um papel central na economia uma vez que é responsável pela emissão monetária. O grande impasse econômico seria a estreiteza da base fiscal do Estado. O impasse político seria a dificuldade de o Estado romper com a relação de forças onde se assentavam o PSD e o PTB.
Resolvidos esses impasses que de nenhuma forma desabonavam a economia, até porque esta já se mostrava com forte capacidade de crescimento, cria-se a grande questão sobre por que se dão Golpe. Segundo o autor, a resposta a essa pergunta poderia vir de um conjunto de fatores proeminentes da expansão capitalista, que atingiriam, por exemplo, a sociedade.
Na questão social, a burguesia teria sido deslocada de seu papel principal com o processo de expansão capitalista. Esta não ocupava mais o lugar central e não detinha mais o poder de classe dominante. Este lugar estaria sendo ocupado pela “união de classes”. O Sistema populista foi o grande responsável por promover a estruturação de classes, porém, com a expansão do capitalismo há o deslocamento das classes. Durante o regime populista, o proletariado e os assalariados urbanos ficaram de fora do tripé de poder (constituído por burguesia + proprietários rurais + classe trabalhadora emergente). Mesmo assim há um crescimento do proletariado, que deixa de ser subalterno e ameaça romper o controle das classes dominantes sobre o processo de desenvolvimento, pois o movimento Agrário e os Sindicatos Rurais ativos possuem enorme capacidade de mobilização.
Segundo Francisco de Oliveira, o Golpe de 64 não fez ameaça à propriedade, mas colocava em xeque toda propriedade inativa. O que importava era o uso capitalista da terra.
Sobre a questão de ordem política, o autor diz que o Golpe de 64 trata-se de “(...) uma opção de forças políticas que, quebrando alianças de classes, traduzem numa nova aliança política a relação de classes que se estabelece com o golpe de Estado. Donde nem o determinismo, nem a falta de caminhos e nem a cesta repleta de alternativas.” (p. 27)
Para concluir, é importante dizer que o autor considera que a economia possui certo grau de determinação, mas que não é imune à vontade e capacidade humana. E que após 64 todos fizeram opções: atores, classes sociais, representações e organizações políticas. O Golpe teria deixado como herança o congelamento por 20 anos de uma minoridade política que foi responsável pela exclusão de classes sociais, repressão ao movimento camponês, operariado, sindicatos de trabalhadores e intelectuais. A classe média, por sua vez, apesar de inicialmente ter apoiado a ditadura, depois colocou-se contra, pois também era incapaz de ter voz e voto nas decisões econômicas.

Análise do Golpe de 1964 segundo Caio Navarro de Toledo:
De acordo com Caio Navarro de Toledo, o período pré-64 foi um período bastante conturbado. Durante todo o governo Goulart se conviveu com a possibilidade de um golpe de Estado.
É válido lembrar que nesse momento surgiu um novo contexto político-social no país. “(...) Suas características básicas foram: uma intensa e prolongada crise econômico-financeira (recessão e uma inflação com taxas jamais conhecidas): constantes crises político-institucionais: ampla mobilização política das classes populares( as classes médias a partir de meados de 1963, também entraram em cena): fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo: crise do sistema partidário e um inédito acirramento da luta ideológica de classes.” (p. 31-32).
Um fato polêmico que merece ser destacado é o parlamentarismo. Jango inicia seu governo no parlamentarismo, onde assume apenas uma função simbólica de chefe de Estado. Contudo, sabe-se que o regime parlamentarista não deu certo, porque não teve eficiência administrativa e não conseguiu solucionar o problema das crises. Além disso, havia uma disputa entre Presidente e Conselho pelo controle do executivo e pelos programas que o governo deveria estabelecer. No Congresso, a maioria fazia parte da aliança conservadora (PDS/UDN). Diante dessa situação João Goulart resolveu travar uma batalha contra o Parlamentarismo e obteve o apoio de vários setores políticos (exceto da UDN). Os trabalhadores também lutaram pela retomada do Presidencialismo. “(...) Em janeiro de 1963, após uma derrota fragorosa nas urnas, o parlamentarismo era revogado. João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta de 1946 conferia ao chefe do Executivo.” (p. 33).
Não se pode deixar de falar que se o Parlamentarismo não foi capaz de acabar com as crises, o Presidencialismo precisava resolver essa questão, mas será que isso foi possível? Os mais diversos setores elaboraram propostas divergentes para resolver problemáticas, como: endividamento externo, do déficit de pagamentos e recessão econômica.
“Como era previsível, o Executivo anunciava que seu plano de governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentadas pelo conjunto da sociedade brasileira. Esta ambiciosa proposta foi denominada de Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 1963-65 (...)” (p. 34)
“O Plano Trienal procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento do final dos anos 50. Como reconheciam alguns setores de esquerda, o plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática o plano pedia- como fazem todos os planos de salvação nacional- que os trabalhadores (novamente) apertassem os cintos, em nome de benefícios que viriam a obter a médio prazo (...) As críticas aprofundaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os aviltados orçamentos das classes populares, CGT, PUA, FPN, UNE, grupo compacto do PTB se unem na condenação do plano (...)” (p. 34-35).
É importante colocar que o governo apresentou uma política antinacionalista que ficou nítida nas negociações feitas entre Brasil e EUA. “(...) O Plano Trienal- segundo as autoridades brasileiras- era a prova concreta que o governo oferecia para demonstrar nosso enquadramento na ortodoxia propugnada pelos EUA e pelo FMI.” (p. 35)
Os setores nacionalistas fizeram críticas intensas ao governo, pois ele retirou os subsídios para o trigo e o petróleo, mas, no entanto, comunicou que em breve iria adquirir por 188 milhões de dólares, doze usinas norte-americanas.
“Ao finalizar o ano de 1963, o malogro do Plano Trienal era reconhecido por todos: nem desaceleração da inflação, nem aceleração do crescimento tinham ocorrido. Houve, sim, inflação sem crescimento.” (p.35)
Já que o Plano Trienal foi um fracasso, Jango decidiu apostar nas Reformas de Base a fim de elevar o capitalismo industrial brasileiro a um novo patamar de desenvolvimento. No entanto, o Congresso era contrário à reforma agrária, mesmo sabendo que ela não teria fundo revolucionário e apenas consolidaria o capitalismo industrial. Por outro lado, os setores nacionalistas fizeram forte pressão sobre o Parlamento através de comícios, passeatas, manifestações por meio da CGT, FPN, etc.
Os setores de direita (IPES/IBAD, ADP, Associações femininas, Igreja, etc.) financiados pela embaixada norte-americana tachavam o governo Goulart de subversivo e diziam que era necessário acabar com a agitação social.
“Sem base de sustentação no Congresso, o governo Goulart se enfraquecia, pois dele se afastavam seus tradicionais aliados (...). Além disso, o governo entrava em choque com os setores da esquerda nacionalista, pois afastava colaboradores ideologicamente progressistas, combatia os setores não-pelegos do movimento sindical e condenava iniciativas políticas de esquerda( uma delas foi a proibição de um Congresso em defesa da revolução cubana).” (p. 36-37).
Agora a pergunta que fica é quem daria o golpe? Tanto direita como esquerda possuíam desconfianças em relação aos propósitos de Goulart.
“Convencido de que a direita golpista fechava o cerco, Jango começou a se voltar para a esquerda (...).” (p.38).
É significativo comentar que o comício de 13 de março de 1964, o qual reuniu mais de 200 mil pessoas em praça pública pelas reformas de base, medidas nacionalistas e ampliação das liberdades democráticas foi um ato de grande representatividade.
Desde os primeiros meses de março burguesia e classes médias pretendiam pôr fim ao governo Goulart e levantando a bandeira do anticomunismo movimentos femininos e outros ligados à igreja saíram às ruas para pedir o impeachment de Jango.
“Na madrugada de 31 de março, algumas horas antes da data marcada pela alta oficialidade para o desencadeamento do golpe, o general Mourão Filho (4º Região Militar)- para a surpresa e desagrado dessa mesma oficialidade- ordenou a suas tropas que se movimentassem em direção ao Rio de Janeiro (...). O chamado dispositivo militar do governo jamais seria acionado e Jango abriria mão do poder sem a menor reação partindo rumo ao sul do país. Ali mesmo pressionado por Brizola e outros, recusou-se, novamente, a qualquer iniciativa contra os golpistas. Preferiu a fuga para suas propriedades no Uruguai.” (p. 40)
Para finalizar essa abordagem é representativo questionar se o golpe teria sido realmente inevitável. Há muita especulação nesse sentido, mas se Goulart tivesse resistido militarmente, se tivesse reagido é possível que o resultado tivesse sido diferente. Os próprios conservadores de direita ficaram perplexos com a facilidade que conseguiram chegar ao poder. João Goulart não teve “vontade política de barrar o caminho do golpe”.
“O golpe encontrou as esquerdas fragmentadas em diferentes correntes ideológicas, isoladas das grandes massas populares e sem nenhuma estratégia política para resistir à ação deflagrada (...), as esquerdas mostraram-se inertes e desorientadas frente à ação militar, amargando uma derrota arrasadora e desmoralizante (...).” (p. 42)
Conclui-se, que o golpe de 1964 foi uma tentativa de impedir que a democracia restrita se transformasse em uma democracia ampliada. O trecho seguinte sintetiza os objetivos do regime militar.
“O regime militar instalado promoveria a chamada modernização conservadora, excluindo da cena política e social as classes trabalhadoras e populares, pondo fim a uma experiência de democracia política populista considerada intolerável para as classes dominantes brasileiras. Nada de muito surpreendente na história política de um país cuja burguesia tem revelado pouco emprenho na permanência e ampliação de uma ordem política, democrática que possa favorecer as lutas sociais dos trabalhadores e dos setores populares.” (p.44)



Referências Bibliográficas:

TOLEDO, C N. A democracia populista golpeada. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe: Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

OLIVEIRA, F. de. Dilemas e perspectivas da economia brasileira no pré-64. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

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