quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

“Aquelas Mulheres de Minas” – Questões Sobre o Texto

1. O que era a LIMDE?
Para definir o que era a LIMDE, torna-se necessário resgatar a sua trajetória surgida enquanto grupo de mulheres sem consciência organizacional e mais tarde, como uma organização feminina forte, com uma estrutura formal e com bases teórico-políticas legítimas, como veremos a seguir.
A LIMDE - Liga da Mulher Democrata - foi fundada em Belo Horizonte no final de Janeiro de 1964. Segundo o texto “Aquelas Mulheres de Minas” de Heloísa Starline, um grupo feminino mineiro, inspirado na CAMDE-RJ (Campanha da Mulher pela Democracia – que surgiu no Rio de Janeiro como conseqüência da ação do IPES-RJ), fundou a LIMDE. A LIMDE surgiu em Minas Gerais um ano depois do IPES-MG começar a perceber a necessidade de criar um organismo feminino nos moldes da CAMDE e da UCF. Porém, para o IPES-MG, seria importante que antes fossem criados mecanismos capazes de fazer parecer que essas ações políticas femininas fosse espontâneas, fruto da iniciativa propriamente feminina.
Em 1963, um ano antes da fundação oficial da LIMDE, um grupo reduzido de senhoras que ainda não se identificavam como grupo organizado ensaiou um protesto contra a visita do presidente da Iugoslávia ao Brasil. O protesto, que não teve maior impacto, tinha à sua frente a mãe do general José Lopes Bragança, um dos líderes dos “Novos Inconfidentes”. A partir desse fato a direção do IPES-MG começou a estimular a criação de um grupo feminino para atacar João Goulart. Ana Maria Lopes Bragança (cunhada do supracitado José Lopes Bragança e esposa de Elcino Lopes Bragança, membros da direção do IPES-MG) e Lydia Magon Villar, foram acionadas pela alta liderança do IPES para criar um organismo feminino semelhante ao CAMDE e a UCF.
Em Janeiro do ano de 1964, um “balão de ensaio” foi criado por um outro grupo de mulheres, que tomaram a iniciativa em um movimento de protesto contra a realização do Congresso da CUTAL em Belo Horizonte. O movimento feminino chamado “Cadeia da Família Cívica contra o Marxismo”, tinha como principal adversário o Comunismo, e estavam convencidas que o Congresso da CUTAL era uma reunião de comunistas. Este grupo promoveu um abaixo-assinado que foi levado ao governador do Estado e ao presidente, protestando contra a realização do Congresso. É importante salientar que este acontecimento, por ser de caráter inédito, recebeu grande cobertura da imprensa, o que fez com que houvesse impulso para o crescimento do movimento.
A partir desse fato, o IPES-, que via a necessidade da criação de um grupo feminino de pressão surgir com aparência espontânea, tinha o impulso inicial dado pela “Cadeia da Família Cívica contra o Marxismo”, e fruto da vontade popular. Coube então à liderança do IPES- enviar suas representantes femininas Ana Maria Bragança e Lydia Magon, para reforçarem o movimento e, principalmente, para inseri-lo estrategicamente no quadro definido pelo IPES-MG. A partir desse instante, o grupo que havia surgido de forma espontânea para impedir o Congresso da CUTAL, passou a atuar e receber orientação do IPES-, embora muitas mulheres que participavam não tinham conhecimento desse fato.
Após a vitória alcançada sobre a CUTAL, foi fundada oficialmente a LIMDE, que controlada em parte pelos interesses do IPES-, funcionava como uma espécie de “cortina de fumaça” eficaz, ocultando sua presença - do IPES- - e diluindo num conjunto maior de mulheres a participação política das esposas dos principais líderes conservadores do estado.
Sobre sua prática política, a autora do texto mostra que a LIMDE organizou seu discurso no sentido do combate ao comunismo, o qual viam como ameaçador dos três pilares da sociedade livre. Conceitos que seriam essenciais e se tornariam seu slogan: “Deus, Pátria e Família”. A autora deixa claro acreditar que as formas ideológicas utilizadas pela LIMDE eram eficazes em relação à mobilização da classe média, pois o comunismo destruiria o princípio do mito da ascensão, aspirado por essa camada da população. Na verdade, a LIMDE era presidida por senhoras da classe alta, esposas de líderes políticos, que direcionavam suas políticas de mobilização à classe média, pois necessitavam dessa “massa” para apoiar e legitimar suas ações.
Ao falar da LIMDE, outra questão que é importante salientar, é o fato do forte apelo emocional que de certa forma esse grupo feminino repassava ao povo: como mães, esposas, donas de casa, mulheres que lutam pela defesa de sua família, que “(...) falam publicamente de medo, de violência, de morte, de destruição, e que apelavam à coragem dos homens e a sua própria.” (p. 174). A imagem dessas mulheres frágeis, ainda ligadas ao modelo ideal de “mineiridade” e ao mesmo tempo ativas politicamente, lutando por ideais que antes eram tipicamente de cunho “masculino”, acaba por ser incômoda e ferir o orgulho masculino, incitando os homens à ação em nome de suas lutas. Da mesma forma, o caráter feminino em ações políticas acabou por ter grande desfecho na imprensa e atrair todos os meios de comunicação, despertados de curiosidade por suas práticas.

2. Sobre seu grau de autonomia:
O grau de autonomia da LIMDE é uma questão que merece ser discutida. Segundo Heloísa Starline, as líderes da Liga da Mulher Democrata estavam dentro da concepção de “mineiridade”, que sendo mães e donas-de-casa contribuíam com seus valores tradicionais de família, moral e religião. Elas tinham o peso ideológico e simbólico que o IPES precisava para realizar suas metas.
O IPES inicialmente encontrou dificuldades para se articular com a LIMDE, principalmente com o grupo liderado por Maria Victor Bolivar Moreira, que se considerava autônomo e lutava pela direção do movimento que pensava ter fundado. “Sobretudo era necessário que esse grupo seguisse acreditando em sua autonomia, dado que era daí que o movimento feminino obtinha seu caráter espontâneo, necessário para sua legitimação frente aos olhos da opinião pública (...)” (p.161).
Sabe-se que a LIMDE no intuito de promover suas campanhas ideológicas de conscientização precisava de uma estrutura financeira adequada para atingir seus objetivos. As contribuições eram feitas pelas sócias da entidade, porém essas mulheres que eram mães e esposas não podiam oferecer mais que 100 mil réis mensais. O estatuto da liga permitia outras formas de contribuição, como: donativos diversos e “outras fontes eventuais”. “Não restam dúvidas de que as outras fontes de recursos da LIMDE não eram tão eventuais como previam seus estatutos. O IPES- não só orientou e organizou politicamente a LIMDE, como também assistiu financeiramente a entidade, viabilizando toda a infra-estrutura necessária à mobilização das mulheres mineiras (...)” (p.166).
Um aspecto que leva à reflexão acerca da autonomia da LIMDE é que se o IPES supria a Liga da Mulher Democrata financeiramente, porque não optava por lhes entregar valores em dinheiro para que elas fizessem as aplicações onde considerassem necessário? A resposta é bem simples. Eles queriam que o mesmo que ocorria no lar ocorresse também no âmbito político, que as mulheres precisassem do aval masculino para a tomada das grandes decisões, já que quem deveria se preocupar com o destino dos recursos eram os homens, pois de acordo com suas próprias mulheres possuíam mais experiência em termos políticos. “Em outras palavras, as mulheres mineiras, na LIMDE, dependiam do IPES- para assegurarem sua própria sobrevivência política, na mesma medida em que, no espaço privado, dependiam de seus maridos para assegurarem sua sobrevivência física. Da mesma forma que à época eram consideradas, juridicamente, incapazes de compartilhar com o homem a chefia da família e eram, em função disso, assistidas e autorizadas por seus maridos, na LIMDE as mulheres dependiam da orientação, da organização e, sobretudo, da assistência financeira proveniente do elemento masculino.” (p. 167).
Pode-se concluir que o verdadeiro papel das mulheres nesse processo foi servir como base de legitimação para a atuação do IPES e como elemento essencial na desestabilização do governo Goulart e na luta contra o fantasma do Comunismo.

3. Estrutura organizativa:
Heloísa Starline apresenta em seu texto a estrutura organizativa da Liga da Mulher Democrata.
A administração da LIMDE era composta por uma diretoria de seis membros com mandatos de dois anos, tendo como presidente a famosa Maria Victor Bolivar Moreira. Ela obteve destaque e representação diante dos meios de comunicação das massas e da opinião pública. Todavia, o cargo de primeira Vice- Presidente ocupado por Ana Maria Bragança era o que tinha importância fundamental dentro da Liga, porque a estrutura interna e as finanças eram de responsabilidade da 1º Vice- Presidente. A Secretaria, a Tesouraria e a Comissão de Informações ficavam sob o comando da 1º vice, ou seja, o controle efetivo não era exercido pela presidente, a qual tinha um poder que se pode definir mais como decorativo que real.
Já a 2º Vice- Presidência, comandada por Diumira Silva Araújo controlava as comissões de menor expressão, como Alfabetização, Enfermagem e Catequese. “(...) Na prática, funcionavam apenas como uma das formas utilizadas pela LIMDE para aproximar-se de organizações beneficentes, ligadas, em especial, à Igreja Católica, e ali desenvolveram seu trabalho de arregimentação política e de disseminação ideológica, obtendo dessa forma legitimação cívico- filantrópica(...) Fundamental, no período, era a Comissão de Propaganda e Relações Públicas, encarregada da realização da parcela de responsabilidade que cabia à LIMDE no âmbito da “ caixa de ressonância” idealizada por Glycon de Paiva, Golbery de Couto e Silva e outros a nível nacional, e que, exatamente por isso, era dirigida por ninguém menos que a própria Lydia Magon.” ( p. 162- 163).
O trecho subseqüente demonstra claramente como acontecia a administração da LIMDE. “(...) Na verdade, duas questões devem ser aqui observadas para a compreensão desse problema: em primeiro lugar, o fato de que, na prática, as diretorias dos organismos femininos compunham-se de um pequeno grupo de mulheres que concentrava os poderes de planejamento e decisão em uma estrutura verticalizada, transformando a grande massa de sócias em meras executoras de tarefas, convocadas apenas nos momentos de mobilização para as ações públicas de grande porte. Em segundo lugar --- e é aqui que o problema se esclarece --- em torno desse reduzido grupo de mulheres, organizava-se um corpo de assessores masculinos, em geral composto por empresários e militantes ligados ao complexo IPES-IBAD que, dessa forma, orientava politicamente as atividades desenvolvidas pelos grupos femininos de pressão” (p. 164).
Sabe-se que os assessores masculinos eram freqüentes na LIMDE para orientar as mulheres, entretanto foi em Minas Gerais que uma mulher conseguiu tornar-se assessora de um grupo feminino e quem obteve o cargo foi ninguém menos que Lydia Magon que foi uma significativa interlocutora política, a qual acabou por representar o elo entre o IPES e a Liga da Mulher Democrata. “(...) Assim, Lydia Magon era, no interior da LIMDE, a principal responsável pela preparação ideológica e estratégica das mulheres mineiras no processo de desestabilização do governo Goulart”. ( p. 165).
É possível concluir pela leitura da obra de Heloísa que a orientação da política e da organização da LIMDE foi feita de maneira eficiente pelo IPES- e que eles não encontraram muitos obstáculos para garantir esse controle. “(...) Com efeito, esta orientação política era tanto mais intensa, se considerarmos que partia das próprias esposas dos líderes conservadores mineiros, que eram, por assim dizer, trabalhadas ideologicamente no espaço íntimo da vida doméstica diária (...)”. (p. 165).

4. Relação com o IPES Mineiro:
Como já foi discutido, ao longo deste trabalho, a LIMDE possuía ainda que de forma “mascarada”, uma grande ligação com o IPES-MG. Era pelo IPES-MG que passava em última instância a definição final das ações que deveriam ser desenvolvidas pela LIMDE. O texto ressalta que em MG a Liga da Mulher Democrata possuía oficialmente dois orientadores masculinos, que eram ligados ao IPES-“Novos Inconfidentes”. A responsável feminina pela articulação da ligação entre o IPES e a LIMDE era Lydia Magon, ocupando a Assessoria Geral da LIMDE. Na página 165 a autora confirma a ligação LIMDE-IPES: “(...) não havia maiores dificuldades para que o IPES- garantisse, de forma eficaz, a orientação política e organizacional da LIMDE, utilizando para tanto, outros instrumentos além do corpo de assessores.”
Além disso, havia a questão financeira, como já foi supracitado, o IPES- apoiava financeiramente a LIMDE, fazendo chegar à entidade tudo o que fosse necessário: “(...) Passagens aéreas, panfletos impressos, carros com alto-falantes, salas para reuniões etc.” (p. 166). Sobre a questão financeira a autora ainda conclui: “(...) os dirigentes do IPES- terminavam por reproduzir, mesmo na esfera do político, seu papel de maridos, de chefes de família, encarregados de suprir as necessidades da mulher que, eterna dependente do homem no espaço doméstico,persistia como tal na esfera do político.” (p. 167).
Vale ressaltar ainda, que para o IPES- a LIMDE representava um dos instrumentos decisivos para movimentar a massa “pequeno-burguesa”. Para concluir, o trecho seguinte mostra a relação da LIMDE com o IPES mineiro era vista pela autora: “Por conseguinte, a mobilização feminina era, na verdade, uma máquina poderosa e de longo alcance a ser utilizada pelo IPES frente a diferentes alvos, não estando limitada ao espaço de atuação político-ideológica representada pelas classes médias.” (p. 170)
Essa certa “dependência” em relação ao IPES-MG para dar sustentabilidade às ações e à própria organização da LIMDE pode ser, de certa forma confirmada, quando a autora trata do fim das atividades do grupo feminino. Segundo Heloísa, o grupo autônomo da LIMDE, dirigido por Maria Victor Bolivar Moreira, garantiu a independência da organização frente aos demais grupos femininos de pressão, bem como o fato nunca ter sido totalmente absorvido pelo projeto do IPES, e isto o manteve autônomo durante todo o período que antecedeu o Golpe de 1964, tendo como conseqüência a dissolução da LIMDE. Em certo instante, ocorreu o racha entre esse grupo autônomo e o restante da LIMDE, levando a organização à crise, onde a disputa era o controle de identidade do grupo, onde o grupo autônomo acabou por vitorioso. Depois da LIMDE entrar em recesso, buscando a recomposição de forças, as mulheres do grupo se retiraram uma a uma, até a entidade desaparecer. O IPES-MG certamente poderia ter mantido a entidade viva por mais tempo, porém também passava por dificuldades e não pode mais manter-se como base de sustentação para a LIMDE. Conclui-se essa discussão com o próprio raciocínio da autora: “(...) desfeito o lar político com o abandono do parceiro masculino, naquele momento incapaz de continuar garantindo sua manutenção, as mulheres da LIMDE regressam ao seu lar primitivo, à segurança doméstica oferecida pelos maridos, retornando melancolicamente a sua herança de silêncio.” (p. 192)


Referências Bibliográficas:
STARLINE, Heloísa. Os senhores das Gerais. Petrópolis: Vozes, 1986. (p. 151-192)

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