quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

CAPÍTULO III. O DESGASTE DO SISTEMA BIPOLAR (1973-1991)

6. Crise econômica, reestruturação e revoluções / 1973-79

• Crise econômica e Revolução Técnico-Científica:
A economia americana teria sofrido grandes desgastes com as despesas militares:
“Durante os anos 1960, os países europeus ocidentais (...) e o Japão alcançaram e ultrapassaram os Estados Unidos em vários campos da economia, enquanto esse último encontrava crescentes dificuldades para desempenhar o papel de polícia do mundo livre.” (p. 109)
A exigência político-ideológica de garantir emprego e aumento salarial continuamente contrastava com o capitalismo baseado nas indústrias motrizes, de automóveis e bens de consumo duráveis. Isso acabava levando ao declínio da taxa de crescimento e de lucros.
“Para enfrentar esse conjunto de problemas, os Estados Unidos desencadeiam uma contra-ofensiva estratégica – primeiramente no campo político-ideológico, depois no âmbito diplomático-militar e, finalmente, na esfera econômico-financeiro-tecnológica.” (p. 110)
Nixon em 1971 adotou diversas medidas protecionistas para recuperar a economia americana. Os EUA eram grandes produtores de petróleo além de matérias-primas e alimentos. Todos esses produtos sofreram um aumento significativo, impulsionando o processo de reconversão econômica global. Em 1973, o preço do petróleo aumentou em quatro vezes nos países árabes. OS EUA só importavam 10% de petróleo do Oriente, enquanto o Japão e a Europa Ocidental, grandes importadores, foram os mais afetados pela alta do preço do petróleo. O aumento do preço do petróleo, matérias-primas e alimentos afetaram a economia mundial, mas deixaram os EUA em vantagem sobre o Japão e a Europa na corrida da reestruturação da economia. Em relação aos soviéticos é importante dizer:
“Moscou era estimulada a vender, no mercado mundial, petróleo e matérias-primas, sobretudo minerais, e adquirir tecnologia, receber capitais e produtos de consumo.” (p. 112)
Os países capitalistas mais avançados passaram a transferir para a periferia muitas indústrias que utilizavam a mão-de-obra intensiva. Os centros capitalistas começaram a dar impulso à Revolução Científico Tecnológica, que em conjunto com a Nova Divisão Internacional da produção resultaram na Terceira Revolução Industrial e numa globalização produtiva e financeira e esse processo levou à crise recessiva e a crescente concorrência comercial.

• A onda revolucionária dos anos 1970:
“A nova correlação internacional de forças então criada gerou um desequilíbrio estratégico, claramente desfavorável a Moscou.(...)Tentando retomar o status quo ante, Moscou passa a potenciar esses processos de ruptura na periferia terceiro-mundista e estabelecer com os novos regimes uma série de pontos de apoio,às costas de seus adversários norte-americanos e chineses.” (p. 114)
Na década de 70, ocorreram muitas revoluções socialistas e antiimperalistas e a Revolução Indo-Chinesa foi a mais importante:
“A guerra secreta no Laos e a invasão do Camboja, em 1970, (...) dificultaram ainda mais a situação de Washington.” (p.114)
“A Guerra do Vietnã não fora apenas um conflito militar entre exércitos nacionais, mas uma profunda revolução social. (...) A primeira derrota militar americana atingiu em cheio o país, gerando a Síndrome do Vietnã, que o retrai temporariamente nas relações internacionais. (...) Na África Portuguesa, após quinze anos, a luta armada também seria coroada por uma vitória.” (p. 115)
Angola, país africano que dispunha de petróleo, ferro entre outros minerais, e com uma minoria da população branca, também tornou-se independente. Depois de uma série de conflitos, o MPLA governaria sozinho o país, apesar disso, África do Sul manteve a UNITA no sul de Angola, para desestabilizar o governo. A Etiópia conheceu um Golpe Militar em 1974, articulado pela DERG com o apoio popular. A Somália, encorajada pela Arábia Saudita, Egito e EUA atacou a Etiópia, que contou com o auxílio da URSS e de Cuba:
“A guerra do Chifre da África encerrou-se com a vitória da Etiópia, que consolidava seus laços com o campo socialista, enquanto a Somália aliava-se aos EUA. (...) Em fins dos anos 1960, a FLN do Iêmen do Sul (000) tornou seu país a primeira nação árabe-muçulmana a possuir um governo autoproclamado marxista-leninista.” (p. 117)
Na América Central as Oligarquias arcaicas dominavam os povos das repúblicas bananeiras em benefício próprio e dos interesses dos EUA.
“A revolução Iraniana foi aquela que mais afetou a estratégia norte-americana na região do Arco das Crises. (...) fora o resultado da convergência de uma luta política contra os vinte e cinco anos de ditadura do xá, de uma revolta social contra as profundas desigualdades do modelo capitalista adotado e de uma revolta islâmica e nacionalista contra a cultura ocidental (...) e contra a sujeição do país à diplomacia dos EUA.” (p. 122)
“O bode expiatório da grande virada das relações internacionais foi, entretanto, o Afeganistão.” (p. 122)
A Revolução Iraniana necessitava de grande fluxo de armas e dinheiro, vindas dos EUA, China, Paquistão, Egito e Arábia Saudita, para a guerrilha conservadora afegã, e Moscou não poderia recuar no país.

• Segurança Nacional na América Latina:
Na América Latina, ao contrário da África e da Ásia que passavam por processos revolucionários, ocorria uma contratendência devido à reação norte-americana e das burguesias locais.
“A crise econômica agravara-se ainda mais com a radicalização social gerada pelo aumento das demandas populares frente aos regimes populistas, cuja ambigüidade chegava a um impasse.” (p. 125)
No Brasil o regime militar vai desenvolver a economia nacional, e isso causará o endividamento externo. No Peru, a Revolução foi caracterizada pelas políticas reformistas internas, as nacionalizações de alguns ramos da economia e uma postura nacionalista no plano diplomático. No Chile o regime ditatorial foi usado para implementar uma política econômica ultraliberal, que destruiu a industrialização por substituição de importações e pauperizou a maior parte da população. No Cone Sul as torturas, assassinatos e desaparecimentos, acabaram tornando o terrorismo de Estado uma regra política. O Uruguai, a Argentina e o Chile tiveram a industrialização sucateada e retrocederam na economia, importando capital e manufaturas, voltando ao regime de dependência.
“Apenas o México e a Venezuela, bneficiados pelo aumento do preço do petróleo, puderam manter políticas reformistas e uma diplomacia relativamente autônoma, visando a contrabalançar o aumento das relações econômicas com os Estados Unidos (...)” (p. 127)

7. Da nova Guerra Fria à crise do Socialismo / 1979-89

• Nova Guerra Fria: a reação americana:
“Quase uma década de vacilação americana chegava ao fim, encerrando a conjuntura favorável ao triunfo de revoluções no Terceiro Mundo.” (p. 128)
A Nova Guerra Fria consistia na corrida armamentista convencional e estratégica dos norte-americanos, que buscavam a militarização do espaço. Esta estratégia os põe em superioridade em relação aos soviéticos. A URSS vê-se limitada e tende a limitar seu apoio às revoluções do Terceiro Mundo. Os EUA tentariam a abertura dos países socialistas para a penetração da economia ocidental, que aumentaria o controle político no bloco soviético, proporcionando mais alternativas financeiras e comerciais para superar a estagnação do sistema capitalista.

“O século XX representa uma era de transição longa e violenta, marcada pelo conflito de formações sociais e políticas opostas, cujo centro de gravidade é o Terceiro Mundo (...). A Guerra Fria, nesse sentido, não pode ser reduzida à sua aparência de conflito entre EUA e URSS.” (p. 129 – 130)
“(...) a corrida armamentista – nuclear ou não - representa o regulador de um sistema internacional em transição e convulsionado por rupturas revolucionárias, regulador esse imposto pela economia dominante.” (p. 130)
“As novas camadas excedentes, formadas pela dissolução parcial do proletariado, abandonadas pelo Estado e não tendo meios para exprimir-se politicamente, mergulham em uma criminalidade incontrolável.” (p. 131)
“Assim, a democracia adotava um conteúdo empobrecido, conservando e legitimando a desmobilização político-social dos regimes autoritários que estava substituindo. Lutar pela ampliação de direitos significava, doravante, atentar contra a democracia.” (p. 132)

• Conflitos de Baixa Intensidade: a contra-revolução no Terceiro Mundo:
A Nova Guerra Fria levou a uma contra-revolução no Terceiro Mundo:
“Os contras – ex-guardas somozistas, instalados em Honduras – atacam a Nicarágua seguidamente, sem conseguir implantar-se dentro dopais, mas causando sérios danos à economia e aterrorizando a população. Em Moçambique a direitista RENAMO (...) atua em conjunto com comandos sul-africanos (...). Em Angola, o exército da África do Sul mantinha a ocupação do sul do país, apoiava a guerrilha da UNITA e também sabotava a infra-estrutura do país (...).” (p. 133)
No continente Asiático intensificou-se o apoio aos guerrilheiros islâmicos afegãos instalados no Paquistão. Os novos regimes revolucionários estavam vulneráveis à ofensiva dos conservadores, pois ainda não haviam consolidado o poder nos seus territórios.
“Paralelamente, os EUA exerciam pressão e desencadeavam provocações militares contra Granada, Panamá, Cuba e Líbia.” (p. 133)
Filipinas, El Salvador e Guatemala, com regimes conservadores receberam ajuda militar para esmagar as guerrilhas esquerdistas que ameaçavam seus ditadores e interesses norte-americanos. Esses países foram locais de ação dos esquadrões da morte. Na Guerra Iraque-Irã, sucedeu-se uma estagnação estratégica e uma carnificina sem fim:
“A guerra Iraque-Irã constituía um meio para esmagar a revolução antiimperalista iraniana, dividir e enfraquecer o mundo muçulmano (...) e também uma luta pelo petróleo do golfo, num momento em que o mundo vivia o segundo choque petrolífero.” (p. 134)
“O Irã manteve a cooperação econômica com o mundo capitalista (...). A evolução de países como a Síria e o Iraque, aliados da URSS e governados pelo movimento político leigo, esquerdista e pan-árabe Baas, evidenciou o fracasso (...) da via não-capitalista de desenvolvimento.” (p. 135)
“O desgaste militar no Líbano e o descontentamento interno levaram Israel a retirar-se desse país, conservando apenas uma zona-tampão do Sul, em conjunto com uma facção cristã aliada. (...) Em várias regiões do Terceiro Mundo, uma onda democratizante contrastou, nos anos 1980, com o aprofundamento da crise sócio-econômica.” (p. 136)
No final de 1983 eram eleitos os presidentes da Argentina, Raul Afonsín, no Uruguai o presidente Julio Sanguinetti e Tancredo Neves no Brasil. Os EUA haviam apoiado os processos de redemocratização, para legitimar o pagamento da enorme divida externa e contornar possíveis tendências populistas.
“O continente africano, segundo o Banco Mundial, sofreu uma significativa regressão econômica absoluta durante a década de 1980, na esteira da depreciação dos termos de troca internacional e das políticas de ajuste monetarista.” (p. 137 - 138)
No Terceiro Mundo a crise econômica também baixou o padrão de vida das populações e levou a tensões sociais insuportáveis. As drogas ilícitas consumidas pela sociedade capitalista doente sustentam o narcotráfico que se transformou em autentica força acima dos Estados.

• Globalização e Neoliberalismo:
“(...) um dos fatores determinantes da exportação de indústrias para a periferia é o baixo nível salarial pago aos trabalhadores (...). Outro elemento decisivo é que as áreas escolhidas para a instalação das indústrias oferecem facilidades fiscais.” (p. 139)
“O resultado obtido, como forma de enfrentar a crise, é satisfatório, pelo menos a médio prazo. As indústrias instaladas na periferia,voltadas para a exportação ou elaborando apenas parte de uma mercadoria,exigem meios de transporte baratos e eficazes para vencer as enormes distâncias geográficas.(...) No plano das relações econômicas internacionais, as transferências respondem também à competição entre potências capitalistas.” (p. 140)
Existe uma diferença entre os países que se mantiveram como plataformas de exportação e os que adotaram uma estratégia para o desenvolvimento, tornando-se Novos Países Industrializados (NPIs). Os países desenvolvidos tornaram-se sociedades pós-industriais que adotaram uma nova estratégia de desenvolvimento, aplicada em novas tecnologias avançadas, alta lucratividade e centros financeiros. O Movimento Operário, em crise pelo desemprego, é vencido facilmente pelo capital de estrutura transnacional. As idéias neoliberais de economistas começaram a ganhar adeptos nos anos 1970.
“O neoliberalismo inegavelmente atingiu alguns de seus objetivos-meio: os impostos caíram, a inflação foi drasticamente reduzida, as regulamentações financeiras e comerciais também, o sindicalismo sofreu um acentuado retrocesso, o desemprego tornou-se estrutural, grande parte das empresas públicas foi privatizada e os gastos sociais sofreram acentuada redução.” (p. 142)

• Perestroika: a nova détente e a crise do socialismo:
“Em 1985, Mikhail Gorbachov, jovem aliado de Andropov, assume o poder no Kremlin, lançando as políticas reformistas da Glasnost (transparência) e da Perestroika (reestruturação). (...) A diplomacia da Perestroika era uma resposta à ofensiva belicista americana (...).” (p. 144)
“A estratégia da Perestroika teve, entretanto, a lógica de sua eficácia matizada por sérios problemas. Em primeiro lugar, ela continha um grave risco de desestabilização interna para a URSS, para seus aliados do campo socialista e do Terceiro Mundo. Em segundo lugar, os limites das reformas dependeriam da luta política imprevisível dentro do país e da evolução mundial.” (p. 145)
“Os Estados Unidos viram agravar-se, ao longo dos anos 1980, sua situação internacional. Sua tecnologia perdera terreno em muitos setores, a taxa de investimento era inferior à dos demais pólos capitalistas avançados, o comércio continuava deficitário, o orçamento aumentara seu desequilíbrio, a infra-estrutura encontrava-se defasada, depois de quase uma década negligenciada, e as dívidas interna e externa tornaram-se quase impagáveis.” (p. 146)
“O fim da década assistiu também a um importante e complexo fenômeno denominado Crise do Socialismo. A URSS passou a enfrentar internamente os efeitos desestabilizadores da Perestroika. Algumas das medidas adotadas tentavam corrigir desvios do socialismo, enquanto outras orientavam-se rumo ao capitalismo ou simplesmente mergulhavam no caos.” (p. 147)
“Os efeitos internacionais da Perestroika e a facilidade com que a URSS estava sendo integrada ao sistema mundial, em uma posição de subordinação, levaram determinadas forças políticas (dos EUA, de Taiwan e da própria China) a conduzir a RP da China pelo mesmo caminho.” (p. 149)
“No segundo semestre de 1989, os regimes socialistas pró-soviéticos da Europa Oriental foram varridos, praticamente sem resistência interna e externa.” (p. 151)
8. A desintegração da URSS e o fim da guerra fria / 1989 - 91

• O colapso do regime socialista e do Estado soviético:
“Na URSS, a Perestroika de Gorbachov, depois de entregar ao Ocidente quase todo seu patrimônio diplomático e de abrir sua economia, ingressou em uma crise terminal, com o caos social e econômico e os conflitos étnicos e políticos generalizando-se.” (p. 152)
A URSS foi desmembrada e surgiram novos países: Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Moldova, Estônia, Letônia, Lituânia, Armênia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguiztão e Tadjiquistão. O desaparecimento do campo soviético fez restar como países socialistas Cuba Coréia do Norte, Vietnã e China.
“O desaparecimento da União Soviética e a derrocada do regime socialista em seu território ocorreram de forma desconcertante, tomando de surpresa inclusive os serviços de inteligência ocidentais e muitos analistas renomados.” (p. 154)

• O fim da Guerra Fria e o sistema internacional:
“O fim da Guerra Fria marcou o fim de uma época, na medida em que era tanto um conflito como um sistema.” (p. 156)
“A globalização gerou a regionalização, com a formação de blocos políticos-econômicos competidores: a Europa busca autonomia e a China (com a Ásia Oriental) apresenta um avanço notável, enquanto mesmo na periferia surgem (ou ressurgem) pólos de poder como Índia, Brasil e Rússia. A tendência é, portanto, de surgimento de um sistema multipolar.” (p. 156)
“Aos Estados Unidos faltam um rival equivalente e de mesmo peso, o que gera desequilíbrios político-militares, mas também econômicos e societário-culturais.” (p. 157)
“Assim, o fim da Guerra Fria dissolveu os elementos aglutinaores que eram a base da hegemonia americana e dos mecanismos de controle sobre os seus aliados, que hoje buscam seus próprios caminhos, no quadro de uma competição renovada e de ação de tendências centrífugas.” (p. 157)


VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. (Capítulo III – p. 109 – 157)

Questões Sobre o Texto: “Da Paz à Guerra – Cap. 13 – A Era dos Impérios - Eric Hobsbawn”

Qual o papel do Exército no período anterior à Guerra?
A principal função do exército nas sociedades européias durante o período anterior à guerra (1871-1914) era civil. O alistamento militar era obrigatório em todas as nações importantes (embora nem todos os rapazes se alistassem), menos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Com o avanço dos movimentos socialistas, generais e políticos ficavam receosos em colocar armas nas mãos de proletários que poderiam tornar-se revolucionários. Para os recrutas comuns entrar para o exército era uma espécie de rito de passagem, marcando a chegada de um garoto à fase adulta. O treinamento dos recrutas durava aproximadamente três anos e estes não buscavam glórias na vida militar. Já para os suboficiais profissionais o exército era um emprego. Para os oficiais, o exército era um símbolo de virilidade, superioridade e status social. Para governos e classes dirigentes os exércitos eram forças para enfrentar os inimigos internos e externos e garantir a lealdade dos cidadãos. O exército era um dos mecanismos poderosos à disposição do Estado para manter a civilidade e o sentimento de patriotismo do cidadão. O exército era responsável por espetáculos públicos de exibição militar, que divertiam e inspiravam patriotismo à população civil. Eventualmente, soldados e marinheiros eram mobilizados contra desordens e protestos. As ações militares contra civis podiam ser negativas do ponto de vista político, mas geralmente eram utilizadas. A repressão interna seria inofensiva enquanto as guerras nas colônias eram mais perigosas. A vida dos soldados e marinheiros das grandes nações eram tranqüilas, ao contrário dos exércitos russo e japonês.

O que o autor quer afirmar com a frase: “É evidente que as nações estavam longe de ser pacíficas, quanto menos pacifistas.”?
Segundo ele mesmo, nenhum governo queria uma guerra de grandes proporções, ao mesmo tempo em que viam a guerra como inevitável, onde alguns governos apenas decidiram que a melhor coisa a fazer era escolher o momento mais propício para iniciá-la. A situação no período anterior à guerra era de uma situação internacional em processo de deterioração progressiva, escapando ao controle dos governantes. A Europa foi se dividindo em dois blocos de alianças. Essas alianças foram tornando-se uma ameaça à paz, pois disputavam entre si, deixando esses confrontos fugirem do controle e tornarem-se inadministráveis. No período anterior a Primeira Guerra, quando os interesses das grandes nações estavam em disputa, elas entravam em conflito direto e acabavam por fazer um acordo de paz. O passado de conflitos militares restritos mostra que essas nações não eram pacíficas e nem pacifistas, pois sempre procuravam resolver as questões internas e os interesses externos por meio da guerra.

Qual a relação apontada pelo autor, entre a expansão do capitalismo e os anos que antecederam o começo da Primeira Guerra Mundial?
Para explicar essa relação, o autor cita Clausewitz e sua máxima, de que a guerra agora fosse apenas a continuação da concorrência econômica por outros meios. Apesar dessa idéia, Hobsbawn deixa claro que havia muito mais questões nesta relação. Para muitos fabricantes de armas, a guerra seria interessante ao passo que traria lucro à suas fábricas, ao mesmo tempo em que havia expansionistas econômicos belicosos, com a crença de que a guerra beneficiava o capital. O autor acredita que “(...) o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade entre Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra.” (p. 437) A economia havia deixado de girar em torno da Grã-Bretanha, no período que antecedeu a Primeira Guerra e um número de economias industriais agora se enfrentava mutuamente e a concorrência econômica passou a estar ligada às ações políticas e militares do Estado.


Referências Bibliográficas:
HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. (p. 417-451)

A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁSIA

Na conjuntura da chamada Guerra Fria ocorreu uma espécie de neocolonialismo que promoveu a partilha de dois continentes (África e Ásia) entre as potências européias e as duas mais novas superpotências mundiais, EUA e URSS.
“(...) Para os europeus, que haviam dado o exemplo da revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, que com seus” burgueses conquistadores” comandaram a ciência, a técnica e os povos do mundo(...) Pela primeira vez na história, seus destinos serão marcados pelas decisões dos dois novos pólos de poder: as duas grandes potências, uma a leste, a outra a oeste (...) o capitalismo, como sinônimo de democracia e liberdade, e o socialismo como sinônimo de instrumento de luta pela libertação dos povos e das classes historicamente oprimidas”. (p.13).
A Grã-Bretanha teve um papel muito importante nesse processo. Em 1950, a Inglaterra conseguiu se recuperar e pôde deixar de lado os recursos do Plano Marshall.
É possível mencionar que os trabalhistas ingleses foram os primeiros a aceitar a descolonização, dando sinal de partida no ano de 1947, com a independência da Índia.
“(...) Foi ainda a Grã-Bretanha a primeira potência capitalista a reconhecer o governo comunista de Mao-tsé-tung na China (...)”. (p.27).
Vale dizer que a luta pela descolonização representava, de certa forma, uma luta contra o capitalismo e, ao mesmo tempo, no aspecto político uma luta contra as metrópoles.
Neocolonialismo
Por volta do século XIX, havia poucos vestígios dos antigos impérios mercantilistas. Apenas a Grã-Bretanha permanecia como a principal potência marítima e “imperial”, mesmo tendo evitado até 1874 novas anexações, exceto as escalas da Índia (no Mediterrâneo oriental e na rota da Índia pelo Cabo). Ela também anexou a Birmânia e a Malásia.
Já a França, tornou-se uma potência mundial com o auxílio das importações e exportações coloniais. Dentre seus mais representativos pontos de dominação estavam territórios asiáticos, como a Indochina Francesa (Amom, Laos, Camboja, Cochinchina e Tonquim) e Oriente Próximo, com os mandatos da Síria e do Líbano.
É de grande valia mencionar que a colonização podia acontecer de forma direta e indireta.
De acordo com Paul Leroy-Beaulieu existia três tipos de colônias: as de comércio ou entrepostos como Hong-Kong e Singapura; as de plantagem ou de exploração que tinham a finalidade de exportar produtos exóticos e matérias-primas(Índia e Java), as de povoamento em climas temperados e com imigração “branca”. Também existiam as colônias de penetração financeira (China, Turquia).
É significativo apresentar algumas características do continente asiático.
“A Ásia, que tinha sido berço das grandes civilizações, a cujo gênio e humanidade deve seus primeiros progressos fundamentais, como a domesticação dos animais, a agricultura, a criação, a cerâmica, a metalurgia, o papel, a pólvora, etc.(...) Seus povos altamente civilizados tinham padrões éticos bem diversos dos valores que atribuíam preeminência à técnica e aos bens materiais. O sistema social da Índia, da China e das regiões que receberam sua influência, fundamentava-se num conjunto de valores que “ dava o primeiro lugar ao sábio, àquele que sabe no domínio literário, poético, metafísico e espiritual (...) A perda de suas identidades culturais seguiu-se à perda de suas riquezas, de sua autonomia, à tentativa de lhe arrancar o passado pelas raízes”. (p.53).
É necessário colocar que houve uma série de movimentos de resistência à conquista colonial que se estenderam até o início do século XX. Entre esses movimentos, salientam-se os de renovação religiosa; o Islã, na Indonésia, inspirando organizações políticas nacionalistas; na Birmânia e no Camboja o que prevalecia eram as associações e manifestações budistas, que refletiam a repulsa do povo ao regime colonial; na Índia, a revolta dos Cipaios no ano de 1857 mesmo sendo heterogênea, possuía marcas de hinduísmo tradicional. Além deles, existiram os movimentos “modernistas” ou “ocidentalistas” que eram patrocinados pelas novas camadas sociais que surgiram com o colonialismo.
Na Ásia, os exemplos eram: Sun-Yat-sen (Kuomintang) e do Japão, serviram de inspiração; na Indonésia holandesa, entre 1920 e 1930, teve início o partido nacionalista de Sukarno; em Saigon, em 1925, um partido nacionalista de direita e na Birmânia quem detinha o controle eram os grupos conservadores.
“Acrescentaremos à tipologia acima os movimentos nacionais que levaram, após a Segunda Guerra Mundial, à descolonização (...). Nutridos pela ideologia do Ocidente, em cujos manuais assimilaram o ideário de seus colonizadores (liberdade, igualdade, fraternidade, parlamentarismo, soberania popular, livre empresa), apresentavam-se como elementos da classe dominante local e como tais se distanciam das camadas populares urbanas e rurais”. (p.56-57).
A pergunta que precisa ser respondida é: De que maneira as metrópoles reagiram ao fermento nacionalista?
“Na Índia, a Grã-Bretanha introduziu, em 1919, reformas que deram uma pequena margem de autonomia administrativa às províncias. Nesse momento, surgia no cenário político indiano a figura de Mahatma Gandhi, inimigo da ação violenta e o mais eficaz dos adversários da Inglaterra (...) adere aos programas de não- cooperação e define-se pela autonomia. Pelo Estatuto de 1935(British Índia Act), a Índia deveria vir a ser um Estado Federal, o que não atendia às reivindicações nacionalistas”. (p.57-58).

As Independências
A Índia é o grande exemplo da descolonização pacífica. Entretanto, o domínio inglês na Índia se caracterizou pela violência e pela continuada resistência das populações locais.
“(...) Em plena guerra, em 1942, a Índia reagiu violentamente, atacando e destruindo transportes militares, instalações ferroviárias, correios, postos de polícia(...) Paralelamente, um amplo movimento de não cooperação não violenta provocou a repressão inglesa com a subseqüente prisão de Ghandi e Nehru e o bombardeio de aldeias(...)”. (p.72).
Quando a guerra terminou, dois partidos passaram a se defrontar: o Partido do Congresso, liderado por Mahatma e Nehru, e a Liga Muçulmana de Jinnah Mohamed Ali. As divergências entre hindus e muçulmanos se acentuaram ainda mais.
“Jinnah Mohamed Ali nascera em Karadi (1876), estudou direito em Londres e cedo aderiu ao Partido do Congresso, pertencendo a um grupo de nacionalistas moderados (...) Por não concordar com Ghandi, rompeu com o Congresso e se filiou à idéia de uma solução federalista para a Índia, em defesa dos muçulmanos( um quarto da população). O nacionalismo indiano reforçara-se ao remontar às suas fontes hindus( sobrevivência do sistema de castas). (...) Para Jinnah e sua liga, a verdadeira luta se deveria travar, não contra os britânicos, mas contra o hinduísmo e o Partido do Congresso. Rompia-se, dessa forma, a solidariedade nacionalista”. (p.72-74).
Em fevereiro de 1947, o governo trabalhista de Attlee teve a iniciativa de declarar ao Parlamento britânico que promoveria a Independência da Índia até junho de 1948.
No dia 15 de julho, a lei de Independência foi vetada e em 15 de agosto formaram-se os governos interinos: um para a Índia e o outro para o Paquistão.
“(...) A execução da partilha se fez na mais completa desordem, marcada por atos de violência entre hindus e muçulmanos, sob o olhar aparentemente indiferente do exército britânico”. (p.74-75).
Independência da Birmânia, Ceilão e Malásia
“Na Birmânia, a Liga Antifascista pela Independência do Povo saíra da guerra fortalecida pelo papel que desempenhara na luta contra o invasor japonês. As tentativas por parte de Attlee de negociar uma forma de autonomia para a Birmânia foram infrutíferas. Os birmaneses se recusam a integrar a Comunidade Britânica e sob a liderança de UNU obtêm, em 4 de janeiro de 1948, o reconhecimento do Estado soberano e independente, a República da União Birmanesa”. (p.75).
No caso do Ceilão, houve um período de reformas constitucionais a partir de 1931. O governo inglês com o objetivo de evitar transtornos concedeu no dia 19 de dezembro de 1947, ao parlamento e ao governo da ilha o self govermment completo no âmbito da Comunidade Britânica.
Já na Malásia, a solução mostrou-se mais complicada devido à multiplicidade dos grupos raciais que a compunham (chineses, malaios e indianos). Além disso, as riquezas da Malásia eram essenciais para a economia inglesa (estanho e borracha) e Cingapura era um ponto estratégico localizado entre o Índico e o Pacífico.
“(...) Por momentos, julgou a Grã-Bretanha ser possível desvencilhar-se da autoridade arcaica dos sultões locais e fazer a Malásia enveredar pelo caminho de um governo unificado e modernizante (...). Em 1948, o governo britânico fez vigorar uma nova constituição, a da Federação Malaia, confirmando os privilégios dos sultões, mas agrupando nove estados (e ainda Penang e Malaca) numa federação sob o controle inglês (...). Finalmente, em 3 de agosto de 1957, foi aceito o projeto de constituição para a Federação e a 31 de agosto proclamada a independência malaia após a revogação do protetorado da Grã-Bretanha”. (p.76).
No ano de 1957 também foi reconhecida a autonomia da Cingapura, que se tornou um Estado em 1958. A formação da Grande Malásia, em agosto de 1963, encerrou o ciclo do velho Império e se transformou num bastião que servia para conter a influência da China na região, especialmente dos chineses no interior da Federação.
Independência da Indonésia
“Em 1942, as Índias neerlandesas foram libertadas pelos japoneses que retiraram da prisão os líderes nacionalistas, inclusive Sukarno; os japoneses de “libertadores”, logo passaram a invasores. Com a capitulação japonesa, Sukarno proclama a independência em 17 de agosto de 1945. Tentaram os holandeses recuperar a colônia, mas foram forçados a reconhecer a República indonésia em Java e Sumatra. Coube aos holandeses a iniciativa de romper o acordo, por duas vezes, sempre através de violentas intervenções armadas para recuperar o exclusivo colonial e apesar de sucessivas intervenções da ONU (...). Pelos acordos de Haia, em 1949, a Holanda teve de recuar e assinar uma união com a Indonésia em condições de igualdade, mas decorridos cinco anos, coube à Indonésia denunciar o acordo e afastar os holandeses para sempre de sua vida interna”. (p.81-82).
Independência da Indochina
A Indochina é um caso peculiar, visto que a guerra produziu efeitos catastróficos também para a potência colonial, a França. Com o término do conflito, os ingleses ocupavam o sul e os chineses o norte. Foi em setembro de 1945 que o Vietnã tornou-se independente, em Hanói, constituindo, dessa forma, a República Democrática com Ho Chi Minh e a liderança de Vietminh. Não se pode deixar falar que a República da Cochinchina foi proclamada de modo arbitrário pela França.
É essencial comentar que o governo de Ho Chi Minh entrou na clandestinidade e a guerra da Indochina teve início, só acabando em 1954 com a humilhante derrota francesa em Dien Bien Phu.
“(...) Além disso, ao se transformar numa guerra anticolonial, mobilizou as forças populares, adquiriu um caráter nacional e socializante e com a ascensão de Mao-tsé-tung na China (1949), tornou-se um pião da guerra fria, peça estratégica do “mundo ocidental” e “capitalista” na luta contra a expansão do comunismo”. (p.84).
“Assim, como os outros produtos do colonialismo, a Indochina era uma construção política artificial: o norte (Tonquim) de influência cultural chinesa, o Camboja e o Laos de povoamento não vietnamita e com afinidades indianas; o Anam no centro, por suas características étnicas e origens históricas, aproximou-se do norte (...). Também aí, como em outros territórios da Ásia e da África, o colonialismo deixou trágicas seqüelas: divisões internas, caos econômico e intermináveis guerras civis”. (p.84).
A França buscou fazer negociações políticas e campanhas militares até o ano de 1954, que se mostraram frustradas. No final do mesmo ano, os franceses assinaram os acordos de Genebra, o qual deu fim “à fase francesa da guerra da Indochina”. Depois disso, a divisão em dois países, o do norte e o do sul, revelou contrastes internos que somados às tensões internacionais, levaram a um longo período de guerra com a intervenção dos EUA, também acarretando conseqüências para o povo vietnamita.
Pode-se concluir que esses países asiáticos tiveram de percorrer uma trajetória árdua, enfrentar a ameaça constante de governos opressores e os vestígios deixados pelo colonialismo até alcançarem a sua independência.
“A descolonização dos velhos modelos chegou a seu fim. Resta saber como evoluem os novos países e como poderão enfrentar os novos problemas: a construção de suas sociedades. Se forem bem sucedidas será porque o colonialismo também teve o seu fim e eles encontraram o seu próprio caminho”. (p.111).


Referências Bibliográficas

LINHARES, Maria Yedda. A Luta contra a metrópole (Ásia e África: 1945-1975). Editora Brasiliense: 5º edição.

Análise do Golpe de 1964: Visão Política, Econômica e Social, Segundo Francisco de Oliveira e Caio Navarro de Toledo

Análise do Golpe de 1964 segundo Francisco de Oliveira:
Em seu texto “Dilemas e Perspectivas da Economia Brasileira no Pré-64”, Francisco de Oliveira faz uma crítica à visão existente no Brasil, de que o Golpe de 64 seria irremediável e que não havia alternativas. Segundo ele, todas as discussões e interpretações se encaminhariam para o “apocalipse inevitável”, aonde a “economia vai como boi vai para o matadouro”. Aquilo que seria determinado pela história, ele acredita ser na verdade uma alternativa, uma opção política.
Francisco de Oliveira mostra-se a favor do Golpe como opção que foi tomada, ainda que não houvesse um leque de opções: “Portanto, não se trata nem dessa história de que só havia aquele caminho, nem da história, mais fácil inclusive para os críticos, de que qualquer alternativa estava à disposição.” (p. 24) As alternativas estariam à disposição dos sujeitos e atores sociais que proviam de recursos políticos, econômicos e sociais para implementá-las. Ainda segundo Francisco, é necessário estudar o Golpe no contexto da estrutura das relações vigentes na economia brasileira. Visto isso, podemos analisar a visão econômica, política e social de Francisco de Oliveira sobre o Golpe.
Em relação questão econômica, Francisco faz uma breve comparação entre a economia atual e a economia nas vésperas do Golpe de 1964. Na verdade, ele constrói o seu texto basicamente tratando sobre o contexto econômico. A inflação seria de 80% ao ano, chegando a 80% de inflação ao mês. A dívida externa seria de 3,5 a 4 bilhões de dólares, sendo contraída através de empréstimos de entidades internacionais e dívidas com fornecedores, porém de fácil manejo. No que diz respeito ao coeficiente de investimento, este ficava em torno de 17 a 18%, índice bem elevado. Outra questão importante é a inexistência de dívida interna. Todos esses fatores representavam uma economia em ótimo desempenho, com uma taxa média de crescimento de 8% ao ano. Isso foi possível, segundo o autor, devido aos grandes ramos e setores da economia já estarem fundamentalmente implantados.
Havia, porém, atraso no setor agrícola na conjuntura do golpe, cuja parte da produção era destinada à exportação e outra parte ao mercado interno. Os Estados de São Paulo e do Paraná, por exemplo, possuíam agriculturas capitalistas, mas isso não acontecia no restante do país, surgindo daí, a importância da questão da Reforma Agrária.
Junto com a questão da Reforma Agrária havia duas outras questões importantes para a expansão capitalista: “(...) de um lado, uma redução do custo de reprodução da força de trabalho urbano-industrial (...). De outro, evidentemente – o que é a outra face da mesma moeda – a agricultura podia se constituir num dos grandes pólos de criação de um mercado interno que a indústria já criava aceleradamente, mas que não encontrava contrapartida no mundo agrário.” (p. 25-26) Esta questão poderia ser um impasse econômico, aliado à economia que crescia e ao mesmo tempo criava um problema financeiro. O Estado tinha um papel central na economia uma vez que é responsável pela emissão monetária. O grande impasse econômico seria a estreiteza da base fiscal do Estado. O impasse político seria a dificuldade de o Estado romper com a relação de forças onde se assentavam o PSD e o PTB.
Resolvidos esses impasses que de nenhuma forma desabonavam a economia, até porque esta já se mostrava com forte capacidade de crescimento, cria-se a grande questão sobre por que se dão Golpe. Segundo o autor, a resposta a essa pergunta poderia vir de um conjunto de fatores proeminentes da expansão capitalista, que atingiriam, por exemplo, a sociedade.
Na questão social, a burguesia teria sido deslocada de seu papel principal com o processo de expansão capitalista. Esta não ocupava mais o lugar central e não detinha mais o poder de classe dominante. Este lugar estaria sendo ocupado pela “união de classes”. O Sistema populista foi o grande responsável por promover a estruturação de classes, porém, com a expansão do capitalismo há o deslocamento das classes. Durante o regime populista, o proletariado e os assalariados urbanos ficaram de fora do tripé de poder (constituído por burguesia + proprietários rurais + classe trabalhadora emergente). Mesmo assim há um crescimento do proletariado, que deixa de ser subalterno e ameaça romper o controle das classes dominantes sobre o processo de desenvolvimento, pois o movimento Agrário e os Sindicatos Rurais ativos possuem enorme capacidade de mobilização.
Segundo Francisco de Oliveira, o Golpe de 64 não fez ameaça à propriedade, mas colocava em xeque toda propriedade inativa. O que importava era o uso capitalista da terra.
Sobre a questão de ordem política, o autor diz que o Golpe de 64 trata-se de “(...) uma opção de forças políticas que, quebrando alianças de classes, traduzem numa nova aliança política a relação de classes que se estabelece com o golpe de Estado. Donde nem o determinismo, nem a falta de caminhos e nem a cesta repleta de alternativas.” (p. 27)
Para concluir, é importante dizer que o autor considera que a economia possui certo grau de determinação, mas que não é imune à vontade e capacidade humana. E que após 64 todos fizeram opções: atores, classes sociais, representações e organizações políticas. O Golpe teria deixado como herança o congelamento por 20 anos de uma minoridade política que foi responsável pela exclusão de classes sociais, repressão ao movimento camponês, operariado, sindicatos de trabalhadores e intelectuais. A classe média, por sua vez, apesar de inicialmente ter apoiado a ditadura, depois colocou-se contra, pois também era incapaz de ter voz e voto nas decisões econômicas.

Análise do Golpe de 1964 segundo Caio Navarro de Toledo:
De acordo com Caio Navarro de Toledo, o período pré-64 foi um período bastante conturbado. Durante todo o governo Goulart se conviveu com a possibilidade de um golpe de Estado.
É válido lembrar que nesse momento surgiu um novo contexto político-social no país. “(...) Suas características básicas foram: uma intensa e prolongada crise econômico-financeira (recessão e uma inflação com taxas jamais conhecidas): constantes crises político-institucionais: ampla mobilização política das classes populares( as classes médias a partir de meados de 1963, também entraram em cena): fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo: crise do sistema partidário e um inédito acirramento da luta ideológica de classes.” (p. 31-32).
Um fato polêmico que merece ser destacado é o parlamentarismo. Jango inicia seu governo no parlamentarismo, onde assume apenas uma função simbólica de chefe de Estado. Contudo, sabe-se que o regime parlamentarista não deu certo, porque não teve eficiência administrativa e não conseguiu solucionar o problema das crises. Além disso, havia uma disputa entre Presidente e Conselho pelo controle do executivo e pelos programas que o governo deveria estabelecer. No Congresso, a maioria fazia parte da aliança conservadora (PDS/UDN). Diante dessa situação João Goulart resolveu travar uma batalha contra o Parlamentarismo e obteve o apoio de vários setores políticos (exceto da UDN). Os trabalhadores também lutaram pela retomada do Presidencialismo. “(...) Em janeiro de 1963, após uma derrota fragorosa nas urnas, o parlamentarismo era revogado. João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta de 1946 conferia ao chefe do Executivo.” (p. 33).
Não se pode deixar de falar que se o Parlamentarismo não foi capaz de acabar com as crises, o Presidencialismo precisava resolver essa questão, mas será que isso foi possível? Os mais diversos setores elaboraram propostas divergentes para resolver problemáticas, como: endividamento externo, do déficit de pagamentos e recessão econômica.
“Como era previsível, o Executivo anunciava que seu plano de governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentadas pelo conjunto da sociedade brasileira. Esta ambiciosa proposta foi denominada de Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 1963-65 (...)” (p. 34)
“O Plano Trienal procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento do final dos anos 50. Como reconheciam alguns setores de esquerda, o plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática o plano pedia- como fazem todos os planos de salvação nacional- que os trabalhadores (novamente) apertassem os cintos, em nome de benefícios que viriam a obter a médio prazo (...) As críticas aprofundaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os aviltados orçamentos das classes populares, CGT, PUA, FPN, UNE, grupo compacto do PTB se unem na condenação do plano (...)” (p. 34-35).
É importante colocar que o governo apresentou uma política antinacionalista que ficou nítida nas negociações feitas entre Brasil e EUA. “(...) O Plano Trienal- segundo as autoridades brasileiras- era a prova concreta que o governo oferecia para demonstrar nosso enquadramento na ortodoxia propugnada pelos EUA e pelo FMI.” (p. 35)
Os setores nacionalistas fizeram críticas intensas ao governo, pois ele retirou os subsídios para o trigo e o petróleo, mas, no entanto, comunicou que em breve iria adquirir por 188 milhões de dólares, doze usinas norte-americanas.
“Ao finalizar o ano de 1963, o malogro do Plano Trienal era reconhecido por todos: nem desaceleração da inflação, nem aceleração do crescimento tinham ocorrido. Houve, sim, inflação sem crescimento.” (p.35)
Já que o Plano Trienal foi um fracasso, Jango decidiu apostar nas Reformas de Base a fim de elevar o capitalismo industrial brasileiro a um novo patamar de desenvolvimento. No entanto, o Congresso era contrário à reforma agrária, mesmo sabendo que ela não teria fundo revolucionário e apenas consolidaria o capitalismo industrial. Por outro lado, os setores nacionalistas fizeram forte pressão sobre o Parlamento através de comícios, passeatas, manifestações por meio da CGT, FPN, etc.
Os setores de direita (IPES/IBAD, ADP, Associações femininas, Igreja, etc.) financiados pela embaixada norte-americana tachavam o governo Goulart de subversivo e diziam que era necessário acabar com a agitação social.
“Sem base de sustentação no Congresso, o governo Goulart se enfraquecia, pois dele se afastavam seus tradicionais aliados (...). Além disso, o governo entrava em choque com os setores da esquerda nacionalista, pois afastava colaboradores ideologicamente progressistas, combatia os setores não-pelegos do movimento sindical e condenava iniciativas políticas de esquerda( uma delas foi a proibição de um Congresso em defesa da revolução cubana).” (p. 36-37).
Agora a pergunta que fica é quem daria o golpe? Tanto direita como esquerda possuíam desconfianças em relação aos propósitos de Goulart.
“Convencido de que a direita golpista fechava o cerco, Jango começou a se voltar para a esquerda (...).” (p.38).
É significativo comentar que o comício de 13 de março de 1964, o qual reuniu mais de 200 mil pessoas em praça pública pelas reformas de base, medidas nacionalistas e ampliação das liberdades democráticas foi um ato de grande representatividade.
Desde os primeiros meses de março burguesia e classes médias pretendiam pôr fim ao governo Goulart e levantando a bandeira do anticomunismo movimentos femininos e outros ligados à igreja saíram às ruas para pedir o impeachment de Jango.
“Na madrugada de 31 de março, algumas horas antes da data marcada pela alta oficialidade para o desencadeamento do golpe, o general Mourão Filho (4º Região Militar)- para a surpresa e desagrado dessa mesma oficialidade- ordenou a suas tropas que se movimentassem em direção ao Rio de Janeiro (...). O chamado dispositivo militar do governo jamais seria acionado e Jango abriria mão do poder sem a menor reação partindo rumo ao sul do país. Ali mesmo pressionado por Brizola e outros, recusou-se, novamente, a qualquer iniciativa contra os golpistas. Preferiu a fuga para suas propriedades no Uruguai.” (p. 40)
Para finalizar essa abordagem é representativo questionar se o golpe teria sido realmente inevitável. Há muita especulação nesse sentido, mas se Goulart tivesse resistido militarmente, se tivesse reagido é possível que o resultado tivesse sido diferente. Os próprios conservadores de direita ficaram perplexos com a facilidade que conseguiram chegar ao poder. João Goulart não teve “vontade política de barrar o caminho do golpe”.
“O golpe encontrou as esquerdas fragmentadas em diferentes correntes ideológicas, isoladas das grandes massas populares e sem nenhuma estratégia política para resistir à ação deflagrada (...), as esquerdas mostraram-se inertes e desorientadas frente à ação militar, amargando uma derrota arrasadora e desmoralizante (...).” (p. 42)
Conclui-se, que o golpe de 1964 foi uma tentativa de impedir que a democracia restrita se transformasse em uma democracia ampliada. O trecho seguinte sintetiza os objetivos do regime militar.
“O regime militar instalado promoveria a chamada modernização conservadora, excluindo da cena política e social as classes trabalhadoras e populares, pondo fim a uma experiência de democracia política populista considerada intolerável para as classes dominantes brasileiras. Nada de muito surpreendente na história política de um país cuja burguesia tem revelado pouco emprenho na permanência e ampliação de uma ordem política, democrática que possa favorecer as lutas sociais dos trabalhadores e dos setores populares.” (p.44)



Referências Bibliográficas:

TOLEDO, C N. A democracia populista golpeada. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe: Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

OLIVEIRA, F. de. Dilemas e perspectivas da economia brasileira no pré-64. In: TOLEDO, C. N. de. (Org.). 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

A Ação de Classe da Elite Orgânica: A Campanha Ideológica da Burguesia – Questões Sobre o Texto

1. Formas que assumiu a campanha ideológica:

Em seu texto “A Ação de Classe da Elite Orgânica: A Campanha Ideológica da Burguesia”, René Dreifuss nos mostra que havia duas formas de ação utilizadas como tática da chamada “elite orgânica”, e que “compreendiam desde atividades que objetivavam efeitos a longo prazo na orientação global das perspectivas sociais, econômicas e político militares, até táticas defensivas planejadas objetivando ganhar tempo suficiente para a ação estratégica política e militar lograr efeito”. (p. 231) Antes de expor as táticas, torna-se necessário analisar a conjuntura onde essas ações foram desenvolvidas, o alvo dessas ações e os órgãos que se responsabilizaram por elas, bem como entender os objetivos da elite orgânica.
A chamada “elite orgânica” era uma espécie de porta-voz e defensora das idéias do centro ao mesmo tempo em que ampliava as perspectivas elitistas e consumistas das classes médias e alimentava o temor às massas. Também influenciava a classe média contra o Populismo. Competia com a esquerda e o trabalhismo pelo controle do Estado e para isso, utilizava tanto de recursos legais quanto ilegais. “Os principais “alvos” para a doutrinação específica e pressão política- direta eram os sindicatos, o movimento estudantil e a classe camponesa mobilizada, as camadas sociais intermediárias e a hierarquia da Igreja, o Legislativo e as Forças Armadas.” (p. 230)
ADEP, IBAD, ADP, Promotion S.A, SEI e ADCE eram os órgãos que seriam responsáveis pelo desenvolvimento da campanha da elite orgânica, já o IPES preferia manter-se “aparentemente” independente dessas organizações, preferindo agir “por trás dos bastidores”.
Em relação às duas modalidades de ação a primeira era a chamada “Ação ideológica e social” e a segunda era a “Ação político-militar”, vejamos a seguir no que elas consistiam:

Ação ideológica e social: As ações ideológica e social eram combinadas e resultavam em dois tipos de doutrinação:
• Doutrinação geral: Apresentava os questionamentos da elite orgânica aos responsáveis políticos e ao público geral e causava impacto ideológico em públicos específicos e no Estado. Era realizada de forma neutralizadora através da mídia e tinha como objetivo fortalecer as idéias da direita e atacar o bloco nacional-reformista. Eram contra o comunismo, o socialismo, a oligarquia rural e a corrupção do populismo e defendiam a prosperidade do país e melhoria dos padrões de vida da população como fruto da iniciativa privada e não do socialismo ou da intervenção do estado na economia. Empresas e industriais ligados ao IPES/IBAD financiavam indiretamente a elite orgânica, assim como o IPES/IBAD também obtinha apoio de companhias internacionais de propaganda. Usavam a propaganda através de todos os tipos de veículos de comunicação (rádio, televisão, jornais, livros, panfletos, revistas, etc.) para um bombardeio ideológico e político, e promoviam conferências, palestras e simpósios para a divulgação de sua ideologia. Contavam com escritores profissionais, jornalistas e artistas. Conseguiam desta forma, organizar uma grande equipe que trabalhava com a manipulação da opinião pública. Ainda sobre a doutrinação geral, é relevante mencionar que o autor cita a Guerra psicológica através do rádio e televisão e a Guerra psicológica através de cartuns e filmes, ambas promovidas pelo IPES/IBAD para atingir um público grande e de forma eficaz.
• Doutrinação específica: Pode ser notada através da tentativa de moldar a consciência e organização dos setores dominantes para união em torno de um programa de modernização econômica e conservadorismo sócio-político. O objetivo geral era atacar e destituir o presidente João Goulart e conter a mobilização popular, com o apoio de grupos sociais da classe média e das classes dominantes. Um exemplo de ação da doutrinação específica foi o Congresso pelas Reformas de Base, e a campanha da mídia para desarticular o bloco oligárquico-industrial. As propostas de diretrizes políticas do Congresso pelas Reformas de Base cobriam três áreas de interesse: “A ordem política, que compreendia as Reformas Eleitoral, Legislativa, Administrativa, da Estrutura Política, do Judiciário e da Política Exterior; a ordem social, compreendendo a Reforma Agrária, a da Legislação Trabalhista, da participação dos Lucros das Empresas, da Distribuição de renda, da política do Bem-Estar e Previdência Social, da Educação, a Habitacional, a Sanitária e de Saúde Pública; ordem econômica, que incluía as Reformas Monetária e Bancária,Tributária, Orçamentária, da Legislação Anti-Trust, da Política de Comércio Exterior, de Serviços de Utilidade Pública, da política do Uso de Recursos Naturais, como também a Reforma da empresa Privada.” (p. 243-244) Podemos citar ainda,c omo forma de doutrinação específica, a pressão sobre a Igreja que foi exercida por associados do IPES ligados às estruturas eclesiásticas e leiga, e através da Opus Dei, na América Latina. É imprescindível mencionar que imprensa e os intelectuais também exerciam papéis importantes na doutrinação específica.

Ação político-militar: A ação político-militar podia ser percebida na forma com que a elite orgânica procurava “mostrar aos empresários, profissionais e membros das Forças Armadas a imediata ameaça a que estavam sujeitos” (p. 234) com as denúncias de “infiltração comunista”. Um exemplo de ação político militar foi quando, em 1962, a equipe do General Golbery destacou 200 militares das três Forças, enquanto Glycon de Paiva ofereceu uma lista de 200 políticos, além de estudantes, profissionais, jornalistas, empresários, professores universitários e associados do IPES, todos formuladores de opinião para participar da disseminação de material ideológico fornecido pela elite orgânica. Outra forma de ação político-militar eram os Manifestos, sendo importante mencionar o “Manifesto das Enfermeiras às Forças Armadas”, em 1963, onde elas pediam aos militares que interviessem diretamente no processo político contra o governo de João Goulart. Ainda conforme o autor, “um modo mais vil de guerra psicológica era a publicação regular de O Gorila, distribuído dentro das Forças Armadas.” (p. 236)

2. Principais Órgãos de Comunicação Envolvidos:


O texto de René Dreifuss trata a respeito do complexo IPES/IBAD, discutindo as suas formas de atuação e seus principais objetivos.
A elite orgânica buscou promover uma campanha político-ideológica que mobilizasse os mais diferentes setores da sociedade brasileira, principalmente: os sindicatos, o movimento estudantil, a classe camponesa, os setores intermediários, a hierarquia da Igreja, o Legislativo e as Forças Armadas. Ela procurou incitar tanto algumas frações das classes dominantes como grupos de classes médias para enfraquecer o poder executivo, a fim de destituir o presidente João Goulart.
Essa elite apostava em um programa de modernização da economia, que tinha como base a propriedade privada e no âmbito político ressaltava seu conservadorismo, porque somente, dessa forma, poderiam dar fim ao nacionalismo reformista, ao trabalhismo e aos tão temidos ideais comunistas.
O IPES/IBAD precisava incutir as idéias anticomunistas por meio de instrumentos que comunicassem e disseminassem essas informações. “Os canais de persuasão e as técnicas mais comumente empregadas compreendiam a divulgação de publicações, palestras, simpósios, conferências de personalidades famosas por meio da imprensa, debates públicos, filmes, peças teatrais, desenhos animados, entrevistas e propaganda no rádio e na televisão. A elite orgânica do complexo IPES/IBAD também publicava, diretamente ou através de acordo com várias editoras, uma série extensa de trabalhos, incluindo livros, panfletos, periódicos, jornais, revistas e folhetos. Saturava o rádio e a televisão com suas mensagens políticas e ideológicas. (...). O complexo IPES/IBAD também era capaz de articular e canalizar o apoio de algumas das maiores companhias internacionais de publicidade e propaganda, criando assim uma extraordinária equipe para a manipulação da opinião pública. (...) Certas empresas financeiras e industriais ligadas ao complexo IPES/IBAD se incumbiam dos arranjos financeiros, incluindo-os em suas folhas de pagamento, propiciando, assim, outra forma de financiamento indireto da ação da elite orgânica. Escritores, ensaístas, personalidades literárias e outros intelectuais emprestavam o seu prestígio, escrevendo e assinando, eles próprios, artigos produzidos nas estufas políticas e ideológicas do complexo IPES/IBAD”. (p. 232-233)
Sabe-se que o IPES possuía uma ótima relação com jornais e rádios de prestígio. Sem deixar de falar que as televisões nacionais também serviam como eficaz veículo de comunicação. É válido citar alguns jornais importantes que deram respaldo ao IPES, sendo que a maioria destes jornais apresentava algum representante ligado ou associado ao IPES: os Diários Associados, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, Diário de Notícias, o Correio do Povo e o Globo, entre outros.
Uma infinidade de jornais se colocou à disposição do IPES, dente eles: a Tribuna da Imprensa (que atuava no Rio de Janeiro e era anti- Jango e antipopulista) e as Notícias Populares ( que era destinado a atingir as classes trabalhadoras de São Paulo).
“O complexo IPES/IBAD também mantinha o controle de alguns jornais de menor importância em todo o país. (...)Trabalhos produzidos para consumo empresarial e político eram reescritos em” linguagem de dona-de-casa” por pessoas tão variadas, como Wilson Figueiredo, editor do jornal do Brasil e a romancista Raquel de Queiroz. A escritora Nélida Pinõn, que se prestava como secretária do IPES do Rio, ajudava também nos esforços da propaganda” (p. 233-234).
“Todos esses jornais também mantinham sua própria e acirrada campanha eleitoral, que beneficiava a elite orgânica. Tudo isso era ajudado pelo controle que o complexo IPES/IBAD tinha sobre as agências de notícia e canais de informações em todo o país e o seu relacionamento especial com companhias de publicidade e anunciantes (...)”. (p. 234).
Outra colaboração significativa para o IPES/IBAD foi o patrocínio de manifestos feitos por associações, categorias funcionais e profissionais, entre os que mais obtiveram destaque, encontravam-se: o “Manifesto das Classes Produtoras”, o “Manifesto à Nação”, o “Manifesto das Enfermeiras às Forças Armadas”, o” Manifesto e Carta de Princípios Democráticos do Paraná”, o “Manifesto dos Estudantes de Direito da Universidade Mackenzie” e o manifesto” Para o Brasil, para o seu Progresso e para a Felicidade de seu Povo”.
“A face política e ideológica encoberta do IPES inundava o país com a propaganda anticomunista da elite orgânica, em forma de livros, folhetos ou panfletos. Como já foi observado anteriormente, em termos de doutrina, ele se viu expressando objetivos e ideais da Aliança para o Progresso (...). As publicações que promoviam a Aliança para o Progresso e a Mater el Magistra( profundamente apoiadas na imagem projetada por J. f. Kennedy e o Papa João XXIII) serviam a dois objetivos: proporcionar à opinião pública uma mensagem suficientemente ampla para favorecer a “modernização” do regime e restrita o bastante para indispor o público contra o socialismo, o comunismo e o nacional-reformismo(...).” (p. 235-236)
Segundo Dreifuss, o rádio e a televisão são responsáveis por uma espécie de “bombardeio político e ideológico” contra o Executivo.
“A elite orgânica montou, de fato, uma eficiente e poderosa rede de relações públicas e perícia profissional nos campos de comunicação e propaganda. O IPES fez amplo uso da televisão em sua campanha contra o governo, a esquerda e o trabalhismo, apresentando programas semanais na maioria dos canais a nível regional e nacional.” (p. 245)
“O rádio era um poderoso meio de doutrinação geral e um valioso foco para se montar ações ofensivas contra o Executivo, principalmente em um país com massas pobres, sem condições de terem televisões. Além disso, sendo analfabeta uma grande proporção da população e, conseqüentemente, não atingida pelas atividades doutrinantes da imprensa escrita, o rádio transístor, relativamente barato e acessível nos mais recônditos cantos do país, representava uma ajuda considerável para a elite orgânica (...).” (p. 249)
Filmes, cartuns e charges eram outros recursos utilizados pelo IPES de forma inteligente para alcançar o público que tinha acesso à leitura e ao cinema.
“Para atingir um público grande, o IPES dependia de uma série de filmes extremamente eficazes, produzidos por ele próprio e de outras fitas às quais obteve acesso (...).” (p. 250)
Pode-se concluir que o IPES/IBAD utilizou todos os recursos que pôde para “apagar” o bloco populista da política brasileira e mesmo sem ter tido a capacidade de convencer a todos, ele obteve êxito em um aspecto relevante: conseguiu reunir as classes médias contra o governo.











Referências Bibliográficas:

DREIFUSS, René. A ação de classe da elite orgânica: a campanha ideológica da burguesia – cap. VI (p. 229-279) – In: 1964: A Conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.

O Populismo e seu Conceito segundo a visão de Francisco Weffort, Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira

Os três autores em seus textos nos mostram aquilo que seria, segundo cada um deles, o populismo Brasileiro, e procuram conceituá-lo, porém, diferem entre si, tendo explicações diversas sobre o que é o populismo e sobre o seu conceito.

Ângela de Castro Gomes, crítica à noção de populismo e sua visão sobre este conceito:
O texto de Ângela de Castro Gomes “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito” tem como objetivo principal acompanhar a trajetória do conceito populismo na produção acadêmica da história e das ciências sociais no Brasil e nos traz num primeiro momento, a explicação e conceitualização do populismo, que ao mesmo tempo é utilizado e criticado pela academia. As primeiras formulações a cerca do populismo foram feitas em meados de 1950, pelo Grupo Itatiaia, que criam o IBESP e publicam os Cadernos do nosso tempo. Um dentre os principais problemas estudados pelo grupo, é o surgimento do populismo na política do Brasil. Segundo Ângela, o ensaio “Que é o Ademarismo?” publicado em 1954, não aponta a conceituação do populismo, apesar de apresentar duas condições fundamentais para a emergência/caracterização deste fenômeno. Vale ressaltar, que nesse período, as formulações sobre o populismo estão ligadas ao desenvolvimento nacional, onde ele é visto como uma manifestação resultante da transição da economia agro-exportadora para a expansão industrial urbana, onde a existência das massas é característica. O populismo no período dos anos 40 a 60 teria duas faces indissolúveis: a econômica e a política. A partir da década de 60, o populismo passa a ser investigado para responder quais teriam sido as razões do Golpe de 64. Após 1968 seria publicado um volume de título: “Brasil: Tempos Modernos”, organizado por Celso Furtado. Já em 1974, Jaguaribe lança “Brasil: crise e alternativas”, obra destinada na primeira parte à natureza e a crise do populismo no Brasil. Em 1978 Weffort publica “O populismo e a política Brasileira”. A autora em suas palavras, diz que “Para Weffort simplificando muito, pode se dizer que o populismo é o produto de um longo processo de transformação da sociedade brasileira, instaurado a partir da revolução de 1930, e que se manifesta de uma dupla forma: como estilo de governo e como política de massas.” (p. 32)
Ainda nesse contexto, ela diz que Weffort propõe um conceito de Estado de Compromisso, onde o líder de classe dominante passa a se confundir com o próprio Estado, e a classe popular é subordinada. O apelo às massas seria utilizado para encontrar suporte e legitimidade numa crise de instabilidade política, e esta relação é a “manipulação populista”. Nesse sentido, a manipulação pode ser tanto uma forma de controle do Estado, como forma de atendimento de suas demandas. A autora diz ainda que Weffort sugere inclusive, a substituição de “manipulação” por “aliança”, e ainda, o Estado seria forte e ativo e as classes populares seriam fracas e passivas. Weffort possuía um pensamento de incompatibilidade entre transformações econômicas e mobilização social x manutenção da democracia, o que culminaria no esgotamento do regime populista. No fim do Estado Novo o enfrentamento entre as forças do pacto populista torna-se mais forte, na medida em que o movimento popular cresce de forma autônoma.
Ao citar R. C. Andrade, Ângela diz que este reafirma o controle das massas pelo Estado, mas questiona a redução do populismo a um modelo resultante de conflitos entre elites. As pressões populares não seriam espontâneas e sim ligadas à lideranças como o PC, sendo portanto, uma “manipulação incompleta”. Andrade tenta flexibilizar a idéia de manipulação e reforçar a ambigüidade existente no conceito.
Após todo um debate sobre a trajetória do conceito “populismo”, a autora passa a expor a sua idéia sobre ele. Ela seria defensora do “trabalhismo” como forma de expressão que traria uma interpretação histórica alternativa ao populismo. Em primeiro lugar ela repensa a Revolução de 30 como instauradora de 2 tempos para o movimento operário: um “heróico” e outro “alienado”. Em seu artigo a autora recusa a atribuição aos trabalhadores como passivos em relação à posição política. Desta forma, em seu estudo sobre as classes trabalhadoras seria inviabilisável utilizar o conceito “populismo”. Ângela opta por rejeitar em seu trabalho este conceito, pois acredita que ele – o conceito populismo – deve ser atualizado em cada caso de estudo histórico específico. Isto seria importante para repensar por exemplo, as razões da participação dos trabalhadores na implantação do modelo de socialismo corporativo.
A grande crítica que a autora faz, seria de que a “manipulação de massas” que tem sido uma expressão continuamente utilizada pelos estudiosos do populismo, já não pode mais ser determinante para explicar certos contextos históricos, principalmente no que diz respeito a formação da classe trabalhadora.

Conceito e aplicação do que é populismo segundo Francisco Weffort:
Por meio da leitura do texto de Francisco Weffort, entende-se por populismo a política de incorporação das massas populares urbanas realizada pelo Estado a fim de legitimar seu poder, porque esse precisava de uma base de sustentação e foi diante do contexto revolucionário de 1930, com destaque para os chamados novos grupos(classe média e burguesia industrial) que a política populista se expressou, já que essas novas classes não apresentavam uma ideologia própria e não possuíam representatividade política. Por essa razão, o Estado precisou fazer um “compromisso” com as massas populares urbanas para assegurar-se no poder.
Também é significativo destacar que a ausência das classes populares no período revolucionário não demonstra que elas tenham sido passivas ou conformadas com a realidade, muito pelo contrário, sempre exerceram pressão contra a oligarquia, possuíam um histórico de lutas e isso levou os demais grupos a temer a ação das massas por saber que poderiam representar uma ameaça a seus interesses.
“Desse modo, uma das raízes da capacidade de manipulação dos grupos dominantes sobre as massas está na sua própria debilidade como classe, na sua divisão interna e na sua incapacidade de assumir, em seu próprio nome, as responsabilidades do Estado (...).” (p. 71).
É importante mencionar que, ao mesmo tempo, que o populismo incorpora as massas, agindo o líder populista como um “protetor” do povo, esse também podia ameaçar o poder do Estado com as suas reivindicações.
“Em realidade, o populismo é algo mais complicado que a mera manipulação e sua complexidade política não faz mais que ressaltar a complexidade das condições históricas em que se forma. O populismo foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes populares mas foi também um modo de expressão de suas insatisfações(...).” (p. 62)
“(...) Esse estilo de governo e de comportamento político é essencialmente ambíguo e, por certo, deve muito à ambigüidade pessoal desses políticos divididos entre o amor ao povo e o amor ao poder (...)”. (p.63)
Getúlio Vargas foi uma grande liderança populista. O Estado Novo (1937-1945) foi uma das maiores expressões do populismo. A grande aplicação dessa política se deu no âmbito de seu conteúdo social. Vargas apostou nas iniciativas à legislação trabalhista, que consolidou-se com a CLT em 1943.
A idéia da transferência de prestígio para o líder é uma das vertentes do populismo.
“(...) Essa transferência de prestígio contém um dos elementos importantes da relação populista em geral, tanto no período ditatorial quanto na etapa democrática: o líder será sempre alguém que já se encontra no controle de alguma função pública- um Presidente, um governador, um deputado, etc, isto é, alguém que por sua posição no sistema institucional de poder, tem a possibilidade de “doar”, seja uma lei favorável às massas, seja um aumento de salário ou, mesmo, uma esperança de dias melhores.” (p. 73)
Para finalizar as considerações colocadas acerca do populismo, o trecho subseqüente demonstra que o autor considera essa política como manipuladora das massas, entretanto reconhece que é necessário analisar com cautela determinados aspectos na hora de definir esse conceito. “A noção de manipulação tanto quanto a de passividade popular, tem que ser relativizada, concretizada historicamente, para que possamos entender a significação real do populismo (...).” (p. 75)

Jorge Ferreira sobre o conceito de “populismo”:
Jorge Ferreira, em seu artigo: “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”, assim como Ângela de Castro Gomes, considera que um dos grandes formuladores do conceito “populismo” nas décadas de 50 e 60, foi Francisco Weffort, que identificava o Estado como totalitário, repressor e manipulador das massas. Na década de 70 a 80, essa visão de populismo “manipulador das massas” ainda é utilizado, porém a idéia de “satisfação” do povo pelas políticas públicas começa a ser questionado. Depois da década de 80, segundo Ferreira, alguns autores como Thompson e Gramsci trazem uma nova perspectiva, e acabam por colocar o conceito do populismo em decadência.
Ferreira, assim como Ângela, recusa-se a defender o conceito populismo, e ressalta que o uso deste conceito sempre foi utilizado equivocadamente por sociólogos e historiadores, assim como defende o conceito de “trabalhismo” que seria composto de idéias, crenças e valores dos trabalhadores.


Referências Bibliográficas:

FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In: O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

GOMES, Ângela de Castro. O Populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. In: O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

WEFFORT, Francisco. O Populismo na política brasileira. RJ: Paz e Terra, 1978.

“Aquelas Mulheres de Minas” – Questões Sobre o Texto

1. O que era a LIMDE?
Para definir o que era a LIMDE, torna-se necessário resgatar a sua trajetória surgida enquanto grupo de mulheres sem consciência organizacional e mais tarde, como uma organização feminina forte, com uma estrutura formal e com bases teórico-políticas legítimas, como veremos a seguir.
A LIMDE - Liga da Mulher Democrata - foi fundada em Belo Horizonte no final de Janeiro de 1964. Segundo o texto “Aquelas Mulheres de Minas” de Heloísa Starline, um grupo feminino mineiro, inspirado na CAMDE-RJ (Campanha da Mulher pela Democracia – que surgiu no Rio de Janeiro como conseqüência da ação do IPES-RJ), fundou a LIMDE. A LIMDE surgiu em Minas Gerais um ano depois do IPES-MG começar a perceber a necessidade de criar um organismo feminino nos moldes da CAMDE e da UCF. Porém, para o IPES-MG, seria importante que antes fossem criados mecanismos capazes de fazer parecer que essas ações políticas femininas fosse espontâneas, fruto da iniciativa propriamente feminina.
Em 1963, um ano antes da fundação oficial da LIMDE, um grupo reduzido de senhoras que ainda não se identificavam como grupo organizado ensaiou um protesto contra a visita do presidente da Iugoslávia ao Brasil. O protesto, que não teve maior impacto, tinha à sua frente a mãe do general José Lopes Bragança, um dos líderes dos “Novos Inconfidentes”. A partir desse fato a direção do IPES-MG começou a estimular a criação de um grupo feminino para atacar João Goulart. Ana Maria Lopes Bragança (cunhada do supracitado José Lopes Bragança e esposa de Elcino Lopes Bragança, membros da direção do IPES-MG) e Lydia Magon Villar, foram acionadas pela alta liderança do IPES para criar um organismo feminino semelhante ao CAMDE e a UCF.
Em Janeiro do ano de 1964, um “balão de ensaio” foi criado por um outro grupo de mulheres, que tomaram a iniciativa em um movimento de protesto contra a realização do Congresso da CUTAL em Belo Horizonte. O movimento feminino chamado “Cadeia da Família Cívica contra o Marxismo”, tinha como principal adversário o Comunismo, e estavam convencidas que o Congresso da CUTAL era uma reunião de comunistas. Este grupo promoveu um abaixo-assinado que foi levado ao governador do Estado e ao presidente, protestando contra a realização do Congresso. É importante salientar que este acontecimento, por ser de caráter inédito, recebeu grande cobertura da imprensa, o que fez com que houvesse impulso para o crescimento do movimento.
A partir desse fato, o IPES-, que via a necessidade da criação de um grupo feminino de pressão surgir com aparência espontânea, tinha o impulso inicial dado pela “Cadeia da Família Cívica contra o Marxismo”, e fruto da vontade popular. Coube então à liderança do IPES- enviar suas representantes femininas Ana Maria Bragança e Lydia Magon, para reforçarem o movimento e, principalmente, para inseri-lo estrategicamente no quadro definido pelo IPES-MG. A partir desse instante, o grupo que havia surgido de forma espontânea para impedir o Congresso da CUTAL, passou a atuar e receber orientação do IPES-, embora muitas mulheres que participavam não tinham conhecimento desse fato.
Após a vitória alcançada sobre a CUTAL, foi fundada oficialmente a LIMDE, que controlada em parte pelos interesses do IPES-, funcionava como uma espécie de “cortina de fumaça” eficaz, ocultando sua presença - do IPES- - e diluindo num conjunto maior de mulheres a participação política das esposas dos principais líderes conservadores do estado.
Sobre sua prática política, a autora do texto mostra que a LIMDE organizou seu discurso no sentido do combate ao comunismo, o qual viam como ameaçador dos três pilares da sociedade livre. Conceitos que seriam essenciais e se tornariam seu slogan: “Deus, Pátria e Família”. A autora deixa claro acreditar que as formas ideológicas utilizadas pela LIMDE eram eficazes em relação à mobilização da classe média, pois o comunismo destruiria o princípio do mito da ascensão, aspirado por essa camada da população. Na verdade, a LIMDE era presidida por senhoras da classe alta, esposas de líderes políticos, que direcionavam suas políticas de mobilização à classe média, pois necessitavam dessa “massa” para apoiar e legitimar suas ações.
Ao falar da LIMDE, outra questão que é importante salientar, é o fato do forte apelo emocional que de certa forma esse grupo feminino repassava ao povo: como mães, esposas, donas de casa, mulheres que lutam pela defesa de sua família, que “(...) falam publicamente de medo, de violência, de morte, de destruição, e que apelavam à coragem dos homens e a sua própria.” (p. 174). A imagem dessas mulheres frágeis, ainda ligadas ao modelo ideal de “mineiridade” e ao mesmo tempo ativas politicamente, lutando por ideais que antes eram tipicamente de cunho “masculino”, acaba por ser incômoda e ferir o orgulho masculino, incitando os homens à ação em nome de suas lutas. Da mesma forma, o caráter feminino em ações políticas acabou por ter grande desfecho na imprensa e atrair todos os meios de comunicação, despertados de curiosidade por suas práticas.

2. Sobre seu grau de autonomia:
O grau de autonomia da LIMDE é uma questão que merece ser discutida. Segundo Heloísa Starline, as líderes da Liga da Mulher Democrata estavam dentro da concepção de “mineiridade”, que sendo mães e donas-de-casa contribuíam com seus valores tradicionais de família, moral e religião. Elas tinham o peso ideológico e simbólico que o IPES precisava para realizar suas metas.
O IPES inicialmente encontrou dificuldades para se articular com a LIMDE, principalmente com o grupo liderado por Maria Victor Bolivar Moreira, que se considerava autônomo e lutava pela direção do movimento que pensava ter fundado. “Sobretudo era necessário que esse grupo seguisse acreditando em sua autonomia, dado que era daí que o movimento feminino obtinha seu caráter espontâneo, necessário para sua legitimação frente aos olhos da opinião pública (...)” (p.161).
Sabe-se que a LIMDE no intuito de promover suas campanhas ideológicas de conscientização precisava de uma estrutura financeira adequada para atingir seus objetivos. As contribuições eram feitas pelas sócias da entidade, porém essas mulheres que eram mães e esposas não podiam oferecer mais que 100 mil réis mensais. O estatuto da liga permitia outras formas de contribuição, como: donativos diversos e “outras fontes eventuais”. “Não restam dúvidas de que as outras fontes de recursos da LIMDE não eram tão eventuais como previam seus estatutos. O IPES- não só orientou e organizou politicamente a LIMDE, como também assistiu financeiramente a entidade, viabilizando toda a infra-estrutura necessária à mobilização das mulheres mineiras (...)” (p.166).
Um aspecto que leva à reflexão acerca da autonomia da LIMDE é que se o IPES supria a Liga da Mulher Democrata financeiramente, porque não optava por lhes entregar valores em dinheiro para que elas fizessem as aplicações onde considerassem necessário? A resposta é bem simples. Eles queriam que o mesmo que ocorria no lar ocorresse também no âmbito político, que as mulheres precisassem do aval masculino para a tomada das grandes decisões, já que quem deveria se preocupar com o destino dos recursos eram os homens, pois de acordo com suas próprias mulheres possuíam mais experiência em termos políticos. “Em outras palavras, as mulheres mineiras, na LIMDE, dependiam do IPES- para assegurarem sua própria sobrevivência política, na mesma medida em que, no espaço privado, dependiam de seus maridos para assegurarem sua sobrevivência física. Da mesma forma que à época eram consideradas, juridicamente, incapazes de compartilhar com o homem a chefia da família e eram, em função disso, assistidas e autorizadas por seus maridos, na LIMDE as mulheres dependiam da orientação, da organização e, sobretudo, da assistência financeira proveniente do elemento masculino.” (p. 167).
Pode-se concluir que o verdadeiro papel das mulheres nesse processo foi servir como base de legitimação para a atuação do IPES e como elemento essencial na desestabilização do governo Goulart e na luta contra o fantasma do Comunismo.

3. Estrutura organizativa:
Heloísa Starline apresenta em seu texto a estrutura organizativa da Liga da Mulher Democrata.
A administração da LIMDE era composta por uma diretoria de seis membros com mandatos de dois anos, tendo como presidente a famosa Maria Victor Bolivar Moreira. Ela obteve destaque e representação diante dos meios de comunicação das massas e da opinião pública. Todavia, o cargo de primeira Vice- Presidente ocupado por Ana Maria Bragança era o que tinha importância fundamental dentro da Liga, porque a estrutura interna e as finanças eram de responsabilidade da 1º Vice- Presidente. A Secretaria, a Tesouraria e a Comissão de Informações ficavam sob o comando da 1º vice, ou seja, o controle efetivo não era exercido pela presidente, a qual tinha um poder que se pode definir mais como decorativo que real.
Já a 2º Vice- Presidência, comandada por Diumira Silva Araújo controlava as comissões de menor expressão, como Alfabetização, Enfermagem e Catequese. “(...) Na prática, funcionavam apenas como uma das formas utilizadas pela LIMDE para aproximar-se de organizações beneficentes, ligadas, em especial, à Igreja Católica, e ali desenvolveram seu trabalho de arregimentação política e de disseminação ideológica, obtendo dessa forma legitimação cívico- filantrópica(...) Fundamental, no período, era a Comissão de Propaganda e Relações Públicas, encarregada da realização da parcela de responsabilidade que cabia à LIMDE no âmbito da “ caixa de ressonância” idealizada por Glycon de Paiva, Golbery de Couto e Silva e outros a nível nacional, e que, exatamente por isso, era dirigida por ninguém menos que a própria Lydia Magon.” ( p. 162- 163).
O trecho subseqüente demonstra claramente como acontecia a administração da LIMDE. “(...) Na verdade, duas questões devem ser aqui observadas para a compreensão desse problema: em primeiro lugar, o fato de que, na prática, as diretorias dos organismos femininos compunham-se de um pequeno grupo de mulheres que concentrava os poderes de planejamento e decisão em uma estrutura verticalizada, transformando a grande massa de sócias em meras executoras de tarefas, convocadas apenas nos momentos de mobilização para as ações públicas de grande porte. Em segundo lugar --- e é aqui que o problema se esclarece --- em torno desse reduzido grupo de mulheres, organizava-se um corpo de assessores masculinos, em geral composto por empresários e militantes ligados ao complexo IPES-IBAD que, dessa forma, orientava politicamente as atividades desenvolvidas pelos grupos femininos de pressão” (p. 164).
Sabe-se que os assessores masculinos eram freqüentes na LIMDE para orientar as mulheres, entretanto foi em Minas Gerais que uma mulher conseguiu tornar-se assessora de um grupo feminino e quem obteve o cargo foi ninguém menos que Lydia Magon que foi uma significativa interlocutora política, a qual acabou por representar o elo entre o IPES e a Liga da Mulher Democrata. “(...) Assim, Lydia Magon era, no interior da LIMDE, a principal responsável pela preparação ideológica e estratégica das mulheres mineiras no processo de desestabilização do governo Goulart”. ( p. 165).
É possível concluir pela leitura da obra de Heloísa que a orientação da política e da organização da LIMDE foi feita de maneira eficiente pelo IPES- e que eles não encontraram muitos obstáculos para garantir esse controle. “(...) Com efeito, esta orientação política era tanto mais intensa, se considerarmos que partia das próprias esposas dos líderes conservadores mineiros, que eram, por assim dizer, trabalhadas ideologicamente no espaço íntimo da vida doméstica diária (...)”. (p. 165).

4. Relação com o IPES Mineiro:
Como já foi discutido, ao longo deste trabalho, a LIMDE possuía ainda que de forma “mascarada”, uma grande ligação com o IPES-MG. Era pelo IPES-MG que passava em última instância a definição final das ações que deveriam ser desenvolvidas pela LIMDE. O texto ressalta que em MG a Liga da Mulher Democrata possuía oficialmente dois orientadores masculinos, que eram ligados ao IPES-“Novos Inconfidentes”. A responsável feminina pela articulação da ligação entre o IPES e a LIMDE era Lydia Magon, ocupando a Assessoria Geral da LIMDE. Na página 165 a autora confirma a ligação LIMDE-IPES: “(...) não havia maiores dificuldades para que o IPES- garantisse, de forma eficaz, a orientação política e organizacional da LIMDE, utilizando para tanto, outros instrumentos além do corpo de assessores.”
Além disso, havia a questão financeira, como já foi supracitado, o IPES- apoiava financeiramente a LIMDE, fazendo chegar à entidade tudo o que fosse necessário: “(...) Passagens aéreas, panfletos impressos, carros com alto-falantes, salas para reuniões etc.” (p. 166). Sobre a questão financeira a autora ainda conclui: “(...) os dirigentes do IPES- terminavam por reproduzir, mesmo na esfera do político, seu papel de maridos, de chefes de família, encarregados de suprir as necessidades da mulher que, eterna dependente do homem no espaço doméstico,persistia como tal na esfera do político.” (p. 167).
Vale ressaltar ainda, que para o IPES- a LIMDE representava um dos instrumentos decisivos para movimentar a massa “pequeno-burguesa”. Para concluir, o trecho seguinte mostra a relação da LIMDE com o IPES mineiro era vista pela autora: “Por conseguinte, a mobilização feminina era, na verdade, uma máquina poderosa e de longo alcance a ser utilizada pelo IPES frente a diferentes alvos, não estando limitada ao espaço de atuação político-ideológica representada pelas classes médias.” (p. 170)
Essa certa “dependência” em relação ao IPES-MG para dar sustentabilidade às ações e à própria organização da LIMDE pode ser, de certa forma confirmada, quando a autora trata do fim das atividades do grupo feminino. Segundo Heloísa, o grupo autônomo da LIMDE, dirigido por Maria Victor Bolivar Moreira, garantiu a independência da organização frente aos demais grupos femininos de pressão, bem como o fato nunca ter sido totalmente absorvido pelo projeto do IPES, e isto o manteve autônomo durante todo o período que antecedeu o Golpe de 1964, tendo como conseqüência a dissolução da LIMDE. Em certo instante, ocorreu o racha entre esse grupo autônomo e o restante da LIMDE, levando a organização à crise, onde a disputa era o controle de identidade do grupo, onde o grupo autônomo acabou por vitorioso. Depois da LIMDE entrar em recesso, buscando a recomposição de forças, as mulheres do grupo se retiraram uma a uma, até a entidade desaparecer. O IPES-MG certamente poderia ter mantido a entidade viva por mais tempo, porém também passava por dificuldades e não pode mais manter-se como base de sustentação para a LIMDE. Conclui-se essa discussão com o próprio raciocínio da autora: “(...) desfeito o lar político com o abandono do parceiro masculino, naquele momento incapaz de continuar garantindo sua manutenção, as mulheres da LIMDE regressam ao seu lar primitivo, à segurança doméstica oferecida pelos maridos, retornando melancolicamente a sua herança de silêncio.” (p. 192)


Referências Bibliográficas:
STARLINE, Heloísa. Os senhores das Gerais. Petrópolis: Vozes, 1986. (p. 151-192)