quarta-feira, 15 de maio de 2013

O SURGIMENTO DA IMPRENSA LOURENCIANA, SEU DESENVOLVIMENTO E O PIONEIRISMO DE ALEXANDER LEOPOLD VOSS


Tamara Oswald
O presente artigo traz um breve histórico do desenvolvimento da imprensa em São Lourenço do Sul, que teve como propulsor o pastor luterano livre Alexander Leopold Voss. Este trabalho, por um lado, apresenta o contexto no qual foi possível que a imprensa pudesse surgir e se desenvolver no município e, por outro, deixa claro que apesar de não serem vistos com bons olhos pelos pastores formados e por grande parte daqueles que não eram luteranos livres, havia entre os pastores-colonos, bons exemplos de pessoas cultas e dedicadas à comunidade, como é o caso do pastor Voss,
Inicialmente, é necessário dizer que a história da emancipação de São Lourenço do Sul não pode ser contada sem citar a importância de sua colonização, iniciada em 1858, graças aos esforços de Jakob Rheingantz[1], que instalou em pequenos lotes de terra neste município, colonos teutos, cuja maioria provinha da Pomerânia e, em menor número, da Renânia.
Os colonos recém-chegados, assim que se estabeleceram em seus lotes, careciam de praticamente tudo: ferramentas para o trabalho, alimentos, roupas, estradas, etc. Careciam também de locais para que pudessem professar a fé e oferecer ensino aos seus filhos. Para isso, por iniciativa própria fundaram diversas comunidades evangélicas luteranas[2]. A primeira comunidade luterana consta ter sido fundada em 1863, em um prédio que serviu de escola e templo. Ao longo dos oitocentos, outras comunidades luteranas também foram fundadas[3], todas livres e independentes.
As comunidades luteranas livres e independentes eram assim chamadas, pois possuíam autonomia religiosa entre si e também para com a Igreja Luterana da Europa. Além disso, estavam desamparadas pelo governo provincial, o qual no princípio, sequer reconhecia a legitimidade dos casamentos por elas realizados.
Para atender a igreja e a escola, os colonos escolhiam em sua própria comunidade o homem mais letrado e que pudesse, ao mesmo tempo, expressar a fé luterana e cuidar da educação[4], criando a figura do pastor-colono ou pastor livre:

Organizavam suas comunidades e escolhiam um dentre eles como pastor, o qual mais tarde foi chamado de “pseudo-pastor” por pastores com formação teológica e ordenação - a história eclesiástica mais recente fala de “pastores-colonos”. Além da realização dos ofícios religiosos tradicionais (batizados, casamentos, enterros), essas comunidades exerciam um papel muito importante na alfabetização das crianças, tarefa que, muitas vezes, também era atribuída ao pastor. (RIETH, 2009, p. 210 e 211)

No início da colonização, esses pastores-colonos tiveram extrema importância na educação e manutenção da religiosidade luterana. Por não haver pastores e professores formados designados para estas atividades, a escolha desses pastores no seio da comunidade, durante muito tempo, de uma forma ou outra, foi a solução encontrada pelos imigrantes para suprir as necessidades religiosas e a carência de escolas e educadores na colônia. Com o passar dos anos, sobretudo após a vinda dos primeiros pastores luteranos formados ao Brasil, os pastores-colonos passaram a ser mal vistos por estes. Acusavam-lhes de serem cachaceiros e jogadores, e de não terem formação suficiente para exercer as funções a eles designadas.[5]
Apesar dessa visão preconceituosa em relação aos pastores livres, muitos eram pessoas respeitadas e honradas, que levavam as coisas a sério. Em São Lourenço do Sul, ainda no século XIX, três pastores livres se destacavam, eram eles: Hermann Remde, Wilhelm Wustrow e Alexander Leopold Voss, dois deles, nomes que nos interessam no presente trabalho, sendo este último, o fundador da primeira gráfica e de dois jornais no município, contribuindo para o acesso a informação, a divulgação de ideias e o desenvolvimento, tanto na colônia quanto na cidade.
Alexander Leopold Voss, nascido em Leipzig, na Alemanha, em 21 de abril de 1845, ainda jovem chegou a São Lourenço do Sul junto com as primeiras levas de imigrantes teutos a partir de 1858. Casado com Ana Maria Elizabeth Bosenbecker, ele foi pai de 11 filhos e cedo iniciou seu trabalho no pastorado livre.
Neste período, o Império Brasileiro mostrava sinais de prosperidade e certa estabilidade política, e a circulação de ideias e informação havia aumentado consideravelmente, graças as ferrovias que ligavam as regiões mais prósperas, acelerando as trocas, as atividades comerciais, favorecendo a comunicação.[6] Em resumo, o desenvolvimento econômico e cultural era notado em praticamente todo o território brasileiro. Neste período, a colônia lourenciana também passou a desenvolver-se rapidamente, graças ao trabalho e à inteligência de seus moradores[7], e já mostrava claros sinais de prosperidade, tanto cultural quanto econômica, contando com fábricas de coches, curtumes, moinhos e serrarias, além de escolas e igrejas. Todo esse crescimento cultural e econômico foi estimulante para o desenvolvimento da imprensa no município.
Nelson Verneck Sodré, logo nas primeiras linhas da introdução de História da Imprensa no Brasil explica claramente essa relação entre desenvolvimento da sociedade capitalista, ou seja, de uma sociedade marcada pelo desenvolvimento econômico, pelo consumo, etc. e o desenvolvimento da imprensa:

Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de ideias e de informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. (Sodré, 1999, p.1)

O desenvolvimento da imprensa também acompanha o desenvolvimento cultural, influenciando o comportamento das pessoas e conduzindo a certa uniformidade, através da universalização de valores e padronização de comportamento:

Mas há, ainda, um outro traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras linguísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento. (Sodré, 1999, p.1 e 2)

Por outro lado, houve outro fator que foi determinante para o surgimento de uma imprensa em São Lourenço do Sul: a dificuldade de comunicação no próprio município e a carência de informações sobre o estado e sobre o país. Além disso, o número de imigrantes teutos nas colônias de São Lourenço do Sul, Pelotas, Rio Grande e Canguçu era enorme, havendo necessidade de um órgão comunicativo e informativo, que fosse escrito em Língua Alemã, pois a maioria dos colonos não falava nem entendia a Língua Portuguesa, utilizada em jornais da região. Foi nesse contexto, que o pastor Voss fundou a Officina Graphica EDDA e desta forma, pode iniciar a confecção do Der Bote von São Lourenço. Tanto a gráfica quanto o jornal, eram pioneiros no município.

A Officina Graphica EDDA
A Officina Graphica EDDA foi instalada na localidade de Picada Quevedos em 1892. Neste mesmo ano, em suas instalações, foi iniciada a confecção do primeiro jornal de São Lourenço do Sul, o Der Bote von São Lourenço (O Mensageiro de São Lourenço), além de outros produtos:

Durante várias décadas, não só o jornal pioneiro Der Bote Von São Lourenço era lá confecionado, como também cadernos, livros, livretos, agendas e impressos sob encomenda, feitos sempre com esmero, e, conforme sua propaganda do fim do século 19, “Pünktliche und billige” (pontuais e baratos). (HAMMES, 2010, p. 472, v. 3)

O pastor Voss veio a falecer em 1903, e tanto a Officina Graphica EDDA quanto a direção do Der Bote São Lourenço ficaram a cargo de Max Stenzel, que em 1925, deslocou todos os equipamentos de impressão da gráfica, da colônia para a cidade.
Em 1935, a Officina Graphica EDDA foi herdada por Pamphilio Ernesto Deodoro Stenzel, filho de Max Stenzel. Anos mais tarde, em 10 de julho de 1958, Ernesto Stenzel fundou o jornal Voz do Sul, que passou a ser impresso pela gráfica.
O desenvolvimento da imprensa em São Lourenço do Sul era notável, e já no século XX, a EDDA era a maior responsável por fazer circular todo tipo de material gráfico no município, desde os jornais, até livros e produtos para uso escolar e de escritório. Em O Jornal, os produtos da gráfica eram anunciados em praticamente todas as edições: “MAPAS ESCOLARES – Mappas escolares (reformados) na Off. Graph. EDDA”[8], “Papel de Carta para Senhorinhas MI-RA-DO somente a dinheiro na Off. Graph. EDDA”[9].
A importância da gráfica para São Lourenço do Sul também foi reconhecida em diversas ocasiões, por meio de elogios. Abaixo, uma nota publicada em 7 de julho de 1962, pelo jornal Voz do Sul na passagem do aniversário de 70 anos da fundação da gráfica lourenciana:

A oficina Gráfica “EDDA” festejará seu 70º aniversário de fundação, dia 25 do corrente. Já em 1892 São Lourenço ganhava impulso na arte e nas letras. Alexandre Leopoldo Voss fazia brotar uma fonte de luz e de irradiação, disseminando por esse rincão a palavra impressa como símbolo do testemunho de toda a verdade: “Der Bote von São Lourenço”. Foi Max Stenzel que firmou com perícia a alavanca das máquinas responsáveis pelas artes gráficas. Seu sucessor foi P. Friedo Stenzel. (VOZ DO SUL, 1962, p. 5)

As atividades da Officina Graphica EDDA se encerrariam com a morte de seu último dono, Pamphilio Friedo Stenzel, em meados da década de 1980. Nesta época, a Gráfica D.M. Hofstätter já estava em funcionamento no município.

Der Bote von São Lourenço e outros jornais
O Der Bote Von São Lourenço era escrito em língua Alemã e não poderia ser considerado um jornal religioso, apesar de ser escrito por um pastor. Era um semanário de pequenas dimensões (25 x 35 centímetros) e circulou entre 1892 a 1912, na colônia de São Lourenço do Sul e também nas colônias luteranas de Pelotas, Rio Grande e Canguçu. De 1892 até 1903 o jornal esteve aos cuidados do pastor Voss. Neste ano, com o falecimento do pastor, o jornal passou a ser dirigido por Max Stenzel.
Mesmo após sua morte, o pastor Alexander Leopold Voss e seus feitos, ainda era carinhosamente lembrado, principalmente durante os festejos e datas importantes. Exemplo disso é a nota de homenagem, escrita na edição comemorativa ao Dia do Colono, em O Jornal: “Dia do Colono – P. Alexandre Voss – Um dos precursores das Irmandades Evangelicas da Colonia e fundador do Jornal “Der Bote von São Lourenço”, primeiro semanário dado a publicidade neste município. A su’alma, Deus dê sempre merecida bem-aventurança.”
Em 1893, também fundado pelo pastor Voss, o Anzeiger für São Lourenço und Umgegend (Informativo para São Lourenço e Arredores) começaria a circular. Este era um jornal semanal, com 7 páginas e media 26 x 36 centímetros, sendo todo editado em Língua Alemã. É certo de que, após a fundação do Der Bote von São Lourenço e do Anzeiger für São Lourenço und Umgegend, outros jornais locais surgiriam, porém, a maioria eram impressos fora do município. De 1893 em diante, pelo menos 23 jornais locais entrariam em circulação até 1942, quando a fundação do pioneiro Der Bote von São Lourenço completava 50 anos, como mostra a tabela abaixo:
FUNDAÇÃO
NOME DO JORNAL
CONDIÇÃO
1898
O Luctador
semanal
1898
17 de Junho
-
1900
São Lourenço[10]
-
1905
O Commercio
semanal
1906
O Progresso
semanal
1906
São Lourenço
-
1908
Deutsche Post (Correio Alemão)
bissemanal
1912
Glocke von São Lourenço (Sinos de São Lourenço)
semanal
1913
São Lourenço
semanal
1915
Imparcial
semanal
1916
O Liberal
semanal
1917
O Tempo
semanal
1917
O Alfinete
semanal
1918
O Bijú
semanal
1919
Bico de Corvo
semanal
1920
Die Zukunft (O Futuro)
semanal
1921
O Esculca
semanal
1924
A Ordem
-
1925
Jornal
semanal
1930
Persevejo
semanal
1935
O Jornal
semanal
1939
A Tribuna
semanal

Tabela 1: Relação dos Jornais fundados entre 1892 e 1932 – Elaboração própria. (Fonte: HAMMES, 2010, p. 464, 465 e 466, V. 3)
Entre os fundadores destes jornais, havia outro importante nome: o pastor livre Wilhelm Wustrow. O pastor Wustrow, outro notável cidadão da colônia lourenciana, também foi responsável pela organização de um jornal. Era o Glocke von São Lourenço, jornal de circulação semanal, fundado em 1912 e editado em Língua Alemã, destinava-se principalmente à propaganda comercial.
O interessante aqui, é que o ano de fundação do Glocke von São Lourenço, é o mesmo em que o Der Bote von São Lourenço encerra suas atividades. Apesar de nesta época já existirem outros jornais locais em circulação, por ser editado em Língua Alemã, ele assumia a função informativa na colônia lourenciana, onde muitos moradores ainda não liam nem falavam o português. Apesar disso, o jornal teve curta duração, encerrando as atividades em poucos meses de circulação.[11]
Em 10 de julho de 1948, o semanário Voz do Sul começava a ser impresso pela Officina Graphica EDDA. O Voz do Sul circulou durante 16 anos, sendo neste período o único jornal de notícias locais. E 1952, o semanário deixou de ser impresso por alguns meses pela falta de papel. Na tabela a seguir estão registrados os jornais que foram impressos no município, a partir de 1950, até a o final do século XX.
FUNDAÇÃO
NOME DO JORNAL
CONDIÇÃO
1966
Lagoa
semanal
1972
O Jornal
semanal
1973
O Lourenciano
semanal
1981
Voz do Povo
mensal
1986
Correio da Lagoa[12]
mensal
1991
Tribuna Popular
mensal
1992
O Liberal
semanal
1996
Guia-Tur
bimensal
1997
A Pérola
bimensal
1997
Segunda Mão
bimensal
1998
Voz do Sul
semanal
1999
Repórter Nova Era
bimensal
Tabela 2: Relação dos Jornais fundados entre 1950 e 2000 – Elaboração própria. (Fonte: HAMMES, 2010, p. 469, 470, 471 e 482, V. 3)
Analisando os dois gráficos que, somados, representam um século de jornais impressos em São Lourenço do Sul, podemos perceber que um até 1950 houve um verdadeiro “surto” de jornais locais em circulação: em apenas 50 anos mais de 20 jornais foram fundados no município.
Depois de 1950, o surgimento de jornais locais diminuiu gradativamente, mas ainda assim, somavam 12 os jornais fundados neste período. Dadas essas informações, é necessário salientar que apenas três jornais, ao longo da história da imprensa no município, conseguiram manter suas atividades regulares por mais de 10 anos. São eles o pioneiro Der Bote von São Lourenço, que circulou 20 anos (1892-1912), o Voz do Sul, foi impresso por 16 anos (1948-1964) e O Lourenciano, que foi fundado em 1973 e mantém suas atividades até hoje, completando 40 anos circulando no município.

Considerações finais:
É notória, no caso de São Lourenço do Sul, a importância do desenvolvimento da imprensa escrita com a criação de uma gráfica local, ainda no final do século XIX, que trouxe consigo a criação de diversos jornais no município, facilitando o acesso a informação tanto por parte dos colonos teutos – que na nova terra clamavam por um veículo de comunicação em sua língua-mãe – quanto dos demais moradores da região, que até então tinham dificuldade de acesso a informações vindas de fora do município.
Também é notória, a importância dos jornais para a história dos homens. Eles trazem os mais variados tipos de informações a respeito do cotidiano das pessoas. Anúncios comerciais, atas públicas, editais, registros de festejos e da vida social, notícias sobre acontecimentos locais ou não, etc.
No caso de São Lourenço do Sul, o grande número de jornais locais que circularam desde entre o final do século XIX e o século XX, torna-se importante para a escrita da própria história do município que ainda carece de preencher muitas lacunas. Esses jornais são fontes riquíssimas de informações do crescimento de São Lourenço do Sul, pois andaram lado a lado com o desenvolvimento econômico, social e cultural da região.
Infelizmente, os poucos e raros exemplares de alguns desses jornais locais, encontram-se em péssimo estado de conservação no acervo do Arquivo Histórico Municipal, necessitando urgente de restauração e digitalização, para que o pouco que resta não acabar destruído pelo tempo. A péssima conservação e o escasso número desses jornais foi uma das principais dificuldades na escrita desse artigo, no que diz respeito a dados mais completos.
No que diz respeito ao pioneirismo do pastor Alexander Leopold Voss na fundação da primeira gráfica lourenciana e na confecção do primeiro jornal do município, devemos destacar não só a sua importância como também a contrariedade a algumas ideias que na época circulavam, de que os pastores livres não possuíam as menores condições de exercer o pastorado e de que eram homens desonestos e incapazes. O pastor Voss era, por certo, um empreendedor e notável referência entre os colonos e entre os demais moradores de São Lourenço do Sul, sendo reconhecido por todas as gerações que o sucederam.
Cabe dizer ainda, que os esforços dos colonos quando em São Lourenço do Sul se instalaram, trouxeram resultados acelerados, tanto na questão econômica com a criação de pequenas fábricas e curtumes quanto na questão social e cultural, organizando escolas, igrejas, sociedades recreativas, etc. Essas organizações proporcionaram um ambiente favorável à circulação das ideias e à necessidade do desenvolvimento de uma imprensa informativa local.


Referências Bibliográficas:
CEM ANOS DE GERMANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL – 1824-1924. –Hunder Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul (1824-1924). Trad. Por Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000.
COURACY, Vivaldo. A colônia de São Lourenço e seu fundador Jacob Rheingantz. São Paulo: Oficinas Gráficas Saraiva, 1957.
DREHER, Martin. História do Povo Luterano. São Leopoldo: Sinodal, 2005.
HAMMES, Edilberto Luiz. São Lourenço do Sul: Radiografia de um município – das origens ao ano 2000. 4 Volumes. São Leopoldo: Studio Zeus, 2010.
PINSKY, Carla Bassanezi. (organizadora) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006,
RIETH, Ricardo Willy. Raízes Históricas e Identidade da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 9, n. 2, julho/dezembro de 2009. Disponível em: http://www.est.edu.br/periodicos/index.php/estudos_teologicos/article/view/83/77, Consulta em: 22/08/2012.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.


Lista de Fontes: 
A TRIBUNA. Um jornal independente, de propaganda do Estado Novo e de defeza dos interesses gerais de São Lourenço. Direção: Darcy Compson Coimbra Di Calafiori. São Lourenço do Sul: Officina Graphica EDDA, 1939-1940. Disponível no acervo do Arquivo Histórico Municipal.
DER BOTE VON SÃO LOURENÇO. Pioneiro Jornal de São Lourenço, editado em língua alemã. Direção: Alexander Leopold Voss/Max Stenzel. São Lourenço do Sul: Officina Graphica EDDA, 1892-1912. Disponível no acervo do Arquivo Histórico Municipal.
JORNAL. Direção: Deodoro Friedo Stenzel. São Lourenço do Sul: Officina Graphica EDDA, 1925-1934. Disponível no acervo do Arquivo Histórico Municipal.
O JORNAL. Direção: Ernesto Deodoro Friedo Stenzel. São Lourenço do Sul: Officina Graphica EDDA, 1935-1936.  Disponível no acervo do Arquivo Histórico Municipal.
RHEINGANTZ, Carlos G. Die Gründung der Kolonie São Lourenço und ihr Gründer Jakob Rheingantz. Porto Alegre: Cäsar Reinhardt, 1907.



[1] CEM ANOS DE GERMANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL – 1824-1924, 2000, p. 07. 
[2] O Luteranismo é um dos ramos do Cristianismo, fundado por Martinho Lutero, reformador da Igreja Católica na Alemanha. No Brasil, teve seus primeiros fiéis de forma mais expressiva a partir de 1824, com a vinda dos primeiros imigrantes teutos.
[3] Outras comunidades livres e independentes, fundadas ainda nos oitocentos foram a de Bom Jesus e de Harmonia II, em 1868, a Igreja São Lucas, de Sesmaria, em 1872, a Igreja São Paulo, de Taquaral em 1891, e a Igreja Evangélica de Gusmão em 1883.
[4] Quando se constituíram as primeiras comunidades luteranas no Brasil, os imigrantes luteranos trouxeram consigo a convicção de que a escola fazia parte de uma das tarefas precípuas da comunidade. Havia 300 anos que Lutero incentivara pais, prefeitos e vereadores a mandarem filhos às escola, construírem e manterem escolas. A escola seria um importante instrumento para que se cumprisse a vocação do cristão no mundo. (DREHER, 2005, p. 72)
[5] CEM ANOS DE GERMANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL – 1824-1924, 2000, p. 527. 
[6] PINSKY, Carla Bassanezi  (organizadora). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 136.
[7] CEM ANOS DE GERMANIDADE NO RIO GRANDE DO SUL – 1824-1924, 2000, p. 562.
[8] JORNAL, 24 de novembro de 1927, p. 3.
[9] JORNAL, 14 de dezembro de 1927, p. 3.
[10] Existiram três jornais com o nome “São Lourenço”, mas todos circularam em períodos diferentes e com diferentes donos.
[11] Não foram encontradas referências que indicassem a data do último exemplar a circular no município.
[12] O Correio da Lagoa foi o primeiro jornal do município impresso em cores.

FICHAMENTO DO TEXTO: "A HISTÓRIA CULTURAL: ENTRE PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES", DE ROGER CHARTIER

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 


- Nos anos 60 e 70, a história era então institucionalmente dominante e se encontrava intelectualmente ameaçada. (p. 13)
- O desafio lançado à história pelas novas disciplinas assumiu diversas formas, umas estruturalistas, outras não, mas que no conjunto puseram em causa os seus objetos – desviando a atenção das hierarquias para as relações, das posições para as representações – e as suas certezas metodológicas – consideradas mal fundadas quando confrontadas com as novas exigências teóricas. (p. 14)
- A resposta dos historiadores foi dupla. Puseram em prática uma estratégia de captação, colocando-se nas primeiras linhas desbravadas por outros. (p. 14)
- Nessa captação não pôs-se de lado nada da base do sucesso da disciplina, determinado pelas renovações audaciosas do tratamento serial dessas fontes massivas (registros de preços, registros paroquiais, etc.). (p. 15)
- A investigação da cultura popular, os números e a quantificação, a longa duração, a divisão social, os fatos da mentalidade são características da história cultural, que conciliou novos domínios de investigação com fidelidade aos postulados da história social, como estratégia da própria disciplina. (p. 15)
- A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam  a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. (p. 17)
- As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. (p. 17)
- As lutas de representações tem tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. (p. 17)
- Os debates recentes entre os defensores da micro-história ou dos estudos de caso e os da história sociocultural serial, herdeira direta da história social, ilustram bem essa polarização construtiva do campo das ciências sociais. (p. 18)
- A noção de representação coletiva, entendida no sentido que lhe atribuíam, permite, conciliar as imagens mentais claras com os esquemas interiorizados, as categorias incorporadas, que a gerem e estruturam. (p. 19)
- Dessa forma, pode pensar-se uma história cultural do social que tome por objeto a compreensão das formas e do motivos que, à revelia dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse. (p. 19)
- Será necessário identificar como símbolos e considerar como simbólicos todos os signos, atos e objetos? (p. 19)
- Propomos que se tome o conceito de representação num sentido mais particular e historicamente mais determinado. A representação como dando a ver uma coisa ausente, distinguindo o que representa e o que é representado, a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou alguém. (p. 20)
- A representação é instrumento de conhecimento mediato, que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é. (p. 20)
- Port-Royal coloca os termos de uma questão histórica fundamental: a da variabilidade e da pluralidade de compreensões (ou incompreensões) das representações do mundo social e natural propostas nas imagens e textos antigos. (p. 21)
- (...) é necessário inscrever a importância crescente adquirida pelas lutas de representações onde o que está em jogo é a ordenação, logo a hierarquização da própria estrutura social. (...) a história cultural pode regressar utilmente ao social, já que faz incidir a sua atenção sobre as estratégias que determinam posições e relações e que atribuem a cada classe, grupo ou meio um ser-apreendido constitutivo da sua identidade. (p. 23)
- A representação pode ser construída a partir das acepções antigas. (p. 23)
- A definição de história cultural pode, nesse contexto, encontrar-se alterada. Por um lado, é preciso pensá-la como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço. (p. 27)

FICHAMENTO DOS CAPÍTULOS 1 - "UMA HISTÓRIA PRESENTE", DE RENÉ RÉMOND, e 7 - "A MÍDIA", DE JEAN-NOËL JEANNENEY, DO LIVRO INTITULADO "POR UMA HISTÓRIA POLÍTICA", DE RENÉ RÉMOND

RÉMOND, René. Por uma história política. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora PGV, 2003. (p. 13-36 e 213-225)

Capítulo 1 – Uma História Presente – René Rémond

- Existe uma história da história que carrega o rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do movimento das idéias. E por isso que as gerações de historiadores que se sucedem não se parecem (...). (p. 13)
- Era inevitável que o desenvolvimento da história econômica ou social se fizesse às custas do declínio da história dos fatos políticos (...). (p. 14)
- (...) a explicação dessas oscilações está na relação entre a realidade observada e o olhar que a observa. (p. 14)
- A renovação que há meio século marcou tão profundamente na França a disciplina histórica teve como alvo principal e primeira vítima a história política. (p. 15)
- Desejosa de ir ao fundo das coisas, de captar o âmago da realidade, a nova história considerava as estruturas duráveis mais reais e determinantes que os acidentes de conjuntura. (p. 16)
- A história política apresentava uma configuração que era exatamente contrária a essa história ideal. Estudo das estruturas? Ela só tinha olhos para os acidentes e as circunstâncias mais superficiais (...). (p. 16)
- A função do historiador é interrogar e formar hipóteses explicativas sobre os fatos, enquanto a história política permanecia narrativa, linear. (p. 17)
- A história política era elitista, aristocrática, condenada pelo ímpeto das massas e o advento da democracia. Anedótica, individualista, essa história incorria ainda no erro de cair no idealismo. (...) reunia assim todos os defeitos do gênero de história do qual uma geração almejava encerrar o reinado e precipitar a decadência.  (p. 18)
- Barrès: A política em si não passava de uma pequena coisa na superfície do real: a verdadeira realidade não estava ali. (p. 19)
- As novas orientações da pesquisa histórica estavam em harmonia com o ambiente intelectual e político. O advento da democracia política e social, o impulso do movimento operário, a difusão do socialismo dirigiam o olhar para as massas.
- Marx e Freud, cada um à sua maneira e por vias diferentes, contribuíram igualmente para acabar com o prestígio da história política. (p. 20)
- O Estado jamais passa de instrumento da classe dominante; as iniciativas dos poderes públicos, as decisões dos governos são apenas a expressão da relação de forças. Ater-se ao estudo do Estado como se ele encontrasse em si mesmo o seu princípio e a sua razão de ser é portanto deter-se na aparência das coisas. (p. 20)
- Há duas ou três décadas, esboçaram-se os sinais anunciadores, e depois multiplicaram-se as manifestações de um retorno com força total. (p. 21)
- A história de fato não vive fora do tempo em que é escrita, ainda mais quando se trata da história política: suas variações são resultado tanto das mudanças que afetam o político como das que dizem respeito ao olhar que o historiador dirige ao político. (p. 22)
- (...) a política tinha uma incidência sobre o destino dos povos e as existências individuais; contribuíram para dar crédito à idéia de que o político tinha uma consistência própria e dispunha mesmo de uma certa autonomia em relação aos outros componentes da realidade social. (p. 23)
- Outra coisa atuou no mesmo sentido para reintegrar os fatos políticos ao campo de observação da história: a ampliação do domínio da ação política com o aumento das atribuições do Estado. (p. 23)
- À medida que os poderes públicos eram levados a legislar, regulamentar, subvencionar, controlar a produção, construção de moradias, a assistência social, a saúde pública, a difusão da cultura, esses setores passaram, uns após os outros, para os domínios da história política. (p. 24)
- Algumas pessoas passaram assim alegremente da constatação de que o político está em toda parte à idéia de que tudo é político. (p. 25)
- O movimento de 1968 não contribuiu pouco para conduzir o político ao primeiro plano da reflexão. (p. 26)
- Charles Seignobos foi um dos primeiros a se dar conta de dois fatos importantes cuja constatação foi determinante nas origens da sociologia eleitoral: a diversidade dos temperamentos políticos regionais e a antiguidade de seu enraizamento. (p. 27)
- (...) a história política deve bastante às trocas com outras disciplinas: sociologia, direito público, psicologia social, e mesmo psicanálise, lingüística, matemática, cartografia e outras de que esqueço. (p. 29)
- A ciência política, conjugando seus efeitos com a sociologia, obrigou o historiador a formular perguntas que renovam as perspectivas. (p. 30)
- Um dos atributos de que a história à nova maneira se orgulha mais legitimamente, um de seus títulos para pretender à cientificidade, é o de basear-se numa massa documental que ela trata estatisticamente. (p. 32)
- Durante muito tempo censurou-se a história política por só se interessar elas minorias privilegiadas e esquecer o povo, as multidões, as massas, o grande número. (p. 33)
- Uma terceira característica manteve durante muito tempo a história política afastada (...). Comparada às histórias da população, da instituição familiar, do trabalho, dos costumes e crenças, que tinham todas por objeto os fenômenos cuja evolução estava ligada a longa duração, a história dos fatos políticos aparecia como uma história do efêmero e do instante. (p. 34)
- As pesquisas sobre o abstencionismo, os estudos sobre a socialização, as investigações sobre o fato associativo, as observações sobre as correspondências entre prática religiosa e comportamento eleitoral contribuem para ressaltar tanto a variedade quanto a força das interações e interferências entre todos esses fenômenos sociais. (p. 36)

Capítulo 7 – A Mídia – Jean-Noël Jeanneney
- No front da história política renovada, o setor dos meios de comunicação não é o mais ardorosamente trabalhado. (p. 213)
- A história da imprensa escrita carrega assim de saída o handicap de um desequilíbrio da documentação: de um lado a massa imensa de papel impresso e, em contraste, uma mediocridade geral dos arquivos de empresas que permitiriam descrever a instituição do jornal, suas finanças, seus métodos de recrutamento, suas ligações cotidianas com os diferentes poderes. (p. 214)
- Se nos voltamos para a imprensa audiovisual, a situação é ainda piro: pois são muito mais difíceis – ao mesmo tempo dispendiosas e penosas – a conservação e a consulta dos arquivos de imagem e de som. (p. 215)
- Durante muito tempo, a curiosidade concentrou-se nesta pergunta simples: qual é a influência da mídia sobre a opinião pública e quais são os meios de que o Estado, os governantes, os partidos políticos, os grupos de pressão dispõem para pressionar a imprensa escrita, falada ou televisiva e, através dela, a opinião pública? (p. 215)
- É certo que a imprensa desempenha um papel na evolução dos comportamentos políticos – e, mais violentamente, dos votos -, mas os dirigentes tendem espontaneamente a exagerar muito isso. (p. 216)
- (...) bem sabemos que em história política uma idéia falsa vira depressa um fato verdadeiro. (p. 218)
- Sobre a verdade da influência dos poderes públicos e dos diversos grupos de pressão sobre a mídia, duas abordagens são possíveis e complementares. A primeira consiste em estudar, no tocante à imprensa escrita, o dinheiro mais ou menos oculto que a irriga. (p. 219)
- A segunda abordagem corresponde a uma visão mais fisiológica das coisas. (p. 220)
- A novidade introduzida pelos socialistas foi colocar o rádio e a televisão públicos a serviço da nação inteira e não de um governo ou uma maioria – sempre passageiros, na democracia. (p. 220 e 221)
- A eloqüência dos políticos foi certamente modificada por isso – a forma, a expressão, o vocabulário e a sintaxe, e talvez também seu gestual, sua maneira de se vestir e de se mover... (p. 221)
- É preciso sobretudo prestar atenção aos vínculos múltiplos que aproximam os atores da mídia de todos os outros. (...) Essas observações referem-se ao conjunto dos produtores da informação. Mas o estudo do produto tampouco deve ser esquecido. (p. 222 e 223)
- Para concluir, tomemos cuidado: o estudo das relações de poder, conflitantes ou convergentes, entre os meios de comunicação e o Estado, entre os meios de comunicação e a nação como um todo, não deve se furtar a considerar as instituições de comunicação em si mesmas. (p. 224)

FICHAMENTO DO CAPÍTULO INTITULADO "MICRO-HISTÓRIA", DE HENRIQUE ESPADA LIMA, DO LIVRO "NOVOS DOMÍNIOS DA HISTÓRIA", ORGANIZADO POR CIRO FLAMARION CARDOSO E RONALDO VAINFAS

LIMA, Henrique Espada. Micro-História, in: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

- O capítulo tenta localizar o debate e seus protagonistas e compreender o significado da micro-história e suas transformações;
Quem faz o debate e da onde surge?
- Tem seus contornos iniciais na Itália dos anos 70 e 80 e é articulado com a história social do país. (p. 207)
- Em 1950 há uma internacionalização da pesquisa histórica e da mobilidade dos pesquisadores: inicia uma troca historiográfica entre a França e a Itália e entre 1950-1960 a história social na Itália é construída com bases de interesse pela historiografia internacional e diálogo com as ciências sociais. Ao mesmo tempo, triunfaram os grandes modelos interpretativos das Ciências Sociais. (p. 208)
- Conseqüência do diálogo com as Ciências Sociais: a multiplicação de estudos sócio-históricos, demográficos e econômicos, baseados em pesquisas quantitativas e seriais que exercem impacto sobre os métodos e temas dos historiadores. (p. 208)
- História marcada pela aproximação “científica”, “quantitativa” e “estrutural” do passado, e pelo “questionário” que seria completo para enfrentar os desafios interpretativos da compreensão do presente e da história. Essa idéia é compartilhada pelos marxistas e liberais. (p. 209)
- Na Itália, a relação da historiografia com as matrizes da história social não era homogênea. Ex: Aproximação com os Annales. Ainda que Braudel e os grandes modelos interpretativos ocupassem a discussão dos historiadores, a permanência dessas estruturas era questionada. Outro exemplo, é o interesse dos italianos pelo debate inglês da história social. (p. 209)
- A agenda política do operariado industrial soma-se à intensificação de outras agendas políticas: lutas anti-coloniais, anti-racistas, movimentos feministas, estudantis, etc. Esse quadro político cultural é vivido intensamente na Itália. (p. 210)
- Resultado desse momento no campo da história social: multiplicação de temas e “explosão de história”. (p. 210)
- A origem única para a micro-história não pode ser apontada. No caso da Itália são diversos fatores: circulação de pesquisadores, livros e idéias, criação de áreas de pesquisa nas universidades, nascimento de revistas... (p. 210)
- Revistas: Storia d’Italia (1972): Ruggiero Romano e Corrado Vivanti, formados na França e ligados aos Annales; Quaderni Storici (1970): Contava com nomes como Edoardo Grendi, Geovani Levi, Carlo Ginzburg, Luisa Accoli, Carlo Poni... (p. 211)
- Quaderni Storici traz debates da história social em temas clássicos, como modelos econômicos e história agrária, e também em novos temas, como a história da família, da comunidade, demografia histórica, folclores, cultura material, história e antropologia e história oral. (p. 211)
- Edoardo Grandi traz um artigo denominado “Micro análise e História Social”, publicado em 1977. É o primeiro momento em que descreve mais claramente uma proposta metodológica em torno da idéia de microanálise social.
- Grendi dizia que a história social necessitava levar a sério a lição da antropologia, voltada para a análise das relações sociais, políticas e culturais, a partir da referência empírica recolhida na observação direta.
- Embate: recusa ao uso anti-histórico de categorias analíticas como “classe” (marxista) e “mercado” (liberal).
- Crítica aos modelos interpretativos da transformação histórica definidos por uma hierarquia de relevâncias predefinidas. (p. 213)
- Insatisfação com os modelos da história econômica e com o Marxismo, que marcava as interpretações sobre a transformação social e lógica das associações sociais. (p. 213)
- A partir de 1970, alguns historiadores passam a dar conteúdo empírico ao tema da microanálise histórica. (p. 213)
- 1979 - Carlo Poni e Ginzburg: “O nome e o como: troca desigual e o mercado historiográfico.” Artigo para os Annales. (p. 213)
- Os autores italianos atribuíam o interesse crescente pela micro-história, pois os grandes modelos interpretativos da história social foram colocados sob suspeita pelas transformações políticas e sociais. (p. 213)
- A micro-história aparecia como uma resposta a essas insatisfações, aceitando o desafio de construir uma história impregnada de Antropologia, voltada a investigar as dimensões negligenciadas pela experiência história. (214)
- 1979, em “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, Ginzburg discutia a emergência de um paradigma científico alternativo nas Ciências Humanas do século XIX. A História, que estava ligada a elementos singulares, individuais e irrepetíveis, se contrapunha à física e ciência moderna, cujo conhecimento científico era representado pelas regularidades e universalidades.
- Livro “O queijo e os vermes” é um exemplo de micro-história.
- No fim da década de 1970, a micro-história toma forma como uma frente diversificada de investigação, diferente de uma “escola” ou “proposta metodológica”. Faltava preenchê-la.
- 1981 - Carlo Ginzburg e Giovanni Levi: “Microstorie”. Propunham a micro-história a partir de uma chave plural e amplamente experimental. Ênfase na complexidade da realidade cuja análise atenta seria capaz de produzir tanto quadros interpretativos quanto objetos novos de investigação. (p. 215)
- 1985 - Givanni Levi: “Herança Imaterial”, publicado na mesma coleção, mobilizava uma pesquisa empírica aliada a uma problematização sofisticada em intercâmbio com a antropologia social e econômica e a história social, em diálogo com diversos autores. (p. 217)
- Uma das marcas da análise proposta por Levi encontrava-se na atenção sobre as “estratégias” de indivíduos e grupos, seu uso consciente (ainda que limitado) dos recursos materiais e imateriais, sua capacidade de agir nos interstícios e descontinuidades dos sistemas normativos e das estruturas sociais. (p. 217)
- Micro-história nunca adquiriu um prestígio tão grande na Itália como angariou em outros lugares. (p. 218)
- O reequilíbrio das trocas historiográficas introduziu o debate da micro-história em um horizonte mais amplo de rediscussão da história social, sobretudo a partir da década d 1980. (p. 219)
- Na França, a recepção da micro-história foi marcada pela colaboração mais próxima e pelo interesse recíproco marcado pela discussão sobre a microanálise social e suas dimensões metodológicas.
- Jacques Revel foi um dos responsáveis pelo trânsito historiográfico entre a França e a Itália na década de 1980.
- Revel reconhecia a pretensão intelectual da micro-história de recusa à compreensão do “social” ou do “contexto”, como se queira (social, cultural ou outro) – como uma realidade de contornos previamente definidos e estruturados, que o historiador reconhece e na qual deve simplesmente encontrar o lugar coerente do seu objeto de pesquisa. (p. 219)
- A pretensão estava exatamente em “revelar” por intermédio do estudo intensivo em escala a reduzida da trama fina do tecido social, dimensões desconhecidas desse “contexto” e da dinâmica completa das suas transformações. (p. 219)
- Escala: conceito de um antropólogo que passa a ser utilizado. A alteração controlada da escala de observação poderia ser uma operação que permitiria colocar em relevo e explorar em detalhe aspectos fundamentais de um problema de pesquisa de qualquer dimensão. (p. 219)
- Jogo de escalas proposto pela micro-história é ponto crucial de sua capacidade de renovar métodos e objetos de investigação. (p. 219)
- Jogos de escalas - Giovani Levi – questões e posições comuns à micro-história: redução da escala, debate sobre racionalidade, pequena indicação como paradigma científico, papel do particular, atenção à capacidade receptiva e à narrativa, definição específica do contexto e rejeição ao relativismo.
Micro história e suas transformações:
- De início, a micro-história pretendia insurgir contra as simplificações  totalizantes de uma história social, queria dar atenção aos grupos marginais. Seu programa original foi alterado incorporando novas questões.
- Levi: capacidade de a micro-história produzir perguntas capazes de serem transportadas para contextos espaciais e temporais distintos.
- 1980: micro-história entra no debate brasileiro.
- Sua proposta sempre foi a de considerar a realidade histórica de um modo mais rico e complexo, olhando aspectos da realidade em escala reduzida, com novas perguntas e novas respostas, qualificar a compreensão geral dos processos e ampliar limites do poder histórico.

FICHAMENTO DO CAPÍTULO 7: "A VENDA DE ESPOSAS", DO LIVRO "COSTUMES EM COMUM", DE E. P. THOMPSON

THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Capítulo 7 – A venda de esposas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 305 – 348)

- 1850: Nenhum inglês queria lembrar de uma prática tão bárbara; The book of days (1878): coloca a “culpa” na população rural; Franceses representavam os ingleses com brutalidade. (p. 305)
- As fontes para o estudo são enigmáticas e opacas; Tanto no The book of days e no The mayor of Casterbridge os relatos não mostram ritualização e sim a compra direta de um bem. (p. 306)
- Thompson encontra 300 casos; Menefee encontra 387 casos; Os dois compartilham da redefinição do ritual de venda de esposas como uma espécie de divórcio; Menefee escreve o texto como aprendiz de etnógrafo, sem conhecimento do contexto social histórico. Alguma parte do seu material é contraditório e irrelevante. (p. 307)
- Thompson coleta 300 casos e rejeita 50, resultando em 250 casos. Menefee coleta 387 casos, mas destes, Thompson considera “confiáveis” apenas 300. Na somatória das duas coletas, aproximadamente 150 casos se repetem nas descrições dos dois autores. Então a somatória final de casos equivale a aproximadamente 400. (308)
- Os primeiros exemplos não fornecem nenhuma evidência quanto à natureza da prática. (p. 308)- Aparentemente havia duas formas principais de realizar a venda de esposas. A primeira forma era em praça pública e a segunda forma, em uma taverna. A segunda forma substitui a primeira em 1830-1840 (p. 309)
- Quando a venda de esposas se tornou visível e relevante à classe média e ao público refinado para que fosse digna de uma nota na imprensa? Talvez a resposta esteja relacionada com as mudanças na consciência social, nos padrões morais e nos valores. Na imprensa se tornou freqüente no início do século XIX.  (p. 309)
- Mas há razões para crer que antes de 1790 a venda de esposa já fosse praticada. O costume foi pouco noticiado, pois não era considerado digno de registro. O silêncio pode ter ocorrido por ignorância e indiferença a um costume tão comum que não exigia comentários ou aversão. (p. 310)
- O clímax de vendas parece ser na década de 1830, porém, não podemos confiar nesses dados, pois o ritual já acontecia muitos anos antes, porém não era tão noticiado. (p. 310)
- Os casos de vendas de esposas se espalham por diversas regiões. (p. 311)
- O consenso da opinião esclarecida na metade do século XIX era de que a prática existia apenas nas camadas populares, principalmente nas zonas rurais afastadas. (p. 312)
- Os casos que ocorriam nas classes mais elevadas recebiam duras críticas da imprensa. As mulheres eram descritas mais pela aparência do que pela ocupação. (p. 313)
- Trocas eram feitas por cerveja, animais (burro, cachorro), e dinheiro (xelins); Algumas notícias são abreviadas, outras são sensacionalistas e de forma bem completa. (p 314)
- Formas rituais da venda de esposa:
a) A venda deveria ocorrer numa praça de mercado ou outro local de comércio. Se não fosse em um desses locais, talvez a venda não fosse reconhecida perante a sociedade e tornava-se ilegal. (p. 315 e 316)
b) Venda precedida por anúncio público. (p. 316)
c) A corda era essencial para o ritual. Presa no pescoço ou na cintura. A corda era um elemento para transferência legal. (p. 316)
d) No mercado deveria haver uma espécie de leiloeiro. Podia ser o marido, um funcionário do mercado, etc. Leiloeiro muitas vezes elaborava elogios à mulher. (p. 318)
e) Deveria haver troca de algum dinheiro, não interessando o valor. (p. 320)
f) No momento da entrega da corda às vezes se faziam juramentos parecidos ao de uma cerimônia de casamento. (p. 320)
- Muitas vezes se confeccionavam documentos, que eram guardados como certidões, como prova de respeitabilidade. (p. 321)
- Para a moral cristã a venda de esposas era altamente ilegal e imoral e tinha tendência a menosprezar o matrimônio. (p. 322)
- O autor diz ter de retirar a venda de esposas da categoria de uma brutal venda de gado e colocá-la na categoria de uma espécie de divórcio seguido de novo casamento. (p. 323)
- O consentimento da esposa era condição necessária para a venda. Muitas vezes, apesar da venda ser feita em um aparente leilão, o comprador já havia sido predeterminado e já era o amante da esposa. (p. 323)
- Pergunta: se tanto a esposa como o marido podiam de vez em quando recorrer à fuga e ao abandono do lar, por que os dois ainda achavam necessário passar pelo ritual público (e vergonhoso) da venda?
- Autor classifica os dados:
a) Sem o consentimento da esposa: Não estou sugerindo que as esposas não fossem às vezes vendidas sob coerção, mas que, se elas claramente repudiavam a transação, a venda não era considerada válida de acordo com a tradição e a sanção dos costumes. (p. 328)
b) Com o consentimento da esposa: Relatos de esposas felizes. (p. 329)
c) Sem informação: Sem informação sobre o consentimento das esposas. (329)
d) Divórcio arranjado: Casos em que as esposas foram vendidas aos seus parentes. (p. 329)
e) Esposa vendida ao amante: Nenhum caso explícito. (p. 330)
- Havia certa burocracia no ritual: consentimento da mulher, má conduta, comprador deveria ser solteiro, matrimônio em crise. (p. 331)
- O ritual da venda de esposa era provavelmente uma “tradição inventada”. Talvez só tenha sido inventada no final do século XVII, e possivelmente até mais tarde. Sem dúvida, havia exemplos de venda de esposas antes de 1660, mas não sei de nenhum caso que forneça evidência clara do leilão público e da corda. (p. 333)
- Isso não sugere um costume antigo de origem esquecida ao longo dos séculos, mas a pressão de novas necessidades que buscavam um ritual para se expressarem. A venda de esposas surgira como conseqüência das guerras, com a separação e as ovas ligações amorosas que daí advinham. (p. 333)
- Condições para a venda, que era mais plausível que um divórcio formal: declínio da vigilância da Igreja e seus tribunais sobre a conduta sexual; consentimento da comunidade plebéia em relação à culta; autoridade civil distanciada, desatenta ou tolerante. (p. 334)
- Não havia divórcio possível para o povo inglês ou galês. A venda era uma alternativa. (p. 334)
- Por vezes a venda de esposas tem sido apresentada como um ritual de brutalidade. Mas a cultura plebeia, crédula e supersticiosa tinha em alta os rituais e as formalidades. (p. 335)
- O ritual da venda muitas vezes amenizava as críticas da comunidade. (p. 336)
- O público presente também tinha um papel. Como se fosse uma peça de teatro aprovavam ou reprovavam o acontecimento. (p. 339)
- Magistrado do século XIX sobre a venda de esposas: “quanto ao ato da venda em si, acho que não tenho o direito de impedi-la [...] porque está fundamentada num costume preservado pelo povo, do qual seria talvez perigoso privá-lo.” (p. 340)
- A partir de 1830 a prática começa a declinar. Talvez por uma maior interferência dos magistrados e também por ter declínio na legitimidade popular. A antiga cultura plebeia estava perdendo a autoridade interna, tendo que lidar com incertezas quanto às suas próprias sanções e códigos. (p. 341)
- Crítica feminista ao trabalho de Thompson: O meu título, “A venda de esposas”, levara o público a esperar uma pesquisa erudita sobre mais um exemplo da miserável opressão das mulheres. Mas o meu material não se ajustava (e não se ajusta) exatamente a esse estereótipo. (p. 344)
- Mesmo se redefinirmos a venda das esposas como divórcio consentido, era a troca de uma mulher entre dois homens. Mas as vendas não precisavam favorecer o marido. (p. 345)
- Nessas comunidades proto-industriais, as relações entre os sexos estavam passando por mudanças. Ainda não é apropriado usar um vocabulário de “direitos”; talvez “valor” ou “respeito” sejam os termos de que precisemos. (p. 346)
- Quanto às mulheres: Talvez não fossem os “direitos” de hoje em dia, mas elas não eram sujeitos passivos da história. (p. 346)       


RESENHA DO LIVRO: "A HISTÓRIA OU A LEITURA DO TEMPO", DE ROGER CHARTIER

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

Roger Chartier em A história ou a leitura do tempo faz uma análise em 9 capítulos, sobre a historiografia nas últimas décadas, levando em consideração a chamada crise da história, abordando as questões relacionadas com a micro-história, a história global e a história na era digital. Ao falar nas mutações da disciplina histórica pós 1988, Chartier lembra que até esta data dominavam duas formas da chamada história cultural: a história das mentalidades e a história quantitativa e que ele propõe novos modelos para superar essas duas formas. Também cita obras de três autores: Paul Vayne (1971), Hayden White (1973) e Michel Certeau (1975), para analisar as dimensões, retórica e narrativa da história. Segundo ele, ao levantarem questões sobre o que é a história, como é pesquisada e escrita, esses autores acabam por anunciar uma crise que viria ocorrer nos anos 1980 e 1990. Antes de mais nada, é preciso dizer que A história ou a leitura do tempo é uma continuação das reflexões iniciadas em À beira da falésia (1998), onde Chartier tenta responder à essa suposta “crise da história”, pois assim como outros historiadores percebe a necessidade de uma resposta às criticas que colocam a cientificidade histórica à prova. Segundo Ginzburg prova e retórica não são antinômicas e estão indissociavelmente ligadas e desde o Renascimento a história soube através de técnicas separar o verdadeiro do falso. Apoiado nessa idéia de Ginzburg, Chartier procura responder à concepção da história transformada em mero texto literário, colocada como uma falsa ciência: “reconhecer as dimensões retórica ou narrativa da escrita da história não implica, de modo algum, negar-lhe sua condição de conhecimento verdadeiro, construído a partir de provas e de controles.” (p. 13) Chartier também aborda as concepções como o paradigma indiciário e a micro-história, trabalhadas por diversos autores, numa tentativa de retomar o valor e cientificidade da história: “Todas essas perspectivas, por mais diferentes que sejam, se inscrevem em uma intenção de verdade que é constitutiva do próprio discurso histórico.” (p. 14) Seguindo o texto, Chartier passa a abordar os conceitos de história e memória, e apoiado na obra de Paul Ricoeur, relaciona três diferenças entre os conceitos. Fala do questionamento existente à representação da história, pela distância entre o passado representado e as formas de discurso que o representam, e torna a defender a verdade da disciplina histórica citando as propostas de Ricoeur para distinguir as fases da operação historiográfica: o estabelecimento da prova documental, a construção da explicação e a colocação em forma literária. (p. 23) Em seguida busca aprofundar a distinção entre história e ficção: enquanto a ficção informa o real, a história representa. Fala ainda sobre a cultura popular e a cultura letrada, e sobre a história global, que rejeitava o marco de Estado-Nação e os recortes tradicionais e o enfoque micro-histórico, o que dificultava as práticas de historiadores. Por último, ele faz uma abordagem sobre a história na era digital e seus desafios e finaliza abordando a capacidade da história em distinguir e articular os diferentes tempos.