quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁSIA

Na conjuntura da chamada Guerra Fria ocorreu uma espécie de neocolonialismo que promoveu a partilha de dois continentes (África e Ásia) entre as potências européias e as duas mais novas superpotências mundiais, EUA e URSS.
“(...) Para os europeus, que haviam dado o exemplo da revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, que com seus” burgueses conquistadores” comandaram a ciência, a técnica e os povos do mundo(...) Pela primeira vez na história, seus destinos serão marcados pelas decisões dos dois novos pólos de poder: as duas grandes potências, uma a leste, a outra a oeste (...) o capitalismo, como sinônimo de democracia e liberdade, e o socialismo como sinônimo de instrumento de luta pela libertação dos povos e das classes historicamente oprimidas”. (p.13).
A Grã-Bretanha teve um papel muito importante nesse processo. Em 1950, a Inglaterra conseguiu se recuperar e pôde deixar de lado os recursos do Plano Marshall.
É possível mencionar que os trabalhistas ingleses foram os primeiros a aceitar a descolonização, dando sinal de partida no ano de 1947, com a independência da Índia.
“(...) Foi ainda a Grã-Bretanha a primeira potência capitalista a reconhecer o governo comunista de Mao-tsé-tung na China (...)”. (p.27).
Vale dizer que a luta pela descolonização representava, de certa forma, uma luta contra o capitalismo e, ao mesmo tempo, no aspecto político uma luta contra as metrópoles.
Neocolonialismo
Por volta do século XIX, havia poucos vestígios dos antigos impérios mercantilistas. Apenas a Grã-Bretanha permanecia como a principal potência marítima e “imperial”, mesmo tendo evitado até 1874 novas anexações, exceto as escalas da Índia (no Mediterrâneo oriental e na rota da Índia pelo Cabo). Ela também anexou a Birmânia e a Malásia.
Já a França, tornou-se uma potência mundial com o auxílio das importações e exportações coloniais. Dentre seus mais representativos pontos de dominação estavam territórios asiáticos, como a Indochina Francesa (Amom, Laos, Camboja, Cochinchina e Tonquim) e Oriente Próximo, com os mandatos da Síria e do Líbano.
É de grande valia mencionar que a colonização podia acontecer de forma direta e indireta.
De acordo com Paul Leroy-Beaulieu existia três tipos de colônias: as de comércio ou entrepostos como Hong-Kong e Singapura; as de plantagem ou de exploração que tinham a finalidade de exportar produtos exóticos e matérias-primas(Índia e Java), as de povoamento em climas temperados e com imigração “branca”. Também existiam as colônias de penetração financeira (China, Turquia).
É significativo apresentar algumas características do continente asiático.
“A Ásia, que tinha sido berço das grandes civilizações, a cujo gênio e humanidade deve seus primeiros progressos fundamentais, como a domesticação dos animais, a agricultura, a criação, a cerâmica, a metalurgia, o papel, a pólvora, etc.(...) Seus povos altamente civilizados tinham padrões éticos bem diversos dos valores que atribuíam preeminência à técnica e aos bens materiais. O sistema social da Índia, da China e das regiões que receberam sua influência, fundamentava-se num conjunto de valores que “ dava o primeiro lugar ao sábio, àquele que sabe no domínio literário, poético, metafísico e espiritual (...) A perda de suas identidades culturais seguiu-se à perda de suas riquezas, de sua autonomia, à tentativa de lhe arrancar o passado pelas raízes”. (p.53).
É necessário colocar que houve uma série de movimentos de resistência à conquista colonial que se estenderam até o início do século XX. Entre esses movimentos, salientam-se os de renovação religiosa; o Islã, na Indonésia, inspirando organizações políticas nacionalistas; na Birmânia e no Camboja o que prevalecia eram as associações e manifestações budistas, que refletiam a repulsa do povo ao regime colonial; na Índia, a revolta dos Cipaios no ano de 1857 mesmo sendo heterogênea, possuía marcas de hinduísmo tradicional. Além deles, existiram os movimentos “modernistas” ou “ocidentalistas” que eram patrocinados pelas novas camadas sociais que surgiram com o colonialismo.
Na Ásia, os exemplos eram: Sun-Yat-sen (Kuomintang) e do Japão, serviram de inspiração; na Indonésia holandesa, entre 1920 e 1930, teve início o partido nacionalista de Sukarno; em Saigon, em 1925, um partido nacionalista de direita e na Birmânia quem detinha o controle eram os grupos conservadores.
“Acrescentaremos à tipologia acima os movimentos nacionais que levaram, após a Segunda Guerra Mundial, à descolonização (...). Nutridos pela ideologia do Ocidente, em cujos manuais assimilaram o ideário de seus colonizadores (liberdade, igualdade, fraternidade, parlamentarismo, soberania popular, livre empresa), apresentavam-se como elementos da classe dominante local e como tais se distanciam das camadas populares urbanas e rurais”. (p.56-57).
A pergunta que precisa ser respondida é: De que maneira as metrópoles reagiram ao fermento nacionalista?
“Na Índia, a Grã-Bretanha introduziu, em 1919, reformas que deram uma pequena margem de autonomia administrativa às províncias. Nesse momento, surgia no cenário político indiano a figura de Mahatma Gandhi, inimigo da ação violenta e o mais eficaz dos adversários da Inglaterra (...) adere aos programas de não- cooperação e define-se pela autonomia. Pelo Estatuto de 1935(British Índia Act), a Índia deveria vir a ser um Estado Federal, o que não atendia às reivindicações nacionalistas”. (p.57-58).

As Independências
A Índia é o grande exemplo da descolonização pacífica. Entretanto, o domínio inglês na Índia se caracterizou pela violência e pela continuada resistência das populações locais.
“(...) Em plena guerra, em 1942, a Índia reagiu violentamente, atacando e destruindo transportes militares, instalações ferroviárias, correios, postos de polícia(...) Paralelamente, um amplo movimento de não cooperação não violenta provocou a repressão inglesa com a subseqüente prisão de Ghandi e Nehru e o bombardeio de aldeias(...)”. (p.72).
Quando a guerra terminou, dois partidos passaram a se defrontar: o Partido do Congresso, liderado por Mahatma e Nehru, e a Liga Muçulmana de Jinnah Mohamed Ali. As divergências entre hindus e muçulmanos se acentuaram ainda mais.
“Jinnah Mohamed Ali nascera em Karadi (1876), estudou direito em Londres e cedo aderiu ao Partido do Congresso, pertencendo a um grupo de nacionalistas moderados (...) Por não concordar com Ghandi, rompeu com o Congresso e se filiou à idéia de uma solução federalista para a Índia, em defesa dos muçulmanos( um quarto da população). O nacionalismo indiano reforçara-se ao remontar às suas fontes hindus( sobrevivência do sistema de castas). (...) Para Jinnah e sua liga, a verdadeira luta se deveria travar, não contra os britânicos, mas contra o hinduísmo e o Partido do Congresso. Rompia-se, dessa forma, a solidariedade nacionalista”. (p.72-74).
Em fevereiro de 1947, o governo trabalhista de Attlee teve a iniciativa de declarar ao Parlamento britânico que promoveria a Independência da Índia até junho de 1948.
No dia 15 de julho, a lei de Independência foi vetada e em 15 de agosto formaram-se os governos interinos: um para a Índia e o outro para o Paquistão.
“(...) A execução da partilha se fez na mais completa desordem, marcada por atos de violência entre hindus e muçulmanos, sob o olhar aparentemente indiferente do exército britânico”. (p.74-75).
Independência da Birmânia, Ceilão e Malásia
“Na Birmânia, a Liga Antifascista pela Independência do Povo saíra da guerra fortalecida pelo papel que desempenhara na luta contra o invasor japonês. As tentativas por parte de Attlee de negociar uma forma de autonomia para a Birmânia foram infrutíferas. Os birmaneses se recusam a integrar a Comunidade Britânica e sob a liderança de UNU obtêm, em 4 de janeiro de 1948, o reconhecimento do Estado soberano e independente, a República da União Birmanesa”. (p.75).
No caso do Ceilão, houve um período de reformas constitucionais a partir de 1931. O governo inglês com o objetivo de evitar transtornos concedeu no dia 19 de dezembro de 1947, ao parlamento e ao governo da ilha o self govermment completo no âmbito da Comunidade Britânica.
Já na Malásia, a solução mostrou-se mais complicada devido à multiplicidade dos grupos raciais que a compunham (chineses, malaios e indianos). Além disso, as riquezas da Malásia eram essenciais para a economia inglesa (estanho e borracha) e Cingapura era um ponto estratégico localizado entre o Índico e o Pacífico.
“(...) Por momentos, julgou a Grã-Bretanha ser possível desvencilhar-se da autoridade arcaica dos sultões locais e fazer a Malásia enveredar pelo caminho de um governo unificado e modernizante (...). Em 1948, o governo britânico fez vigorar uma nova constituição, a da Federação Malaia, confirmando os privilégios dos sultões, mas agrupando nove estados (e ainda Penang e Malaca) numa federação sob o controle inglês (...). Finalmente, em 3 de agosto de 1957, foi aceito o projeto de constituição para a Federação e a 31 de agosto proclamada a independência malaia após a revogação do protetorado da Grã-Bretanha”. (p.76).
No ano de 1957 também foi reconhecida a autonomia da Cingapura, que se tornou um Estado em 1958. A formação da Grande Malásia, em agosto de 1963, encerrou o ciclo do velho Império e se transformou num bastião que servia para conter a influência da China na região, especialmente dos chineses no interior da Federação.
Independência da Indonésia
“Em 1942, as Índias neerlandesas foram libertadas pelos japoneses que retiraram da prisão os líderes nacionalistas, inclusive Sukarno; os japoneses de “libertadores”, logo passaram a invasores. Com a capitulação japonesa, Sukarno proclama a independência em 17 de agosto de 1945. Tentaram os holandeses recuperar a colônia, mas foram forçados a reconhecer a República indonésia em Java e Sumatra. Coube aos holandeses a iniciativa de romper o acordo, por duas vezes, sempre através de violentas intervenções armadas para recuperar o exclusivo colonial e apesar de sucessivas intervenções da ONU (...). Pelos acordos de Haia, em 1949, a Holanda teve de recuar e assinar uma união com a Indonésia em condições de igualdade, mas decorridos cinco anos, coube à Indonésia denunciar o acordo e afastar os holandeses para sempre de sua vida interna”. (p.81-82).
Independência da Indochina
A Indochina é um caso peculiar, visto que a guerra produziu efeitos catastróficos também para a potência colonial, a França. Com o término do conflito, os ingleses ocupavam o sul e os chineses o norte. Foi em setembro de 1945 que o Vietnã tornou-se independente, em Hanói, constituindo, dessa forma, a República Democrática com Ho Chi Minh e a liderança de Vietminh. Não se pode deixar falar que a República da Cochinchina foi proclamada de modo arbitrário pela França.
É essencial comentar que o governo de Ho Chi Minh entrou na clandestinidade e a guerra da Indochina teve início, só acabando em 1954 com a humilhante derrota francesa em Dien Bien Phu.
“(...) Além disso, ao se transformar numa guerra anticolonial, mobilizou as forças populares, adquiriu um caráter nacional e socializante e com a ascensão de Mao-tsé-tung na China (1949), tornou-se um pião da guerra fria, peça estratégica do “mundo ocidental” e “capitalista” na luta contra a expansão do comunismo”. (p.84).
“Assim, como os outros produtos do colonialismo, a Indochina era uma construção política artificial: o norte (Tonquim) de influência cultural chinesa, o Camboja e o Laos de povoamento não vietnamita e com afinidades indianas; o Anam no centro, por suas características étnicas e origens históricas, aproximou-se do norte (...). Também aí, como em outros territórios da Ásia e da África, o colonialismo deixou trágicas seqüelas: divisões internas, caos econômico e intermináveis guerras civis”. (p.84).
A França buscou fazer negociações políticas e campanhas militares até o ano de 1954, que se mostraram frustradas. No final do mesmo ano, os franceses assinaram os acordos de Genebra, o qual deu fim “à fase francesa da guerra da Indochina”. Depois disso, a divisão em dois países, o do norte e o do sul, revelou contrastes internos que somados às tensões internacionais, levaram a um longo período de guerra com a intervenção dos EUA, também acarretando conseqüências para o povo vietnamita.
Pode-se concluir que esses países asiáticos tiveram de percorrer uma trajetória árdua, enfrentar a ameaça constante de governos opressores e os vestígios deixados pelo colonialismo até alcançarem a sua independência.
“A descolonização dos velhos modelos chegou a seu fim. Resta saber como evoluem os novos países e como poderão enfrentar os novos problemas: a construção de suas sociedades. Se forem bem sucedidas será porque o colonialismo também teve o seu fim e eles encontraram o seu próprio caminho”. (p.111).


Referências Bibliográficas

LINHARES, Maria Yedda. A Luta contra a metrópole (Ásia e África: 1945-1975). Editora Brasiliense: 5º edição.

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